29 maio, 2012

ALENQUER COMEMOROU

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 O VIII CENTENÁRIO DO FORAL DA RAINHA D. SANCHA
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Com grande dignidade e alguma participação, Alenquer comemorou ontem o VIII Centenário do Foral dado a esta vila pela Rainha D. Sancha. Escreveu Matos Reis, estudioso do nosso municipalismo, que «os forais são os documentos através dos quais os municípios adquiriam existência oficial». Assim sendo, o Município de Alenquer completou no passado dia 31 de Maio 800 anos de existência, oito séculos de História que são motivo de orgulho para todos os alenquerenses.
No átrio dos Paços de Concelho, foi inaugurada uma pequena mas interessante exposição, onde os visitantes poderão conhecer o fac-simile do documento. Depois, na sala de sessões, decorreu uma sessão solene, tendo usado da palavra, a propósito, o presidente da Assembleia Municipal, Dr. Fernando Rodrigues, e o presidente da Câmara, Cap. Jorge Riso. Para falarem do Documento  e da Donatária D. Sancha, por ironia do acaso, sentaram-se mesa, quem escreve estas linhas e o Prof. António Guapo, ambos nascidos, tal como o foral, num dia 31 de Maio (sempre há cada coincidência...). Fechou as intervenções o Dr. Pedro Pinto, investigador, paleógrafo, pessoa que nos Reservados da Biblioteca Nacional redescobriu o vetusto documento. Brilhante e didáctica esta última intervenção,  em que valorizou a existência dos Arquivos Históricos Municipais, essenciais para quem investiga, insubstituíveis na salvaguarda da memória concelhia. Apresentou os oradores o Dr. Filipe Rogeiro, do Arquivo Histórico Municipal de Alenquer, a cujo labor muito se ficou a dever o sucesso do momento, a ele e a toda a equipa que o acompanhou.
Por último, mas não finalmente, a Junta de Freguesia de Santo Estêvão, na pessoa do seu presidente Paulo Matias, convidou todos os presentes para o descerramento da placa da nova Alameda Rainha D. Sancha - Beata de Portugal, junto às muralhas do Arco da Conceição.
Imagem «roubada» a Nuno Coelho, no Facebook
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O «finalmente», esse aconteceu na Liga dos Amigos de Alenquer, e, atingiu o brilhantismo, sob a forma de Ceia Medieval!  As velhas ruas e travessas com archotes a arder, a palha no chão, as bandeiras e colgaduras, transportaram-nos para um outro tempo. Primeiro o desfile do séquito das princesas, na Rua Detrás da Misericódia, ao som de música da época tocada pelo grupo «Jogralesca», a entrada no salão com a sua guarda de peões armados e uma multitude de «servos» azafamando-se de volta do espeto onde o bácoro assava, a sala (acima) muito bem ornamentada, as mesas postas com «baixela» de barro e talheres de madeira. Ao topo, o palanque com as princesas D. Sancha  e D. Mafalda que se despediam de Alenquer, à sua direita os eclesiásticos dominicanos e franciscanos, à esquerda os «homens-bons» da terra e o alcaide, ainda o bobo D. Bimbas (o Virgílio das suas «sete quintas»), todos os figurantes muito bem trajados.
A festa começou com a sala esgotada assistindo a uma breve representação teatral interpretada pela «Trupe de Teatro os 4 e o Burro» (este último mais uma vez esteve ausente), que serviu para explicar o porquê da festança. Depois veio a degustação, as entradas com os coiratos e as morcelas, mais o pão caseiro de grande qualidade e foi aí que o vinho começou a correr das bilhas de barro.
Depois, em padiolas, como na época, a «criadagem» trouxe às mesas o arroz de feijão e as migas, assim como as boas lascas do porquinho assado no espeto. Tudo à farta, porque na corte não havia crise. Por sobremesa, o melão bem fresquinho e o bolo de mel.
Por último, por último mesmo, ainda veio a folia, a dança ao som das gaitas de foles, das percussões e outros instrumentos de sopro medievais.
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Organização trabalhosa e esmerada, esta a da Ceia Medieval, e privilegiados aqueles que participaram. A Liga dos Amigos de Alenquer, na sua Direcção e colaboradores, bem como a «Trupe de Teatro os 4 e o Burro», que agora ali residem no Teatro Ana Pereira, estão de parabéns. Grande organização! Grande noite! 

