18 dezembro, 2010

É NATAL, É NATAL...

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Vista nocturna e parcial do monumental Presépio de Alenquer - Foto de Paulo Marques
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PORQUE SERÁ?
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Porque será que à medida que anos passam me sinto mais próximo dos natais da minha infância e menos identificado com as celebrações do presente? Porque eram mais autênticos? Julguei encontrar o mesmo estado de espírito no poema de António Gedeão que aqui fica com votos de Festas Felizes para todos os que por aqui passam, pelo Al Ain Keir.
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É NATAL
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Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
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É dia de pensar nos outros - coitadinhos - nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
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Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
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De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
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Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
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Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
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Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos disesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
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A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra - louvado seja o Senhor - o que nunca tinha pensado comprar.
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Mas a maior felicidade é a da pequenada.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
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Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
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Ah!!!!!!!!!!!!!
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Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
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Jesus,
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
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Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadores rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
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Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
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Dia de Confraternização Universal,
dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
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António Gedeão in Máquina de Fogo, 1961

12 dezembro, 2010

AS PALAVRAS CERTAS EM TEMPO INCERTO

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QUE TERRÍVEL TEMPO ESTE...
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São de José Manuel dos Santos e foram publicadas na sua crónica intitulada «Miséria», revista "Actual" do jornal Expresso, de 11 de Dezembro, as palavras que de seguida transcrevo e perante as quais me curvo respeitosamente em face da sua qualidade, fazendo-as minhas, esperando que o autor me desculpe o atrevimento:
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Que terrível tempo este, a que somos obrigados a chamar nosso! Sobre este tempo e os seus males, sobre estes dias e os seus medos, as vozes erguem-se para proclamar o óbvio e baixam-se para murmurar o absurdo. As palavras levantam-se para afirmar o injusto e caem para gaguejar o inútil. Lemos o que escrevem sobre esta crise e reparamos que a sua escrita está sempre do lado da morte. A monstruosidade quer mais monstruosidade e a avidez exige mais avidez. Todos apontam o dedo a todos, todos desviam o olhar de todos, mas todos se fazem com todos. Os culpados de ontem são os inocentes de hoje e os inocentes de hoje serão os culpados de amanhã. Como o ladrão que grita "Agarra que é ladrão!", todos acusam os outros de terem feito o que eles fazem. Todos cheios de virtudes. Todos cheios de valores. Todos cheios de verdades.(...)
O pior é ouvir os que são réus a falarem como juízes. Ouvir dizer o horror com alegria sádica ("É preciso acabar com o Estado providência"). Ouvir dizer a esperança com tristeza masoquista ("É preciso mudar de vida"). Ouvir dizer a palavra 'mercados' como se a rezassem. Os que ajoelhavam perante os ameaçados donos de hoje erguem-se agora para os insultar - e ajoelham-se já em frente dos anunciados donos do amanhã que lhes canta aos ouvidos. São sempre os mesmos a fazer o mesmo para obter o mesmo.
E, aqui, da política sobra alguma coisa? Sobra sempre este poema de Sophia, na sua anacrónica actualidade justa:
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Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
caiu em desmandos confusões praticou injustiças.
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
degradação das coisas que a direita pratica?
Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
viscoso gozo da nata da vida - que diremos
da sua feroz ganância e fria possessão?
Que diremos da sua sábia e tácita injustiça
que diremos de seus conluios e negócios
e do utilitário uso dos seus ócios?
Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
de suas fintas labirintos e contextos?
Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
desfigurou as linhas de seu rosto
mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
degradação da vida que a direita pratica?

29 novembro, 2010

O NATAL APROXIMA-SE

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ALENQUER "VILA PRESÉPIO"
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Faltam dias para o Natal e, em Alenquer, na encosta sobranceira à vila, o monumental Presépio ganha forma. Não sei se Alenquer se auto-denominou "Vila Presépio" em resultado deste seu enfeite natalício, ou se o mesmo nasceu e apareceu porque a Vila, em anfiteatro sobre o rio, fazia, já ela, lembrar um Presépio com as suas igrejas e casario alvejando sobre o verde das colinas que abraçam o rio.
Mas sei como esse Presépio nasceu, em 1968, quando era presidente da Câmara o pintor João Mário. Reza a história que a proposta partiu de um seu vereador, D. José de Siqueira e que ganhou forma no estirador de um outro pintor, mestre Álvaro Duarte de Almeida que, mais do que dar forma artística às figuras, teve o mérito de encontrar a escala exacta para o mesmo, inserindo-o, assim, harmoniosamente na paisagem. Refira-se, a propósito, que a figura maior tem seis metros e a mais pequena metro e meio.
Mas Alenquer, conhecida na Idade Média portuguesa como a «Jerusalém do Ocidente», tem ainda outras relações com esta representação do nascimento de Cristo que todos nós conhecemos como Presépio.
De facto, devendo-se este a S. Francisco e tendo sido o Convento franciscano de Alenquer o primeiro da Ordem em Portugal, fundado em 1222 por dois discípulos do santo de Assis, Frei Gualter e Frei Zacarias, chegados a Alenquer em 1216, é bem provável que o primeiro Presépio que Portugal teve tivesse nascido precisamente aqui, em Alenquer.
Ainda sobre o epíteto dado a Alenquer de "Vila Presépio" achámos curioso ver tal denominação já insinuada num bonito soneto de 1903 da autoria de Álvaro F. do Amaral Netto in Brasas da Minha Lareira, transcrito por Natércia Freire no seu Ribatejo.
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ALENQUER
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Envolta em véus de transparente seda,
mostrando a todos graças de princesa,
quisera ver-te, bem formosa e leda,
nobre Alenquer, de senhoril beleza!
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E achei-te linda, aconchegada e queda
- votiva chama num presépio acesa!-,
tão alto erguida, que não sei quem exceda
teu trono e altar em dons de singeleza
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Sentir julguei ainda o fino odor
das tuas rosas - rosas sempre em flor!-
que uma Rainha fez nascer do pão...
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E supus ver, nas minhas ilusões,
passar por ti a sombra de Camões
a quem tu deste o berço e o coração!

21 novembro, 2010

FOI HÁ DUZENTOS ANOS

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ALENQUER LIBERTADA - NOVEMBRO DE 1810

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De forma ainda que modesta, não quis o Pelouro da Cultura da nossa Câmara Municipal deixar de comemorar os duzentos anos da retirada de Massena da vila Alenquer, onde este Marechal havia instalado o seu Quartel-General. Exposições e o lançamento do livro Foi há duzentos anos de António Rodrigues Guapo, em data ainda a marcar, fazem parte do programa.
Todavia, um dos pontos pontos mais altos destas comemorações, terá lugar no próximo Sábado, dia 27 de Novembro, pelas 21 horas, no Pavilhão Municipal das Paredes. Também da autoria de António Rodrigues Guapo, aí será representada uma dramatização desses dolorosos acontecimentos sofridos pelos alenquerenses há duzentos anos.
Um imponente e gigantesco cenário ao comprimento do recinto espera os espectadores e aí evoluirão mais de cem amadores e figurantes dos grupos de teatro do Concelho: Grupo "Vida Activa", "Os 4 e o Burro", "Palmira Bastos" de Aldeiagavinha e "Teatro da Biblioteca" da Labrugeira sob a orientação de Gualberto Silva que também colaborou no texto. Apresentar-se-à, ainda, a Fanfarra da Banda do Exército fardada à época.
Ainda que relativamente curto, estamos certos que todos virão a gostar do espectáculo que lhes será proporcionado.
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É de Guilherme João Carlos Henriques o texto que se transcreve e que relata os acontecimentos ocorridos faz agora dois séculos:

«No dia 12 (de Novembro de 1810) Montebrun marchou, com a vanguarda do exército francês, de Alenquer para Vila Franca de Xira; e o oitavo corpo seguiu de Alenquer para o Sobral. Em seguida o marechal Massena fixou o seu Quartel General em Alenquer. Em fins de Outubro aí esteve o Intendente Geral Lambert. Durante um mês a vila, abandonada quase de todo pelos habitantes, esteve à mercê dos invasores; mas talvez sofresse menos pelo facto de Massena ter aqui os seus doentes em tratamento enquanto não retirou para o norte, o que fez a 12 de Novembro.

