26 outubro, 2010

A CULPA FOI DA CONSTIPAÇÃO...

.
CORRUPÇÃO NO MUNDO
.
.

Uma constipação à revelia do bom tempo que se tem feito sentir e uns comprimidos que me deixaram em estado pastoso e vegetativamente à mercê das televisões e dos noticiários que hora a hora se repetem sem novidade de maior, deram-me o mote para este post.
Para além das negociações do Orçamento do Estado que se arrastam, arrastam, demonstrando com isso que avançam sobre o alvo final, a aprovação, a grande novidade do dia era a do índex da Corrupção elaborado por uma ONG que ninguém conhecia (mas que ao fim do dia será tão conhecida como a Coca-Cola), chamada Transparency Internacional.
Procurem por este nome na net e lá a encontrarão, pois foi o que eu fiz, amante que sou (vá lá saber-se porquê...) de listas ordenadas. Para mais, se é que ouvi bem, o espanto era a nossa, nossa de Portugal, má classificação nesse ordenamento onde entre 178 países do mundo inteiro ocupávamos um, não sei se modesto, se lisonjeiro, 32º lugar, facto que deu logo oportunidade a «antenas abertas», essa aberração onde os mesmos reformados de sempre descarregam (inconscientemente) na matéria em discussão o seu ódio ao banco do jardim, sem darem conta de que nesse último, pelo menos, não incomodavam ninguém.
E que vi eu nesse «índex»? Logo à partida que no nosso patamar, o dos 6 pontos, tínhamos como companheiras a Espanha (30.º) e a França (25º) faltando a este «clube latino» a Itália detentora de um terceiromundista 67º lugar , e, ainda, o Uruguai (24º) e a Estónia (26º). Um clube restrito, portanto, sendo ainda mais restritos os dos patamares superiores correspondentes aos 7, 8 e 9 pontos.
Aliás, no intervalo seguinte, o dos 7, lá estavam os Estados Unidos (22º), a Bélgica (22º), a Inglaterra (20º) a Alemanha (15º) e, surpreendentemente o Chile (21º), o melhor da América Latina, todos eles ali bem pertinho de nós.
Neste mapa-mundo pintado a cores que vão do amarelo ao tinto de Bordéus, 3/4 do território terráqueo surgem borrados em tons avermelhados. Será, de facto, assim tão mau o nosso estado que, todavia, evoluiu positivamente em relação ao ano anterior? O leitor o dirá. Claro que, também aqui gostaríamos de ser uma Dinamarca ( 1º) ou uma Nova Zelândia (1º)... Mas, decisivamente, não somos como a Grécia (78º) a quem, em tudo, tentam colar-nos.
Este problema, o da corrupção, é, a meu ver, um problema da Moral e da Justiça. Da Moral que deve incutir os bons princípios e da Justiça que deve castigar exemplarmente. Não é, seguramente, um problema político (o tabuleiro para onde, por comodidade, se tenta transportar tudo). Há políticos corruptos do mesmo modo que há juízes, funcionários públicos, polícias, padres, empregados bancários e... eu próprio, quando insinuo ao vendedor que passo bem sem o «recibozinho» da compra (qual IVA, qual quê!), não estarei também a corromper?
Para terminar. Um colega meu, bancário, dizia-me às vezes em desespero: «O meu pai ensinou-me tudo ao contrário: sê honesto, sê um homem de princípios, age com verdade, etc, etc. Como irei eu sobreviver nesta sociedade de chicos-espertos?».
Amigo Zé. Afinal sobreviveste e o teu pai tinha razão. É dentro da casa de cada um que este problema se começa a resolver.
Desculpem-me lá esta de moralista, mas a culpa foi da constipação.

16 outubro, 2010

UM LIVRO DIVERTIDO E QUE NOS DEIXA A PENSAR QUE...