20 maio, 2012

1212 - 2012 - VIII CENTENÁRIO DO PRIMEIRO FORAL DE ALENQUER

A NUMÁRIA DO FORAL (II)
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Como já referimos, para além dos maravedis, objecto do post anterior, também os dinheiros, as mealhas e os soldos são mencionados no Foral da Rainha D. Sancha. dinheiro surgiu em Portugal logo no alvor da nacionalidade mandado cunhar pelo nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, tendo sido, aliás, a única moeda cunhada no seu reinado.

- DINHEIRO de D. Afonso Henriques
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Por vezes os nossos numismatas interrogam-se sobre as razões porque não teria D. Afonso Henriques cunhado moeda em ouro. Maria José Ferro Tavares, sobre tal motivo, dá-nos esta explicação convincente:
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O dinheiro foi a primeira e única moeda cunhada por D. Afonso Henriques no usufruto do seu direito de soberania. Podendo ter lavrado ouro, não o fez, limitando-se ao uso das espécies cristãs em circulação, quer na Península, quer no resto da Europa, e das muçulmanas. É um facto bem patente no seu testamento, que o soberano possuía ouro, proveniente dos saques e dos resgates, pagos em moeda áurea muçulmana. No entanto não cunhou neste metal por não existir, entre os reinos cristãos do Ocidente seus contemporâneos, uma tradição de emissão própria em ouro. Esta foi lançada por Afonso VIII de Castela em 1173 (...) Era uma moeda de combate que procurava criar um efeito psicológico destruidor nos inimigos da fé cristã, com quem se encontrava em guerra. Alguns anos mais tarde, este monarca [Afonso VIII] emitia o chamado morabitino alfonsim, com busto real e a legenda em latim, o qual iria influenciar as cunhagens áureas portuguesas.(1)
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Teria, assim, D. Afonso Henriques seguido a tradição carolíngia da amoedação em prata, melhor dizendo, em bolhão liga de prata e cobre. Mas teria sido, também, carolíngio - libra, soldo e dinheiro - o sistema monetário vigente até D. Afonso III, período este que abarca a época em que foi dada a Alenquer esta carta de foral? Embora a mesma Maria José Ferro Tavares haja encontrado abundante referência a libras (moeda de conta) nos manuscritos alcobacenses, acaba por se inclinar para a existência de outro  - que considera híbrido - de morabitino-soldos-dinheiros, já que, tal como no nosso foral, as referências a soldos (também eles moeda de conta) são abundantes.
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DINHEIRO de D. Sancho I
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O dinheiro, moeda de bolhão ou bilhão «peça negra de 15mm de módulo e de 1 g de peso», exibindo numa das face as armas reais e no reverso uma cruz, símbolos que irão assumindo nuances no seu desenho à medida que vai sendo cunhada nos reinados seguintes de D.Sancho I, D. Afonso II e de D. Sancho II, viria a ser a moeda mais numerosa destes primeiros reinados da nossa primeira dinastia.