No dia 15 daquele Mês a Divisão Ligeira do exército defensor chegou até Alenquer, espiando os movimentos do inimigo, e tendo verificado que estes tinham por destino Santarém, a vila foi ocupada pela Quinta Brigada sob o comando do brigadeiro inglês Campbell. Em 18 de Novembro de 1810 achavam-se em Alenquer os Regimentos nacionais n.º11 e 23, com duas brigadas de artilharia.

Começaram, então, os desgraçados alenquerenses a voltar para as suas casas, que na maior parte encontraram saqueadas e arruinadas. Tinham abrigo, mas de comestíveis havia a mais absoluta falta. Na vila fazia-se, diariamente, a expensas da oficialidade inglesa e nacional, um caldeirão de caridade a que acudiam trezentas pessoas por dia, e no qual se cozinhavam as cabeças, pés e miudezas das rezes que se matavam para sustento dos soldados. Assim duraram as coisas até 5 de Março de 1811, quando Massena, não recebendo os reforços que pedira, começou a evacuar o país.



17 novembro, 2010

NO PRÓXIMO FIM DE SEMANA

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ALENQUER VAI AO TEATRO
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A Troupe de Teatro «Os 4 e o Burro» e a Junta de Freguesia de Santo Estêvão decidiram promover uma Noite Solidária, levando ao palco do Auditório Damião de Goes, nesta vila de Alenquer, Sábado Dia 20, pelas 21,30 horas, a peça do dramaturgo brasileiro Dias Gomes, intitulada «O Santo Inquérito».
Noite Solidária porque a receita reverte inteirinha a favor da obra assistencial da Irmandade do Senhor Jesus dos Passos que, louvavelmente, aqui presta apoio a famílias carenciadas.
Aproveitando a oportunidade, quiseram as gentes do teatro alenquerense ir ainda um pouco mais além, pelo que Sexta-Feira dia 19, pelas 21,30 horas e Domingo dia 21, pelas 16,00 horas promovem outras duas representações, sendo 50% da receita igualmente destinada à citada Irmandade.
O Grupo «Os 4 e o Burro» assumiu este seu nome singular quando, há já alguns anos, quatro actores se reuniram para na companhia de um burro fazerem teatro de rua, mais concretamente, representarem a peça Ruzante volta da Guerra, de Ângelo Beoco. Depois disso, o elenco cresceu, o burro foi à sua vida e o teatro continuou. Sob a orientação do actor-encenador Álvaro Gomes o Grupo representou A Farsa de Mestre Pathelin, de um Anónimo do Séc. XIV, O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, Pranto para Ignacio, de Garcia Lorca, Deus lhe Pague, de Juracy Camargo e Um Pedaço de Céu que me Fugia, de Pedro Pinheiro, encontrando-se já em ensaios Felizmente Há Luar de Sttau Monteiro.
Sobre este seu trabalho agora em cena, O Santo Inquérito, elaborou o Grupo a seguinte sinopse:
Em meados do séc. XVIII, no auge das visitações do Tribunal do Santo Ofício, Branca Dias uma jovem rapariga cujo único pecado é a sua inocência e ingenuidade, vê-se envolvida num tenebroso inquérito movido por interesses pouco claros, que irá colocar em causa tudo o que sempre acreditou. Perdida a inocência, ganha a consciência de que a dignidade humana é algo de que não se pode abdicar, "nem mesmo em troca da liberdade, nem mesmo em troca do sol". Escrita na década de sessenta, em plena ditadura militar O Santo Inquérito, é uma peça sobre a perversão do poder nos estados totalitários, mas também sobre a intolerância, a incapacidade de compreender o outro.
E você? Vai ficar em casa? Desta vez não acredito.


02 novembro, 2010

HAVERÁ MAIS VIDA PARA ESTE GOVERNO DEPOIS DE...

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DA ESTRATÉGIA DO CINISMO À ESTRATÉGIA DA HUMILHAÇÃO
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Digo-vos desde já, à revelia dos argumentos mais tacanhos que as oposições têm querido fazer passar, que não acredito que a crise económica e financeira que vivemos seja fruto da má governação do executivo de Sócrates ou dos erros acumulados por todos quantos o antecederam.
Antes fosse! Matava-se o mal pela raiz e, como se diz no futebol, passávamos a depender só de nós...
Deixem-me recuar umas décadas neste tempo que já vivi para vos dizer que, quando jovem bancário, tive uma vez formação com um senhor que tinha sido dealer do banco onde trabalhava no Mercado de Capitais de Lisboa. O que era isso? Era um local onde os agentes dos bancos que tinham «excesso de liquidez» (mais dinheiro depositado do que aquele que necessitavam para o crédito que faziam) vendiam dinheiro aos que tinham «falta de liquidez». Qualquer coisa como isto: «Tenho 4 milhões de contos, quem pega?», havendo, naturalmente, quem respondesse, «compro 2 por 15 dias à taxa de juro x ou y».
E isto funcionava porque neste País havia uma coisa chamada «poupança» (vejam bem, num tempo em que a vida era incomensuravelmente mais difícil do que é hoje), porque estávamos num tempo em que ainda não haviamos sucumbido à febre consumista que rouba às famílias o que elas têm e não têm. Sim, porque hoje, Banco ou Governo, se necessitam de liquidez para satisfazer as necessidades de crédito dos seus clientes, particulares ou empresas, ou de funcionamento dos Ministérios, há que ir lá fora e pagar a taxa de juro que as tais agências de classificação de risco atribuem ao país, porque poupanças depositadas, coitadinhas.
Este, o da dívida externa, é como todos sabemos o rosto actual da tal «crise» que há cinco anos nos atormenta (a nós Portugal, à Europa e ao Mundo), aquela que começou pelo rebentamento da tal bolha imobiliária, que passou pelo abanão das instituições que enfardaram nos tais «produtos financeiros tóxicos», que depois... poupo-vos ao resto, para vos dizer que só um cego não vê ou não quer ver, que mesmo as economias mais fortes da Europa tiveram que implementar medidas orçamentais rigorosas para combaterem os seus déficites e cuidarem do seu endividamento.
Eu não sonhei isto, pois não? Então para quê todo este espectáculo para «tótós» distraídos que ainda por cima nos sai caro no mercado externo de capitais? Enquanto ia assistindo ao folhetim das negociações PS/PSD, uma só qualificação me vinha à ideia: «estratégia do cinismo» (por acaso título de um livro de Carlos Coutinho que há muito tempo li e não tem nada a ver com isto...).
Todos estavam muito preocupados com o País, coitadinho, porque vai pagar caro um «chumbo» (tá bem abelha...), mas o que mais interessava aos «salvadores», está visto, eram as sondagens para ver se mandavam ou não o Sócrates bugiar ou fazer um doutoramento em engenharia nos Estados Unidos, que é para onde vão desenfastiar os ex-governantes que por decoro não entram logo num acolhedor Conselho de Administração. E o que pensaria Sócrates? Sinceramente, penso que já não pensa nada, porque isto de cinco anos a dançar com a mais feia...
Hoje, a espaços, assisti ao debate do Orçamento. O que me veio à ideia? Que da «estratégia do cinismo» havíamos passado à «estratégia da humilhação». O Sócrates que eu vi hoje no Parlamento, não era seguramente o mesmo combatente de outrora, era a sombra do político que foi e essa sombra toldava-lhe já o rosto. Estava lá, mas era como se já lá não estivesse.
Desculpem-me: Que triste espectáculo de arrogância o daquela bancada que, dizem as sondagens, nos irá em breve governar. Assis esteve certo naquilo que disse àqueles que vão fazer o favor de dar aos portugueses este Orçamento por eles classificado de inqualificável, e eu não sei como classificar esse gesto abnegado de Coelho e quejandos...
Mas há uma coisa que todos já sabemos: que este é um Governo de dias contados, os dias que na estratégia partidária laranja faltam para Cavaco ser de novo eleito Presidente da República. E que dias serão esses que este Governo irá (ou poderá) dar ao País depois da aprovação por omissão deste Orçamento? Depois do que vi hoje acontecer em S. Bento, acho, só, que vamos ter um Inverno muito cinzento e duvido muito que a Primavera se vista de verde, que é a cor da esperança.