.
«PORTUGAL ENFERMO PELOS VÍCIOS E ABUSOS»
..
Como se pode ver pela imagem acima, não se trata de nenhum livro actual, mas é actual o seu conteúdo, muito embora tivesse sido publicado em 1819, saído que foi da pena de um senhor chamado José Daniel Rodrigues da Costa (1752-1832). Vejamos algumas passagens:
.
Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
E bem que velho sou inda me animo
A mostrar-te os defeitos, e os excessos
Dos costumes que tens tão avessos
Dos costumes que tinhas algum dia,
Quando mais reflexão na gente havia.
Tu de estranhas Nações foste invejado;
Hoje faz compaixão teu pobre estado:
Cada vez te vão mais enfraquecendo,
todo o brilho que tinhas, vais perdendo;
Paraíso do Mundo te chamavam,
As mais Nações contigo se animavam,
Elas porém ficaram sãs e fortes,
e tu a todo o instante exposto aos cortes
da usura, da ambição, da falsidade,
do egoísmo, da fuga, da impiedade.
(...)
Portugal, Portugal! Eu te lastimo!
E o pesar que me causas, mal reprimo!
estás presentemente na figura
do enfermo que não pode com a cura,
por moléstias tais tão complicadas,
que parte das receitas são baldadas.
(...)
Vai a banhos do mar a Dama Bela,
porque deles precisa, ou por cautela;
o Velho busca estuporado as Caldas,
e ali da mocidade purga as baldas,
consegue movimento em braço e perna,
e a perdida cabeça já governa;
(...)
Eu vejo nestes tempos desditosos
povos empobrecidos e chorosos,
Pois quando varrem um mal outros se seguem,
Que os Mortais atormentam e perseguem (...)
.
Estes que aqui ficaram são alguns fragmentos retirados das 69 páginas que o livro tem. O português foi actualizado, mas o original não oferece grandes dificuldades de leitura.
Se a curiosidade o picou, vá ao site da «Biblioteca Nacional de Portugal», «Biblioteca Digital», «Autor (Costa, José Daniel Rodrigues da) e... Boa e divertida leitura!
.
José Daniel Rodrigues da Costa nasceu em Leiria mas veio muito novo para Lisboa. Frequentou as tertúlias da Arcádia Lusitana onde adoptou o pseudónimo de Josino Leiriense. Gozou da protecção de Pina Manique e as suas opções políticas oscilaram entre o liberalismo e o apoio a D. Miguel. Poeta panfletário, manteve uma certa rivalidade com Bocage. Outra obra sua muito conhecida e interessante é O Balão aos Habitantes da Lua (1819), também ela possível de encontrar digitalizada na net.

07 outubro, 2010

INVASÕES FRANCESAS

.
10 de Outubro de 1810 - 10 de Outubro de 2010
NO II CENTENÁRIO DOS COMBATES DE ALENQUER
I
.
É de Guilherme João Carlos Henriques, o autor de A Vila de Alenquer, onde o mesmo foi publicado, o relato que transcrevemos:
«A 9 de Outubro chegou à vila de Alenquer a brigada portuguesa sob o comando de Sir Dennis Pack composta de Infanteria 1 e 16 e Caçadores 1, 3 e 4, na força total de 3.792 homens. Ficaram até ao dia seguinte.
O corpo francês que os seguiu para o lado de Alenquer obedecia às ordems do Gen. Montbrun e chegou à vila quando ainda aí se achava parte da brigada de Pack.
Contou-me, por vezes o Marechal Saldanha, meu excelente padrinho, de saudosa memória, comandante, então, da Infanteria 1, que se recordava perfeitamente de estar no Largo Espírito Santo, lavando as mãos numa bacia que a ordenança segurava, quando os piquetes recolheram batendo-se com as avançadas francesas que começavam já a descer as encostas em frente da vila.
.
Marechal Saldanha - Gravura da Biblioteca Nacional
.
Travou-se combate para proteger a retirada do grosso da força sobre Sobral de Monte Agraço, havendo, segundo estatística oficial, dois soldados feridos e dois extraviados.
No dia 12, Montbrun marchou com a vanguarda do exército francês de Alenquer para Vila Franca de Xira e o oitavo corpo seguiu de Alenquer para o Sobral de Monte Agraço. Em seguida o Marechal Massena fixou o seu Quartel General na vila de Alenquer. Em fins de Outubro aí esteve o Intendente Geral Lambert.
.
Marechal Massena, comandante da terceira invasão francesa - Gravura da Biblioteca Nacional
.
Durante um mês a vila, abandonada quase de todo pelos habitantes, esteve à mercê dos invasores, mas talvez sofresse menos pelo facto de Massena ter aqui os seus doentes em tratamento enquanto não retirou para o Norte, o que fez a 12 de Novembro.
Batalha de Borodino - Fotografia de um fragmento da grandiosa tela (115mx15m) de Franz Alekseevitch Roubaud (1856-1928) - Museu Panorama «A Batalha de Borodino» - Moscovo
.