Já no que diz respeito à mealha, peça também ela referida no nosso foral, tratava-se de um sub-múltiplo do dinheiro, daí também ser chamada meio dinheiro, sendo cunhada na mesma liga de bolhão.
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Acima apresentamos a imagem de uma mealha, todavia, acerca desta peça monetária, muitas dúvidas pairam por esclarecer. A autora que temos vindo a seguir, sobre este assunto, escreveu:
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Julgamos que D. Sancho I nunca emitiu esta ultima peça, se a tentarmos encontrar a partir das espécies conhecidas. De facto, as moedas até agora designadas pelos numismatas como mealhas são, no peso e no tipo, semelhantes ao seu múltiplo e algumas delas, inclusive, chegam a ultrapassar ponderalmente algumas das peças designadas por dinheiros. É pois mais convincente, até outro dado mais seguro, pensarmos que a mealha era obtida partindo, com os dentes ou com uma tesoura, o dinheiro, tal como no-lo descreve Fernão Lopes.(2)
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Consultando dois ilustres numismatas, verificamos que Batalha Reis no seu «Preçário das Moedas Portuguesas de 1140 a 1960», relativamente ao reinado de D. Sanho I, inventaria três tipos de mealhas. O mesmo autor, no que respeita ao reinado de D. Sancho II, inventaria dois tipos, enquanto Ferraro Vaz, autor de «Numária Medieval Portuguesa», no que concerne a este reinado, não refere nenhuma. (3)
Quanto aos soldos, cujo nome nos remete para os solidus romanos, começaram estes por serem moeda corrente, antes de se tornarem moeda de conta. Sobre estes, escreveu o Dr. Raúl Gonçalves:
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O leitor, dado à consulta de velhos documentos, se tiver passado pela Torre do Tombo ou por qualquer biblioteca antiga ou arquivo, especialmente por aqueles concernentes aos espólios de extintas ordens monásticas, ao interpretar a documentação relativa a transacções respeitantes ao condado portucalense e primeiros reinados da monarquia portuguesa encontrará citações a solidus(...).
A complicar mais as coisas ainda, destes, uns eram novos, outros velhos, estes últimos, por via de regra, com melhor aceitação.
A multiplicidade de valores era regra geral. Falar num soldo não bastava; necessário se tornava especificá-lo pois havia-os de muitas procedências e valores:(...)desde os soldos kazimios até aos burgalezes (de Burgos)passando romanos galeganos, maometanos, leoneses e pepiones.
(...)
Inicialmente moeda corrente, em circulação, com o decorrer dos tempos passaram estas moedas a ser de Conta, moeda imaginária ou convencional, destinada a facilitar as transacções.(4)
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Por último, para que tenhamos uma idéia do valor do soldo relativamente às moedas correntes no reinado de D. Sancho I, segundo Ferraro Vaz, o morabitino áureo valeria, provavelmente, 15 soldos ou 180 dinheiros. Já no reinado de D. Afonso III, o morabitino de D. Sancho II valeria 22 soldos ou 264 dinheiros.
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- Oficina de Moedeiro