26 outubro, 2010

A CULPA FOI DA CONSTIPAÇÃO...

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CORRUPÇÃO NO MUNDO
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Uma constipação à revelia do bom tempo que se tem feito sentir e uns comprimidos que me deixaram em estado pastoso e vegetativamente à mercê das televisões e dos noticiários que hora a hora se repetem sem novidade de maior, deram-me o mote para este post.
Para além das negociações do Orçamento do Estado que se arrastam, arrastam, demonstrando com isso que avançam sobre o alvo final, a aprovação, a grande novidade do dia era a do índex da Corrupção elaborado por uma ONG que ninguém conhecia (mas que ao fim do dia será tão conhecida como a Coca-Cola), chamada Transparency Internacional.
Procurem por este nome na net e lá a encontrarão, pois foi o que eu fiz, amante que sou (vá lá saber-se porquê...) de listas ordenadas. Para mais, se é que ouvi bem, o espanto era a nossa, nossa de Portugal, má classificação nesse ordenamento onde entre 178 países do mundo inteiro ocupávamos um, não sei se modesto, se lisonjeiro, 32º lugar, facto que deu logo oportunidade a «antenas abertas», essa aberração onde os mesmos reformados de sempre descarregam (inconscientemente) na matéria em discussão o seu ódio ao banco do jardim, sem darem conta de que nesse último, pelo menos, não incomodavam ninguém.
E que vi eu nesse «índex»? Logo à partida que no nosso patamar, o dos 6 pontos, tínhamos como companheiras a Espanha (30.º) e a França (25º) faltando a este «clube latino» a Itália detentora de um terceiromundista 67º lugar , e, ainda, o Uruguai (24º) e a Estónia (26º). Um clube restrito, portanto, sendo ainda mais restritos os dos patamares superiores correspondentes aos 7, 8 e 9 pontos.
Aliás, no intervalo seguinte, o dos 7, lá estavam os Estados Unidos (22º), a Bélgica (22º), a Inglaterra (20º) a Alemanha (15º) e, surpreendentemente o Chile (21º), o melhor da América Latina, todos eles ali bem pertinho de nós.
Neste mapa-mundo pintado a cores que vão do amarelo ao tinto de Bordéus, 3/4 do território terráqueo surgem borrados em tons avermelhados. Será, de facto, assim tão mau o nosso estado que, todavia, evoluiu positivamente em relação ao ano anterior? O leitor o dirá. Claro que, também aqui gostaríamos de ser uma Dinamarca ( 1º) ou uma Nova Zelândia (1º)... Mas, decisivamente, não somos como a Grécia (78º) a quem, em tudo, tentam colar-nos.
Este problema, o da corrupção, é, a meu ver, um problema da Moral e da Justiça. Da Moral que deve incutir os bons princípios e da Justiça que deve castigar exemplarmente. Não é, seguramente, um problema político (o tabuleiro para onde, por comodidade, se tenta transportar tudo). Há políticos corruptos do mesmo modo que há juízes, funcionários públicos, polícias, padres, empregados bancários e... eu próprio, quando insinuo ao vendedor que passo bem sem o «recibozinho» da compra (qual IVA, qual quê!), não estarei também a corromper?
Para terminar. Um colega meu, bancário, dizia-me às vezes em desespero: «O meu pai ensinou-me tudo ao contrário: sê honesto, sê um homem de princípios, age com verdade, etc, etc. Como irei eu sobreviver nesta sociedade de chicos-espertos?».
Amigo Zé. Afinal sobreviveste e o teu pai tinha razão. É dentro da casa de cada um que este problema se começa a resolver.
Desculpem-me lá esta de moralista, mas a culpa foi da constipação.

16 outubro, 2010

UM LIVRO DIVERTIDO E QUE NOS DEIXA A PENSAR QUE...

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«PORTUGAL ENFERMO PELOS VÍCIOS E ABUSOS»
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Como se pode ver pela imagem acima, não se trata de nenhum livro actual, mas é actual o seu conteúdo, muito embora tivesse sido publicado em 1819, saído que foi da pena de um senhor chamado José Daniel Rodrigues da Costa (1752-1832). Vejamos algumas passagens:
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Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
E bem que velho sou inda me animo
A mostrar-te os defeitos, e os excessos
Dos costumes que tens tão avessos
Dos costumes que tinhas algum dia,
Quando mais reflexão na gente havia.
Tu de estranhas Nações foste invejado;
Hoje faz compaixão teu pobre estado:
Cada vez te vão mais enfraquecendo,
todo o brilho que tinhas, vais perdendo;
Paraíso do Mundo te chamavam,
As mais Nações contigo se animavam,
Elas porém ficaram sãs e fortes,
e tu a todo o instante exposto aos cortes
da usura, da ambição, da falsidade,
do egoísmo, da fuga, da impiedade.
(...)
Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
E o pesar que me causas, mal reprimo!
estás presentemente na figura
do enfermo que não pode com a cura,
por moléstias tais tão complicadas,
que parte das receitas são baldadas.
(...)
Vai a banhos do mar a Dama Bela,
porque deles precisa, ou por cautela;
o Velho busca estuporado as Caldas,
e ali da mocidade purga as baldas,
consegue movimento em braço e perna,
e a perdida cabeça já governa;
(...)
Eu vejo nestes tempos desditosos
povos empobrecidos e chorosos,
Pois quando varrem um mal outros se seguem,
Que os Mortais atormentam e perseguem (...)
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Estes que aqui ficaram são alguns fragmentos retirados das 69 páginas que o livro tem. O português foi actualizado, mas o original não oferece grandes dificuldades de leitura.
Se a curiosidade o picou, vá ao site da «Biblioteca Nacional de Portugal», «Biblioteca Digital», «Autor (Costa, José Daniel Rodrigues da) e... Boa e divertida leitura!
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José Daniel Rodrigues da Costa nasceu em Leiria mas veio muito novo para Lisboa. Frequentou as tertúlias da Arcádia Lusitana onde adoptou o pseudónimo de Josino Leiriense. Gozou da protecção de Pina Manique e as suas opções políticas oscilaram entre o liberalismo e o apoio a D. Miguel. Poeta panfletário, manteve uma certa rivalidade com Bocage. Outra obra sua muito conhecida e interessante é O Balão aos Habitantes da Lua (1819), também ela possível de encontrar digitalizada na net.

