30 abril, 2012

AVENTURA DE UM IDOSO DESPREOCUPADO NO REINO DO SIMPLEX

- «Esmaga-cabeças» - Instrumento de tortura medieval
.

Não sei quem foi ou quem disse que «este País não é para velhos», mas também ninguém me sabe dizer para quem será, embora eu imagine que seja para a mesma meia dúzia de sempre. Contudo, para velhos não é certamente, e eu, agora que estou prestes a fazer 65 anos, comecei a dar conta dessa chatice que é ser português e velho, sim, porque os outros europeus com a mesma idade, esses fogem para os paraísos tropicais onde se encharcam de uísque, gim e viagra e estão gafos para aturar quem quer que seja.
M as entremos no assunto que interessa: Tenho um mês para renovar a carta de condução! Arregaço as mangas e aí vou eu SIMPLEX!!! Loja do cidadão mais próxima? Hellas! Aqui está ela e é a de Vila Franca «das toiradas», funcionando no edifício da Junta de Freguesia, local onde eu entro com um bónus de esperança...
Eis que ao balcão abre-se um lugar. Aproximo-me arvorando um sorriso que é uma súplica. Mas à minha frente uma senhora com uma expressão que ficaria, digamos, a meio termo entre a que exibe a Esfinge do Egipto e a que o meu sargento da recruta me mostrava quando eu fazia merda, abana a cabeça e diz que não é possível, que vá à mais próxima, tal e qual como mandam as ATMs quando estão avariadas ou sem dinheiro.
Meia volta-volver, Azambuja marche! Fui despachado sem mais, nem ontem, sem uma consulta ao sistema para ver se entretanto este já respondia. Mas, felizmente, ia já preparado para o «Não», pois num telefonema prévio para o geral da Câmara uma voz atenciosa prevenira-me que o «sistema informático» para este assunto «tinha dias» e, vá lá, até parecia que hoje era um dia sim. Não foi.
Na Azambuja sou recebido com toda a atenção, toda a simpatia e toda a vontade em bem servir. Estes sim, são ribatejanos! Os de Vila Franca, desgraçados, não passam de uma mistura tipo marca branca do Pingo-Doce, sem denominação de origem que lhes valha. Exibo os papéis que levava:
- «Ah! O formulário já vem preenchido... Não sei se...».
- «Mas minha senhora, esse é o formulário que está no site do Instituto da Mobilidade Terrestre (A Direcção-Geral agora é Instituto, quem teria lucrado com o negócio? Vão ver que de Instituto a Prostituto vai ser um instante...) e preenchi de acordo com as regras anexas, no intuito de tornar o processo mais dinâmico».
- «Pois é, vamos lá a ver se eles não devolvem...»
Logo veremos, logo veremos, disse eu cá para comigo... Mas avante, saltemos para o próximo obstáculo:
- «Ah aqui no atestado médico está José Henriques e o senhor é só José Henrique ...»
- «Minha senhora, não é um «s» foi a caneta do médico que resvalou, nada que um pingo de corrector não resolva».
- «Pois é, pode ser que eles não reparem...».
E se repararem, como no jogo da Glória, lá ando umas quantas casas para trás. Estou lixado! Mas continuemos:
- «Agradecia que o senhor me desse o "Cartão de Cidadão" e a "Carta de Condução".
- «Aqui estão eles» - Bom, esta ao menos foi fácil.
- «Agradecia também os "Códigos do Cartão de Cidadão" para ver o "Código de Residência"».
Touché! Desta não me safo... Eu sei lá bem o que fiz aos "Códigos do Cartão de Cidadão". O que eu pensava é que esta obra-prima dos cartões funcionava que nem um mini-computador capaz de dar resposta a toda e qualquer coisa sem "isso" dos códigos.
- «Bom, lá "isso" dos Códigos não trago comigo» - Malvado Cartão de Cidadão que eu guardei com tanto carinho nas ranhuras do meu porta-moedas, ali aninhado entre o do Benfica, o do PS e de mais uns quantos que também não servem para nada (mas que pelo menos não me dão despesa!). Ah desgraçado que me traíste!
- «Bem, vamos fazer aqui uma tentativa a zeros... Mas ele não está a responder (e deu-lhe massagens, esfregou-o na manga do casaco, limpou-o com álcool e o desgraçado nada)».
- «Vai ter que cá voltar e trazer os Códigos, porque senão, a menos que o sistema que nos liga às Conservatórias responda, vai ter que ir à Conservatória e trocar para trocar os Códigos».
Cheguei a casa angustiado, revolvi carteiras, gavetas, pastas, sei lá mais o quê... E, finalmente aqui estão os desgraçados Códigos. Quarta-feira espera por mim SIMPLEX! A luta continua, burocracia para a rua!
Nota: Fora o que acima contei, fui muito bem atendido na Azambuja e compreendo as dificuldades que as funcionárias aí possam ter, pois são meras intermediárias entre mim e o IMT. Esse desgraçado está longe e, pelos vistos, não tem contemplações. Como não vê rostos, não tem coração.