(1) - Tavares, Maria José Ferro, "A moeda portuguesa durante a primeira disnastia (1128-1245), in História de Portugal, Vol.II; Edições Alfa, Lisboa, 1983, pág. 300.
(2) - Ibidem, pág. 301.
(3) - Gonçalves, Dr. Raúl, "A Numária Afonsina", Revista Selos & Moedas, n.ºs 26, 29, 30, Aveiro, 1969/70.
(4) - Idem, Ibidem, n.º 23, pág.115. 

01 maio, 2012

Nesta madrugada do 1.º de Maio...

JURO QUE OUVI ESTOIRAREM 25 MORTEIROS!
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-Ilustração do pintor comunista Dias Coelho, assassinado pela PIDE
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«Contra tudo o que era velho
levantado como um punho
em Maio surgiu vermelho
o cravo do mês de Junho.»
- Ary dos Santos em "As Portas que Abril abriu".
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Naquela Vila Alta da minha infância, o Manel era meu vizinho e morava numa casa modesta, mais ou menos a meio da pequena travessa que vai dar, de frente, à fonte de S. Pedro. Filho de gente humilde, o seu pai era, como então se dizia, cavador, pois alugava os braços aos proprietários agrícolas para  à força de enxada amanhar as propriedades. Fraco sustento para uma família com três filhos, mas, como era proverbial naqueles tempos de miséria, tudo se criava tal e qualmente como as aves do campo. Talvez, por isso, lhes chamavam os Melrinhos...
A brincadeira nos juntou nas corridas à volta do jardim da Câmara, ou nos jogos atrás dos Paços do Concelho por cima da Casa da Bomba, outras vezes nos improvisados campos pelados por Detrás da Misericórdia ou do Adro de S. Francisco, ocasiões em que, quando os derbys nos corriam mal, perseguíamos à pedrada, Calçadinha abaixo, os adversários dos outros bairros. O Melrinho era dos rijos, e, em mais do que um desaguisado, cheguei a provar isso mesmo com uns olhos à Belenenses.
Depois da 4.ª classe a vida separou-nos, eu continuei nos estudos e ele lá foi para o trabalho oficinal, ao que se seguiu a tropa, eu na Força Aérea, ele no Exército. Certa noite do PREC, passada em vigilância revolucionária aos movimentos na Base da Ota, ele contou-me como se havia desenrascado com a sua tropa:
-  «O sargento apareceu-nos a perguntar quem trabalhava de pedreiro, eh pá, eu vi naquilo um furo e ofereci-me logo!».
- «Olha lá, mas tu nunca foste pedreiro na tua vida?».
- «Pois não, mas pensei que seria fácil. Comecei a levantar uma parede e quando ela já estava lá no alto... caiu-me em cima! O assunto podia ter acabado mal, mas não, passado pouco tempo era barista.».
O Melrinho era assim, desenrascado, trabalhador e... teimoso! Nunca conheci ninguém mais teimoso do aquilo!
Seria o 25 de Abril que nos viria a juntar, de novo, na construção do ideal de uma «sociedade sem amos», e, pegando na deixa do «teimoso», lembro-me que certa vez, por alturas de uma das primeiras campanhas eleitorais que se seguiram à Revolução, sendo eu o responsável concelhio pela «Agitação e Propaganda», organizei os camaradas em brigadas que haviam de cobrir de cartazes as paredes da vila e arredores.
Armadas de pincéis e baldes de cola, lá foram as brigadas revolucionárias despachadas para ocuparem na quadrícula, desenhada no mapa da vila e arredores, a área que haveriam de preencher (para desespero dos proprietários das casas e muros). Nem um palmo de parede podia escapar, esta era uma guerra a vencer!
Tendo-me eu demorado mais um pouco no Centro de Trabalho, ultimando uns assuntos para depois me ir juntar a uma das equipas agitadoras, foi com admiração e espanto que vi entrar pela porta, por onde mal acabara de sair, um companheiro desalentado evidenciando forte contrariedade:
- «Então Fernando, já acabaram?» Perguntei eu em ar de gozo.
- «Não fui expulso da minha brigada».
- «Então? Conta-me lá como isso aconteceu...».
- «Foi logo ao primeiro cartaz. Eu puxava para um lado, o Melrinho puxava para o outro, não chegámos a acordo e ele expulsou-me».
- «E quantos elementos tinha a tua brigada?» Perguntei eu ansioso, tentado avaliar os danos causados por tão drástica decisão.
- «Era eu e ele».
- «Deixa lá amigo, já vais comigo...», rematei eu enquanto ia remoendo, em sussurro, «aquilo é que é teimoso... e preferiu continuar sozinho!».
Numa outra noite de campanha eleitoral, haveria ainda de confirmar a sua faceta de «desenrascado», quando o desafio era, então, partir para o Alto Concelho em igual missão de propaganda. Um camarada comerciante havia colocado à nossa disposição uma carrinha em fim de vida que nós atulhámos com cartazes, pincéis e baldes de cola entre os quais se arrumaram o Vítor e o Titó. Quando me sentei no «lugar do morto», ao lado do Melrinho com carta de condução a cheirar a fresco, ainda lhe perguntei:
- «Vou seguro aqui?»
- «Estás parvo ou quê? Tomaras tu ter sempre um condutor tão competente...».
Pois sim, pensei eu cá para com os meus botões, mas, na verdade, não ia lá muito à vontade. Percorridos alguns quilómetros, no desfazer de uma curva, fui arrancado aos meus pensamentos com um  grito do Melrinho:
- «Agarrem-se! Agarrem-se porque vamos para a vinha...».
E fomos. Quando olhei para o lado ainda vi o Manel com o volante solto nas mãos e zás! Uma aterragem forçada na vinha e um tombo para o lado. Quando saí pelo lugar do condutor, a minha primeira preocupação foi a de saber se todos estavam bem. Mas, lá atrás, o Titó gritava desalmadamente na escuridão da noite:
- «Tirem-me daqui porque estou cheio de sangue! Tirem-me daqui!».
Forte que nem um Hércules o Melrinho arrancou, literalmente, as portas da rectaguarda, e, atrás delas veio o Titó. Não cheio de sangue como dizia aos berros, mas completamente banhado em cola!
Mas, não se pense que o Manel era só teimoso e desenrascado. O Manel era também decidido e valente, como o provou, certa noite, em que tomámos de assalto a antiga esquadra da polícia.
No pós-25 de Abril todos os democratas das mais variadas oposições ao regime fascista reuniam na antiga escola do Areal, onde,  em algo parecido com uma assembleia popular, se delineavam estratégias para erradicação do regime caído, arrancando-o das mais variadas instâncias onde se havia instalado. Só que o tempo era de «tomar partido» e os primeiros que o fizeram foram os socialistas, abrindo uma sede na actual Av.ª 25 de Abril e elegendo um Secretariado largamente publicitado em cartaz. Nós, os militantes comunistas, também achávamos que era tempo de abrirmos a nossa sede, mas o Partido, em Lisboa, mandava-nos aguentar sob o chapéu «Povo/MFA».
Os mais velhos, mais avisados e disciplinados, lá iam acatando ordeiramente a ordem do Comité Central, mas os mais novos não estiveram para mais esperas, pelo que, certa noite, o Vladimiro trouxe uma carrinha, onde, com a ajuda do Melrinho, carregámos alguma mobília e lá fomos nós dando asas à Revolução. Chegados à ex-esquadra polícia, desactivada pelo «25 de Abril» para evitar males maiores, o Manel meteu ombros à porta, descarregámos os tarecos e hasteámos a bandeira vermelha da foice e do martelo! No dia seguinte Alenquer acordou com uma nova sede partidária que ainda hoje lá está.
Nesses tempos conturbados, o Melrinho, honesto, forte e decidido, foi feito «fiscal da Câmara», mas a sociedade ainda não estava preparada para um fiscal implacável e insubornável, pelo que entrou fiscal e saiu canalizador, profissão que lhe daria na vida o sustento, a si e à família que entretanto constituiu. Depois, nos finais dos anos 80, as nossas «águas ideológicas» separaram-se. Nessa altura vislumbrei-lhe alguma mágoa, mas a amizade, essa continuou e sobre o assunto nunca trocámos uma palavra que fosse.
Todavia, se o Melrinho foi nesta vila de Alenquer um homem do «25 de Abril», mais o era do «1.º de Maio», porque a sua consciência de classe nunca o deixou esquecer os calos que tinha nas mãos. Assim sendo, quando a data do «Dia do Trabalhador» se avizinhava, lá andava ele de mão estendida angariando dinheiro para foguetes. Havia camaradas que diziam que «este gajo veio ao mundo já de mão estendida», isto porque ele pedia para tudo e para, mas nunca para ele.
E, muitos anos a fio, Alenquer sempre acordou ao som de duas «alvoradas»: A do «25 de Abril» organizada pela Câmara, onde os morteiros estoiravam às 10,00 horas da manhã porque o Carlos Cordeiro considerava ofensivo acordar as pessoas mais cedo (do mesmo modo que sempre disse que «a melhor maneira de estragar o bacalhau é fazê-lo com natas»), e a do 1.º de Maio que ribombava às 8 da manhã, logo ao alvor da madrugada, para roer as consciências adormecidas dos patrões exploradores.
O Melrinho já nos deixou há alguns anos, pois pelo caminho encontrou um cancro mais teimoso do que ele, mas tenho a certeza que lá das alturas onde está, não deve estar nada satisfeito com o que vê cá em baixo. Talvez por isso, hoje dia 1 de Maio de 2012, rompendo o ensurdecedor silêncio da vila adormecida, logo pelas oito de manhã eu ouvi o estoiro de 25 morteiros! Naturalmente ninguém mais os ouviu, mas eu juro que ouvi!