07 outubro, 2010

INVASÕES FRANCESAS

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10 de Outubro de 1810 - 10 de Outubro de 2010
NO II CENTENÁRIO DOS COMBATES DE ALENQUER
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É de Guilherme João Carlos Henriques, o autor de A Vila de Alenquer, onde o mesmo foi publicado, o relato que transcrevemos:
«A 9 de Outubro chegou à vila de Alenquer a brigada portuguesa sob o comando de Sir Dennis Pack composta de Infanteria 1 e 16 e Caçadores 1, 3 e 4, na força total de 3.792 homens. Ficaram até ao dia seguinte.
O corpo francês que os seguiu para o lado de Alenquer obedecia às ordems do Gen. Montbrun e chegou à vila quando ainda aí se achava parte da brigada de Pack.
Contou-me, por vezes o Marechal Saldanha, meu excelente padrinho, de saudosa memória, comandante, então, da Infanteria 1, que se recordava perfeitamente de estar no Largo Espírito Santo, lavando as mãos numa bacia que a ordenança segurava, quando os piquetes recolheram batendo-se com as avançadas francesas que começavam já a descer as encostas em frente da vila.
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Marechal Saldanha - Gravura da Biblioteca Nacional
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Travou-se combate para proteger a retirada do grosso da força sobre Sobral de Monte Agraço, havendo, segundo estatística oficial, dois soldados feridos e dois extraviados.
No dia 12, Montbrun marchou com a vanguarda do exército francês de Alenquer para Vila Franca de Xira e o oitavo corpo seguiu de Alenquer para o Sobral de Monte Agraço. Em seguida o Marechal Massena fixou o seu Quartel General na vila de Alenquer. Em fins de Outubro aí esteve o Intendente Geral Lambert.
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Marechal Massena, comandante da terceira invasão francesa - Gravura da Biblioteca Nacional
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Durante um mês a vila, abandonada quase de todo pelos habitantes, esteve à mercê dos invasores, mas talvez sofresse menos pelo facto de Massena ter aqui os seus doentes em tratamento enquanto não retirou para o Norte, o que fez a 12 de Novembro.
Batalha de Borodino - Fotografia de um fragmento da grandiosa tela (115mx15m) de Franz Alekseevitch Roubaud (1856-1928) - Museu Panorama «A Batalha de Borodino» - Moscovo
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04 outubro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

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O 5 de OUTUBRO de 1910 em ALENQUER
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A república foi, também, proclamada em Alenquer no dia 5 de Outubro de 1910. No seu n.º 1293 de 9 de Outubro de 1910, o jornal Damião de Goes que então se publicava nesta vila, relatou assim os acontecimentos:
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ESTÁ PROCLAMADA A REPÚBLICA!
As manifestações em Alenquer
«Quando na quinta-feira última houve conhecimento em Alenquer, de que tinha sido proclamada a República em Lisboa, foi grande o entusiasmo, organizando-se um numeroso cortejo levando as bandeiras republicanas.
Todas as fábricas fecharam e os seus operários incorporaram-se no cortejo que percorreu algumas ruas da vila, até aos Paços do Concelho, onde foi arvorada a bandeira republicana no meio de muitos vivas e palmas.
Foram depois lacradas as portas das diferentes repartições sendo os Paços do Concelho guardados por grupos de populares.
À noite organizou-se uma marcha aux flambeaux com a filarmónica da Merceana à frente tocando A Portuguesa. Percorreu várias ruas da vila, soltando entusiásticos vivas à República.
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Um outro episódio interessante então ocorrido, teve a ver com a presença em Alenquer, nesse mesmo dia, do Dr. Bernardino Machado:
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«DR. BERNARDINO MACHADO, JÁ TEMOS A REPÚBLICA! JÁ TEMOS A REPÚBLICA!»
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José Dionísio Leitão em fotografia de 1903

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Nesse dia 5 de Outubro, Artur Ferreira da Silva encontrava-se em V. F. Xira, quando recebeu a notícia da proclamação República. O que se seguiu veio relatado pelo próprio no Jornal d'Alenquer, de 5 de Outubro de 1913:
«...abalámos para Alenquer a toda a pressa para trazermos a feliz notícia aos nossos amigos e correligionários. Por sorte, à entrada d'esta vila encontrámos o Dr. Bernardino Machado que se dirigia a Lisboa. Aqui lhe comunicámos que estava resgatada a nossa querida Pátria pela implantação da República».
O relato desse encontro obtive-o eu de uma fonte presencial, minha avó Quitéria Leitão Lourenço que, então, ofereceu ao Dr. Bernardino Machado um ramo de flores: «Transida de medo meu filho, porque naquele tempo de revoluções, nunca se sabia o que poderia acontecer...».
Esse encontro ocorreu em Santa Catarina, junto à casa de meu bisavô José Dionísio Leitão que foi em Alenquer um dos maiores propagandistas da República (as palavras são de José Rodrigues Caseiro no Jornal de Alenquer). Republicano convicto e homem corajoso, dele disse o jornal O Alemquerense, n.º 252 de 30 de Dezembro de 1892, quando fez parte de uma lista republicana(1) que disputou a Câmara local a Francisco Pedro de Oliveira e Carmo: «(...) e o sr. José Dionísio Leitão, cidadão que bem compreende os seus deveres, e que sem lisonja, se pode dizer que representa o laborioso povo de Paredes(...)».
Voltando ao relato de minha avó:«Estavam lá muitos republicanos da vila e quando o carro parou e o Dr. Bernardino Machado abriu a portinhola para descer, o teu bisavô não se conteve e de chapéu na mão, grande como ele era, correu para ele abraçando-o aos gritos de Dr. Bernardino Machado, já temos a República, já temos a República!».
O largo onde isto aconteceu passou a chamar-se Largo Dr. Bernardino Machado, e, numa casa recentemente construída no mesmo local onde se situava a de meu bisavô, lá está uma placa de 1911 evocativa do acontecimento. Neste centenário, dia 5 de Outubro, pelas 15 horas, aí, nesse mesmo largo, será descerrado um memorial evocativo, cerimónia que contará com a presença de descendentes daquele que viria a ser, em duas ocasiões, Presidente da República. Lá estarei em memória de meu bisavô José Dionísio Leitão e de todos os republicanos alenquerenses que protagonizaram esse episódio.
(1) Fizeram também parte dessa lista: Vereadores Efectivos - José Rodrigues Vaz Monteiro, Domingos Joaquim de Mendonça e Silva, José de Menezes Correia de Sá, José António Batoréu Júnior e Theodoro Emílio Martin. Vereadores Substitutos - Salomão dos Santos Guerra, Ernesto da Cruz Calleya, José António Ferreira Leal e Luiz António da Silva Caiano.