04 outubro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

.
.
O 5 de OUTUBRO de 1910 em ALENQUER
.

A república foi, também, proclamada em Alenquer no dia 5 de Outubro de 1910. No seu n.º 1293 de 9 de Outubro de 1910, o jornal Damião de Goes que então se publicava nesta vila, relatou assim os acontecimentos:
.
ESTÁ PROCLAMADA A REPÚBLICA!
As manifestações em Alenquer
«Quando na quinta-feira última houve conhecimento em Alenquer, de que tinha sido proclamada a República em Lisboa, foi grande o entusiasmo, organizando-se um numeroso cortejo levando as bandeiras republicanas.
Todas as fábricas fecharam e os seus operários incorporaram-se no cortejo que percorreu algumas ruas da vila, até aos Paços do Concelho, onde foi arvorada a bandeira republicana no meio de muitos vivas e palmas.
Foram depois lacradas as portas das diferentes repartições sendo os Paços do Concelho guardados por grupos de populares.
À noite organizou-se uma marcha aux flambeaux com a filarmónica da Merceana à frente tocando A Portuguesa. Percorreu várias ruas da vila, soltando entusiásticos vivas à República.
***
Um outro episódio interessante então ocorrido, teve a ver com a presença em Alenquer, nesse mesmo dia, do Dr. Bernardino Machado:
.
«DR. BERNARDINO MACHADO, JÁ TEMOS A REPÚBLICA! JÁ TEMOS A REPÚBLICA!»
.

José Dionísio Leitão em fotografia de 1903

.
Nesse dia 5 de Outubro, Artur Ferreira da Silva encontrava-se em V. F. Xira, quando recebeu a notícia da proclamação República. O que se seguiu veio relatado pelo próprio no Jornal d'Alenquer, de 5 de Outubro de 1913:
«...abalámos para Alenquer a toda a pressa para trazermos a feliz notícia aos nossos amigos e correligionários. Por sorte, à entrada d'esta vila encontrámos o Dr. Bernardino Machado que se dirigia a Lisboa. Aqui lhe comunicámos que estava resgatada a nossa querida Pátria pela implantação da República».
O relato desse encontro obtive-o eu de uma fonte presencial, minha avó Quitéria Leitão Lourenço que, então, ofereceu ao Dr. Bernardino Machado um ramo de flores: «Transida de medo meu filho, porque naquele tempo de revoluções, nunca se sabia o que poderia acontecer...».
Esse encontro ocorreu em Santa Catarina, junto à casa de meu bisavô José Dionísio Leitão que foi em Alenquer um dos maiores propagandistas da República (as palavras são de José Rodrigues Caseiro no Jornal de Alenquer). Republicano convicto e homem corajoso, dele disse o jornal O Alemquerense, n.º 252 de 30 de Dezembro de 1892, quando fez parte de uma lista republicana(1) que disputou a Câmara local a Francisco Pedro de Oliveira e Carmo: «(...) e o sr. José Dionísio Leitão, cidadão que bem compreende os seus deveres, e que sem lisonja, se pode dizer que representa o laborioso povo de Paredes(...)».
Voltando ao relato de minha avó:«Estavam lá muitos republicanos da vila e quando o carro parou e o Dr. Bernardino Machado abriu a portinhola para descer, o teu bisavô não se conteve e de chapéu na mão, grande como ele era, correu para ele abraçando-o aos gritos de Dr. Bernardino Machado, já temos a República, já temos a República!».
O largo onde isto aconteceu passou a chamar-se Largo Dr. Bernardino Machado, e, numa casa recentemente construída no mesmo local onde se situava a de meu bisavô, lá está uma placa de 1911 evocativa do acontecimento. Neste centenário, dia 5 de Outubro, pelas 15 horas, aí, nesse mesmo largo, será descerrado um memorial evocativo, cerimónia que contará com a presença de descendentes daquele que viria a ser, em duas ocasiões, Presidente da República. Lá estarei em memória de meu bisavô José Dionísio Leitão e de todos os republicanos alenquerenses que protagonizaram esse episódio.
(1) Fizeram também parte dessa lista: Vereadores Efectivos - José Rodrigues Vaz Monteiro, Domingos Joaquim de Mendonça e Silva, José de Menezes Correia de Sá, José António Batoréu Júnior e Theodoro Emílio Martin. Vereadores Substitutos - Salomão dos Santos Guerra, Ernesto da Cruz Calleya, José António Ferreira Leal e Luiz António da Silva Caiano.