29 setembro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

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A CARBONÁRIA ALENQUERENSE EM VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO REPUBLICANA
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Falar da Maçonaria alenquerense (ou do pouco que dela se sabe) levar-nos-ia ao século XVIII, mas, para o que agora nos interessa, referiremos que em 1909 nasceu em Alenquer a loja Damião de Goes sob a direcção de João de Avellar. De acordo com revelações do próprio, nela reuniam «tantos e tão insignes cidadãos que em Alenquer desempenhavam os mais altos cargos públicos e sociais que neste Grémio me rodeavam na tarefa de proteger a Humanidade fraternalmente». Dos nomes desses alenquerenses, só se tornou conhecido o de Fernando Campeão dos Santos.
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Ao centro João Carlos Sant'Ana. À sua esquerda Gregório Rosa e à direita Isidoro Castro Guerra, ambos fervorosos republicanos.
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É de crer que foi desta loja maçónica que saíram para a Carbonária local muitos dos seus membros. Segundo um relato de João Carlos Sant'Ana publicado no Jornal d'Alenquer, n.º 1 de 5/10/1913, também estes se prepararam para a grande revolução que iria acontecer:
«Eram dez horas da noite do dia 26 de Setembro de 1910. Em uma casa desabitada pertencente a Artur Ferreira da Silva (Ségeiro) reuniam-se seis indivíduos. Quando ali entrei encontrei-os cheios de ardente fé na próxima proclamação da República prontos a sacrificarem a própria vida para fazer triunfar esse Ideal há tanto desejado (...). Joaquim Barral, um dos mais fogosos e exaltados queria a Revolução naquela mesma noite.
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Artur Ferreira da Silva «Ségeiro»
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Confesso que tendo ali entrado com certo receio inexplicável, a breve trecho me senti tomado pelo entusiasmo dos meus companheiros. Então, Roque Miranda que presidia à reunião como delegado do comité revolucionário e representante da Alta Venda, iniciou-nos na Carbonária, pondo-nos ao facto do que projectava fazer-se e dando-nos instruções. Artur Gonçalves, sempre metódico e previdente, ia redigindo e coordenando os termos de juramento solene que todos, sem a mais leve hesitação, assinámos. Roque Miranda prometeu então telegrafar-nos em cifra, prevenindo-nos do dia em que sairia a Revolução e enviar novo telegrama no próprio momento em que ela estalasse. Esses telegramas nunca chegaram porque o primeiro cuidado dos revolucionários de Lisboa foi apoderarem-se do telégrafo».

João Carlos Sant'Ana dá-nos ainda a conhecer: «Conforme ficara combinado fui organizando a minha «Choça» a que ficaram pertencendo Joaquim Galvão, Januário Bento Pereira e José Fevereiro, conservando ainda em meu poder o juramento assinado por eles».

19 setembro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA


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LUZ DE ALMEIDA - O ALENQUERENSE QUE ARMOU A REPÚBLICA
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Artur Augusto Duarte da Luz de Almeida, nasceu em Alenquer no dia 25 de Março de 1867. Seu pai era nesta vila regente escolar e por cá haveria de permanecer por mais seis anos, retirando-se então para Lisboa, cidade onde Luz de Almeida fez o Curso dos Liceus e onde completou, com distinção, o Curso Superior de Letras.
Foi ainda na Universidade que Luz de Almeida aderiu ao ideário republicano, vindo a presidir à Junta Revolucionária Académica, tida como a Maçonaria académica e percursora da Carbonária. Completado o curso superior, foi colocado na Biblioteca Municipal da Rua do Saco, como ajudante do conservador da mesma, aí exercendo a profissão de bibliotecário e arquivista.
Data desse tempo o "retrato" que dele nos deixou Rocha Martins: «Aí por 1896 era já conservador da Biblioteca Municipal da Rua do Saco o republicano Feio Terenas. O ajudante era um rapaz magro, baixo, pálido, de poucas falas, sem gestos, sem vivacidade, sempre vestido de negro e com uma grande gravata Lavalliére pendente sobre o colete. A casa era um rectângulo vasto de prateleiras enfileiradas, atulhadas de grandes livros que se iam buscar para os domicílios; ao lado ficava a sala de leitura e, no canto da janela que deitava para o largo, tristonho, por detrás de um store corrido, o ajudante passava os dias lendo, muito compenetrado, com o seu eterno ar sereno, os olhos tão negros como o fato ao erguerem-se, com ar resignado, quando o vinham interromper. Chamava-se Luz de Almeida. (...) Nós não podíamos imaginar que em plena Lisboa, ali, no fundo daquela biblioteca, na pessoa tristonha daquele rapaz melancólico estava um organizador...».
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Luz de Almeida, o segundo a contar da esquerda
A sua iniciação na Maçonaria deu-se em 1897 na loja Luís de Camões do Grande Oriente de Portugal, dissidência minoritária (1891-1909) do Grande Oriente Lusitano Unido, e, em 1900, foi fundador e Venerável da loja Montanha.
Com Machado Santos, futuro herói da Rotunda, representante da Alta Venda e António Maria da Silva, representante da Venda Jovem Portugal, Luz de Almeida assume em 1908 o directório da Alta Venda Carbonária com o grau de Grão-Mestre.
Para melhor entendimento de toda a questão muito haveria a dizer sobre as Carbonárias ( houve mais do que uma, sendo a mais radical a anarquista e o aparecimento destas sociedades em Portugal remonta aos anos vinte do século XIX ) mas o espaço obriga-nos a ser breves. Digamos então que esta Carbonária de que Luz de Almeida foi Grão-Mestre organizou-se pelos anos noventa e haveria de tornar-se decisiva para a implantação da República, já que armaria um exército civil de cerca de 50.000 revolucionários e haveria de exercer acção preponderante na doutrinação e sublevação dos militares.
A esse propósito refira-se o pequeno folheto escrito por Luz de Almeida e intitulado A Cartilha do Cidadão - Diálogo entre o Médico Militar Dr. Ribeiro e o João Magala o qual alcançaria enorme sucesso entre soldados, cabos e sargentos, conhecendo por isso três edições.
Em 1909, na sequência do que ficaria conhecido como o Crime de Cascais, um ajuste de contas no seio da Carbonária que vitimaria na Boca do Inferno um certo Manuel Nunes Pedro, tendo a polícia desencadeado uma enorme acção repressiva sobre esta sociedade secreta(1), Luz de Almeida vê-se obrigado a deixar o País exilando-se em Paris sofrendo, com isso, «o maior desgosto da sua vida, o não assistir à última etapa da sua acção revolucionária».
(1) - Na sua obra A Carbonária em Portugal - 1897-110 o Prof. Dr. António Ventura relaciona 150 (!) nomes de implicados pela polícia neste caso, sobre o qual António Maria da Silva afirmaria nada ter Luz de Almeida a ver com ele, desconhecendo-o, até.
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Implantada a República, Luz de Almeida viria a ser eleito deputado às constituintes, cargo que não viria a exercer por ter tido que se deslocar para o Norte onde conduziria os grupos carbonários que lutaram contra a primeira incursão monárquica. Mais tarde e por diversas vezes viria a ser novamente eleito deputado e exerceu o cargo de Inspector das Bibliotecas Populares e Móveis publicando, nesse âmbito, em 1918, Bibliotecas Populares e Móveis em Portugal, Relatório. Em 1932, Luz de Almeida colabora com o historiador Luís de Montalvor na História do Regime Republicano em Portugal, a ele se ficando a dever o Capítulo "A obra revolucionária de propaganda: as sociedades secretas" considerado incontornável para o conhecimento histórico da Carbonária. Luz de Almeida faleceu em Lisboa no dia 4 de Março 1939.

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Luz de Almeida, um filho de Alenquer que Alenquer desconhece ou ignora. Por cobardia política? Por uma interpretação pacóvia da História? Por subordinação tacanha ao famigerado conceito do «politicamente correcto»? Por temor beato e obscuro às sociedades secretas ( Maçonaria e Carbonária) por onde passou todo um exército dos melhores filhos da Pátria, bispos e padres incluídos? Nem sequer lembrado no Centenário da República...?








22 agosto, 2010

A ANTIGA ERMIDA DE S. SEBASTIÃO EM ALENQUER

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Quem desce a actual Calçada Francisco Carmo depara-se, mais ou menos a meio, com este singelo edifício hoje propriedade de privados. Contudo, são poucos os que o identificam como sendo a antiga ermida de S. Sebastião.
Segundo D. Carlos de Azevedo que se tem dedicado ao estudo do culto deste santo no nosso País, ainda existem 1300 paróquias em que esse culto se encontra vivo, cerca de cem freguesias que o têm como orago e mais ou menos 300 capelas.
É bem possível que esta capela de Alenquer tenha sido uma das que o nosso rei D. Sebastião mandou estabelecer à entrada de cada vila, pois, segundo Guilherme Henriques, «do Cartório da Câmara» já «consta que nos quinze anos, 1690-1705 as esmolas recolhidas nesta ermida importaram em 23$070 réis», sendo esta uma das mais antigas referências conhecidas.
Ainda segundo este historiador, «a ermida era pequena e tinha um único altar com uma imagem do Mártir Santo. Era administrada pela Câmara Municipal e todos os anos no dia do orago o Senado vinha em procissão ouvir missa e sermão» Isto até que, em 1811, foi incendiada pelas tropas francesas que ocupavam a vila...
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Alenquer em 1941 - Fotografia de Eduardo Portugal - Colecção Graciano Troni - In Alenquer Desaparecida de Filipe Soares Rogeiro
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Dissemos atrás que a ermida fora mandada construir à entrada da vila, mas, veja-se pela fotografia acima, como a vila medieval cresceu ao encontro do rio e absorveu na sua malha urbana esta ermida.
Todavia, apesar da sua singeleza este edifício tem a sua história: Em meados do séc. XIX foi pertença de August Lafaurie - industrial francês que em Alenquer implantou uma importante fábrica de lanifícios - e de sua filha Carolina por herança. Nesse tempo foi armazém da fábrica ou adega.
Mais tarde foi por diversas vezes e em períodos diferentes sala de teatro e outros espectáculos e em 1891 sede da Banda da Sociedade União e Recreio Alenquerense. Em 1917, aí funcionou a Sopa dos Pobres que por iniciativa de Artur Ferreira da Silva "Ségeiro" e de outros alenquerenses entre os quais a benemérita Maria Milne Carmo, mitigaria a fome aos mais desprotegidos habitantes da vila atingidos pela chamada «crise das subsistências» induzida pela Primeira Grande Guerra.
Por último, foi armazém da Câmara e como tal ainda a conhecemos até ao «25 de Abril». Depois, como já o referimos, passou ao domínio privado, sendo hoje casa de habitação.


12 agosto, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

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EM ALENQUER, FAZ AGORA CEM ANOS...
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No seu n.º 1286, publicado no dia 21 de Agosto de 1910, anunciava o jornal local "Damião de Goes":
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«Realiza-se hoje nesta vila pelas 5 horas da tarde, num vasto recinto da Rua Triana, próximo da ponte, um comício republicano.
Fazem uso da palavra além de outros oradores, o grande tribuno Dr. António José de Almeida, o eminente homem de ciência Dr. Miguel Bombarda e o Padre Rodrigues Esteves.
(...) Realizam-se ainda comícios republicanos na Merceana, Labrugeira, Olhalvo e Atalaia com a presença do Dr. Miguel Bombarda candidato a deputado por este círculo».
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E assim aconteceu. Porém, acabaram por ser oradores neste comício republicano o Dr. Rodrigues Simões, Alfredo Rosa, o candidato pelo círculo às legislativas de 28 de Agosto, Dr. Miguel Bombarda, o Padre Esteves Rodrigues, António Ferrão, Raul Pires e o Dr. João Gonçalves que a ele presidiu.
O local onde se realizou, na Rua Triana, pertencia ao Grémio Alenquerense, e, segundo o jornal já citado, foi enorme a assistência, fazendo este notar a presença de muitas senhoras.
Mais tarde, os oradores foram obsequiados com um lauto banquete que decorreu no Teatro da Arcádia, sede da Sociedade Filarmónica d'Alenquer que sucedeu nesse espaço à Sociedade Filarmónica Operária Alenquerense.
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Com o desenlace destas eleições o Dr. Miguel Bombarda viria a ser eleito deputado ao Parlamento, mas não assistiria ao implantar da República, uma vez que no dia 3 de Outubro, quando trabalhava no seu consultório, seria assassinado por um seu ex-doente, um tenente do Exército.
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18 julho, 2010

A ANTIGA PONTE DO ESPÍRITO SANTO

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A foto acima publicada, porventura uma das mais belas de toda a fotografia alenquerense, mostra-nos a ponte do Espírito Santo quando junto a ela decorriam trabalhos de limpeza do rio.
Esta ponte construída pela Câmara local no reinado de D. Sebastião e a mando deste, foi dada como acabada no dia 28 de Abril de 1571, vindo a ser demolida em 1948 quando das obras de regularização do curso do rio, as quais implicaram o desvio deste para o nascimento das actuais avenidas.
A fotografia, de autor desconhecido, é de 1941 e pertence à colecção Graciano Troni, tendo sido publicada na obra abaixo reproduzida, não por acaso, mas para a dar a conhecer a quantos, porventura, ainda não tiveram o privilégio de a desfolhar. Nessa obra assinada por Filipe Rogeiro, com chancela da Arruda Editora, encontrará o leitor magníficas fotografias da vila de Alenquer nos anos 30 e 40, acompanhadas por esclarecedores textos do autor.
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O rosto deste livro mostra-nos o padrão que sempre existiu junto à mesma, embora, como o refere Guilherme Henriques, tivesse ao longo dos tempos ocupado diversos lugares. Demolida a ponte foi o padrão recolhido pela Câmara que, há algum tempo, decidiu colocá-lo como elemento decorativo no Parque Vaz Monteiro.
Aparentemente a ideia foi boa, mas...
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...como se pode verificar na fotografia acima, a exposição aos elementos começa a fazer alguns estragos nestas vetusta pedras. Por exemplo, uma inscrição, qual impressão digital dos tempos quentes da revolução liberal e lutas que se lhe seguiram, «Rainha e Carta// D. Maria», já quase que desapareceu.
Penso que seria de todo o interesse mandar recolher a sítio seguro este singelo e centenário monumento, o qual, um dia, dignificaria a recepção do Museu que Alenquer ainda não tem, mas, acredito, virá um dia a ter, na Igreja da Várzea ou em qualquer outro local.










16 julho, 2010

UMA FOTOGRAFIA COM 50 ANOS...

... E ALGUMAS IMPRESSÕES QUE A MESMA ME SUSCITOU
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A fotografia acima reproduzida foi publicada no mais recente número do jornal «Nova Verdade», na secção Caixinha de Memórias que o meu amigo Vítor Grilo há vários anos ali tem para satisfação de quantos gostam de mergulhar no passado e aí reverem aqueles que um dia conheceram, ainda meninos ou jovens, na escola, no futebol, no rancho ou em qualquer outra situação que proporcionou uma fotografia de grupo.
Dessa fotografia, tirada precisamente há 50 anos, fiz eu uma digitalização ( daí a pouca qualidade exibida ) abrangendo um pedaço da mesma. Nela se vê o mestre-escola Prof. António Oliveira ( também meu mestre noutros saberes, em especial nos deste concelho que ele conhecia e amava como ninguém ) e um grupo de alunos.
Nada de especial? Uma fotografia como tantas outras de alunos de uma escola? Não meus amigos. Por favor façam um esforço e reparem: Em 1960, na Merceana, concelho de Alenquer, distrito de Lisboa, ainda havia alunos que iam de pé descalço para escola, exibindo uma pobreza que também lhes ia dos membros inferiores ao estômago, como era de todos sabido.
Confesso que isto me chocou. Não porque não tivesse conhecido esta realidade, pois então já tinha treze anos e, mesmo aqui na vila, havia quem não tivesse dinheiro para sapatos. Mas sim porque os dias faustosos do presente já me haviam feito esquecer a pobreza e o atrazo de um passado ainda recente.
Pois é, eu, todos nós e este País também, temos um grave problema de memória. E por «memória»... enquanto meditava sobre o que havia já esquecido, não é que vieram-me à memória aquelas cavalgaduras que à mínima contrariedade exclamam impantes que «o que faz cá falta é o Salazar!».
Pois este era o País de Salazar, em que muitos calçavam o seu primeiro par de botas quando iam às sortes ( que geralmente não lhes sorriam... ). Depois, porque as sortes não lhes sorriam, lá iam para África defender os interesses de meia dúzia de capitalistas-monopolistas, alguns dos quais ainda para aí andam, mais ricos do que nunca foram.
Num plano oposto lembrei-me do ainda recém-construído centro escolar de Paredes-Alenquer que actualmente acolhe os alunos da pré-primária e primária e que tive o privilégio de visitar enquanto autarca. Nessa visita extasiei-me perante as salas de aula bem equipadas e todas com quadros interactivos, perante o seu moderno e amplo refeitório, perante o seu ginásio, perante os campos de jogos e de entretimento, perante o seu parque de recreio coberto, perante os seus adequado sanitários, perante a sala de professores e pequeno auditório...
Claro que perante tanta modernidade me veio à idéia aquilo a que (não) tive direito no meu tempo e lá fiquei muito feliz por saber que, pelo menos, o meu neto iria usufruir de tudo aquilo que agora me deixava de olhos esbugalhados. Mas, sabem que mais? Passado pouco tempo já por aí circulavam algumas críticas, bem intencionadas e fundamentadas, como não podia deixar de ser, lamuriando que as salas de aula estavam longe demais das casas de banho, porque a refeição «assim, assado»...
No que respeita à educação local, o grande assunto momentâneo é o do «Mega-Agrupamento» que irá juntar duas escolas ( a Damião de Góis e a Pêro de Alenquer ) que, desde sempre coabitaram o mesmo espaço. Só que em vez de duas secretarias passarão a ter uma, em vez de dois conselhos directivos passarão a ter um, etc, etc. o que, como é óbvio, permitirá obter certas economias e racionalizar meios, sem com isso pôr em causa a missão lectiva. Esta é, evidentemente, a opinião de um leigo que não lê a cartilha sindical...
Aqui, certamente, também estarei errado por não perceber o fundamento da «Coisa», nome que lhe foi dado por um professor num artigo de opinião no jornal já citado. Mas como haveria de perceber se ainda sou do tempo em que se ia para a Escola de pé descalço e tudo isto agora é uma discussão de ricos?

01 julho, 2010

LOUISE BOURGEOIS - A ESCULTORA DE ARANHAS

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Ao percorrer o jardim das Tulherias a caminho do Louvre numa tarde soalheira de princípio de Primavera, três coisas me impressionaram: Uma, pela negativa, a relativa pequenêz da emblemática pirâmida de vidro.
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Outra, a forma como os parisienses ( e outros visitantes ) aproveitavam o sol que generosamente envolvia Paris, esparrramando-se descontraidamente pelos relvados envolventes do emblemático museu.
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Uma terceira, aquela enorme aranha que parecia saída de um filme de ficção e que contrastava com outras esculturas ao gosto clássico.
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Enquanto ia batendo as fotografias que agora aqui vos deixo ia pensando para comigo quem seria o ou a autora de tão monumental escultura... por isso, logo que tive oportunidade procurei sabê-lo, vindo a descobrir que era uma senhora e se chamava Louise Bourgeois.
Lembrei-me disto ao ler a notícia do seu recente falecimento (31 de Maio) em Nova Iorque, com a provecta idade de 98 anos que a não impedia de continuar de produzir arte. Nasceu em Paris em 1911, mas deixaria esta cidade quando da segunda Grande Guerra, radicando-se, em definitivo, nos Estados Unidos.
Dela se diz que «era uma referência na escultura em vários materiais: madeira, aço, pedra ou borracha» sendo os temas preferidos os «da sexualidade, agressividade e o foco no corpo humano e nas questões da protecção» onde encaixam as suas enormes aranhas que deixou um pouco por esse mundo fora, em Paris também. Também se diz que estas suas obras que na maior parte dos casos contrastavam enormemente com o seu pouco mais que metro e meio de altura, dificilmente se enquandram em qualquer escola, embora no caso das «aranhas» a meu ver, que percebo pouco de arte, sejam nítidos os traços surrealistas.

18 junho, 2010

José Saramago viverá para sempre na literatura portuguesa

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Ao contrário de outros que tentaram amesquinhar a sua obra e a sua figura, José Saramago, glória nacional, viverá para sempre na nossa Literatura, mesmo quando desses outros já não subsista memória alguma, sequer nos seus descendente que nos manuais escolares aprenderão e conhecerão este grande escritor, prémio Nobel, orgulho da terra portuguesa.
Sobre ele, o homem, o político, o escritor, sempre ouvi cobras e lagartos, mas estou certo de que aqueles que verdadeiramente admiram a sua obra, são nesta «...terra hostil a tudo o que é grande (...), onde se cortam as árvores para que não façam sombra aos arbustos...» ( Sttau Monteiro em Felizmente há Luar ) em número significativamente superior aos que sobre ele têm uma opinião negativa, desconfio eu, por preconceito contra o homem e o político coerente e corajoso que ele sempre foi.
Na minha estante tenho a obra completa ( e lida ) de três escritores: Vazques de Montalban, o já desaparecido criador do detective Pepe Carvalho, que acendia a lareira com os livros que detestava e tinha como ajudante o curioso Biscuter; Mia Couto, o moçambicano que reinventa o português, tornando com isso, a meu ver, a sua escrita curiosa e divertida, isto para além de me falar de Moçambique, essa terra que aprendi a amar em tempos de guerra; e José Saramago que, na minha opinião, deu ao mundo três obras primas, Memorial do Convento, o Ano da Morte de Ricardo Reis e Ensaio sobre a Cegueira.
Muito se irá dizer nos próximos dias sobre Saramago, seja por conveniência, seja por oportunismo, seja com sinceridade. Cá por mim não me despeço do escritor, pois sei que os seus livros continuarão a fazer-me companhia pelo tempo que ainda me resta. Fico, isso sim, a lembrar-me da Viagem em que uma tarde o tive como companheiro no Teatro da Comuna e onde trocámos breves palavras sobre a peça que nos obrigava, a nós espectadores, a deambularmos pelo palco ao sabor do ritmo da representação e do local onde projectores se acendiam sobre os actores, já que a sala era só palco. Que esta derradeira Viagem te conduza a um lugar de paz, uma outra Lanzarote que tão bem te acolheu.

12 junho, 2010

DIA DE SANTO ANTÓNIO

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O SANTO DA MINHA "DEVOÇÃO"
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Isto dito por alguém que se define como "agnóstico", pode parecer um pouco estranho, pelo que deverá ler-se, isso sim, "santo da minha simpatia". Por assim o ser, a imagem que acima mostro está numa estante, em frente à minha secretária, e por ela nutro grande estima. Para mais, tenho-a como milagrosa. Admiração? Então conto a sua história...
Ela foi-me oferecida por um familiar que me disse: "É muito antiga. Sempre a vi lá por casa e, pelo que sei, foi já dos avós dos meus avós. Como era então hábito, estava em cima de uma cómoda, num singelo oratório de minha bisavó, acompanhada de outras imagens. Só que o marido, bom homem quando estava são, mas de "maus azeites" quando vinha "entornado", nessas noites aziagas tinha por hábito varrer o oratório a vara pau. Muitas imagens assim se partiram, só o Santo António ficava sempre intacto". Milagrosa, digo eu... E aí começou a nascer a minha fézada pelo simpático santo, canonizado por Gregório IX a 30 de Maio de 1232, na catedral de Spoleto, ele que havia falecido no ano anterior, a 13 de Junho.
Depois, certo dia, li estas palavras atribuídas a esse «Doutor Envangélico», como o quis o Papa Pio XII, pela Carta Apostólica «Exulta Lusitanis Fidelis»:
«Fazei o que eles dizem, mas não façais como eles fazem, porque eles dizem, mas não fazem».
Esta sentença nunca mais me saiu da cabeça, e, como não poderia deixar de ser, a minha admiração pelo Santo subiu em flecha.
Para mais este é um Santo popular, que se festeja com sardinha assada, vinho tinto e pratinhos de caracóis. Um Santo casamenteiro, amigo das raparigas que, por imprevidência, quebram as bilhas, coisa que ele, nos termos do milagre, soube remediar na perfeição. Por isso, desculpa lá, oh S. Valentim, mas não fazias cá falta nenhuma, pois para padroeiro dos namorados, o Santo António servia-nos na perfeição!
No concelho de Alenquer, que eu me lembre, o Santo António festeja-se no Camarnal e na Labrugeira, terras onde tem capela, preside a altares e sai em procissão. A propósito, conta-se que em tempos que já lá vão, quando as rivalidades entre terras ainda faziam mortes, houve um marau que quando a procissão percorria as ruas da Labrugeira, declamou bem alto para escândalo e irritação dos fiéis da simpática aldeia:
«Santo António da Labrugeira//parece um lagarto pintado//montado em quatro bestas//nunca o vi tão bem montado». Teve que dar às da vila Diogo, já se vê... Claro que o feito correu por essas terras aqui à volta e era proibido, a bem da saúde, invocar na Labrugeira esta partida.
Publicou o Jornal de Alenquer a partir do seu n.º 192 de 15 de Novembro de 1891, sob o título "Alenquer... n'outros tempos" uma série de interessantes crónicas, assinadas, tão só, por "Um Velho". Uma teve a ver com Santo António, e, por isso, aqui fica:
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Dois Sermões
As irmãs hospitaleiras estabeleceram em Aldeia Gavinha um colégio para a educação de meninas, dando assim aplicação provisória ao legado que lhes deixou o falecido Zacarias, com esquecimento dos seus parentes.
Foi o rev. Padre Raimundo Beirão que organizou a instituição das Irmãs Hospitaleiras. O Padre Raimundo foi, ainda novo, capelão de Aldeia Gavinha. Dotado de uma admirada inteligência, sempre folgazão tocava viola francesa, cantava modinhas e quando em reunião de senhoras era um galanteador;nós por vezes o admirámos, na Quinta de Abrigada, em tempo da exm.ª D. Maria da Piedade, mãe do exm.º sr. Francisco Rafael Gorjão.
Por aquele tempo foi o padre Raimundo convidado para ir ao lugar da Pipa, pregar um sermão da festa de Santo António. No domingo aprazado, apresentou-se, subiu ao púlpito e depois das cerimónias do costume começou a sua arenga do seguinte modo:
«Santo António foi rapaz: eu também fui; Santo António foi galanteador das moças: também eu fui; Santo António partia os cântaros às raparigas: também eu os parti; Santo António cortava os cabelos às moças: também eu fiz o mesmo; Santo António foi frade: também eu o fui»; E seguindo assim as travessuras do santo, advogado das meninas solteiras e tão venerado no Camarnal, ia-as comparando com as suas travessuras de rapaz. Os velhos Brilhas, promotores da festa, bem como os ouvintes, mostravam-se contrariados por o padre Beirão ter sido e feito tudo como foi e fez Santo António.
O padre, continuando diz:...
«-O que porém eu não fui, nem posso ser, foi ser tão santo e virtuoso como Santo António que soube remediar as suas travessuras, praticando verdadeiros e constantes milagres: concertando cântaros, pegando cabelos às raparigas, e, além destes e outros milagres, no intervalo da reza de três Avé-Marias foi a Pádua defender o pai».
Assim continuou a patentear as virtudes e milagres de Santo António, com que os Brilhas e mais festeiros se mostraram satisfeitos.
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Tivemos nesta vila como pároco da extinta freguesia de S. Pedro o padre Francisco Maria d'Almeida Magalhães, por antonomásia o Meio Mundo; este padre foi frade e professor nos Conventos de S. Francisco desta vila e Santo António da Castanheira. Possuía bastante ciência, mas, de maneiras rudes; teve fama de bom pregador sendo por isso convidado para a quase totalidade das festas destes sítios.
Foi convidado o padre Magalhães pelos referidos Brilhas para ir pregar à festa de Santo António. O padre, que não estudava os sermões, subiu ao púlpito parecendo não ter reparado no santo que estava no andor, no corpo da ermida.
Começou pregando as virtudes e milagres de S. Sebastião, repetindo amiudadas vezes o nome do santo. Um dos Brilhas mais influente diz para o padre: - «Não é S. Sebastião, é Santo António que está ali!».
O padre ouvindo a advertência, retorquiu ao Brilha: - «Cala-te bruto que S. Sebastião também foi bom rapaz».
E continuou pregando S. Sebastião pelo que, afinal, se estabeleceram dúvidas se sim ou não deviam pagar ao padre a oração.
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Santo António também foi militar do Exército português. Na imagem acima que se encontra actualmente na capela de N.ª Sr.ª da Vitória, dentro do recinto do Museu do Buçaco e acompanhou o Regimento N.º19 (Cascais), durante a Guerra Peninsular ( Blogue Lagos Militar, consultado para este último apontamento ), o Santo ostenta ao peito a medalha dessa guerra.
De facto Santo António assentou praça em 1668, quando por alvará de 24 de Janeiro, assinado por D. Pedro II, foi alistado como praça no Regimento de Infantaria de Lagos, por tão patriótico serviço prestado, já que a fé dos soldados portugueses atribuía ao Santo, muitos dos êxitos militares alcançados na Guerra da Restauração (1640-1668).
Depois, no dia 12 de Setembro de 1683, D. Afonso VI promoveu Santo António ao posto de Capitão. Neste posto recebia o soldo de 10.000 que lhe foi abonado até 1779, ano em que passou a vencer 15.000 réis, até que o Marquês de Pombal fez que deixassem de o ser, continuando o Santo a servir gratuitamente. No reinado de D. Maria I, o coronel do Regimento de Lagos, requereu, em Janeiro de 1870, que ao seu capitão Santo António fossem pagos os soldos em atraso e ainda, em virtude do o referido capitão, "o mais antigo dos reais exércitos", se achar, de há muito, preterido na promoção, que o mesmo fosse promovido a tenente-coronel. Ainda haveria de chegar a General.