21 junho, 2012

ALENQUER DESAPARECIDA


TRÊS POSTAIS DA MINHA COLECÇÃO
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É uma colecção pequena. De facto, tenho encontrado muita dificuldade em descobrir postais antigos da minha vila. Falando disso a um coleccionador mais experiente, disse-me ele que isso não era de admirar, uma vez que Alenquer, não era praia, nem vila termal, nem grande cidade, porque dessas sim, torna-se fácil encontrar postais, tendo sido os últimos anos do século xix a «época de ouro» desses coleccionáveis.
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Posto isto, vamos ao primeiro, o qual nos mostra a Avenida Jaime Ferreira, consoladoramente sem carros estacionados na via e nos passeios. No verso não apresenta inscrição da casa editora, e, porque circulou, está selado com dois selos da emissão base "Caravela" de $15 centavos cada. A imagem é, seguramente, dos finais dos anos 30, início dos 40, pois as obras que modificaram o curso ao rio ainda não tinham sido executadas, pelo que, ao longe, por detrás de um autocarro da empresa local, podemos ver o Largo das Formigas, e, do outro lado do rio, o edifício de Lafaurie que fez parte do conjunto da Fábrica do Meio e onde funcionou, pela primeira vez, o Externato Damião de Goes. Todavia, o carimbo dos correios locais indica-nos a data de 16/7/1947.
Eu aprecio mais os postais circulados por dois motivos: Primeiro porque cumpriram a sua missão. Segundo, porque, no verso podem contar-nos uma pequenina mas interessante história, como é o caso: Dois comerciantes de Alenquer estiveram de férias nas termas da Cúria, mas um regressou primeiro, e, cá chegado, escreveu ao seu amigo:
«Amigo J. A sua saúde e a de D. Maria são os meus votos. Chegámos bem, era meia noite certa. Demorámos apenas... 6 horas da Figueira a Alenquer, mas... chegámos. A quilometragem de Coimbra à Figueira é de 44 Km, estrada boa. Da Figueira a Leiria são 52 Km, mas apanhámos 10 Km de estrada bastante picada». Depois das despedidas e dos cumprimentos, esta nota: «Gostei muito da Figueira, tem lá boas lascas». Após a descrição da aventura que era, nesses tempos não muito distantes, viajar em Portugal, esta última observação (que não se referia ao bacalhau), vale tudo. 
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O segundo postal reproduzido, não circulou, está no estado de novo. É uma edição da Câmara Municipal de Alenquer- Turismo e tem a indicação «Alenquer-1940». Não conhecia esta edição e estou em crer que, apesar das imagens serem antigas, ela é relativamente recente (posso estar enganado).
Se repararem, ao fundo da Av.ª Jaime Ferreira, junto à sede do Sporting local, lá está um autocarro estacionado. Será o mesmo? Terão sido as fotografias tiradas na mesma altura? A seguir ao autocarro vê-se a ponte antiga chamada do «Arraial», e, na outra margem, o tal edifício onde funcionou o Externato Damião de Goes. Junto a ele, mas mais à frente, o antigo Mercado Municipal. Ao fundo uma panorâmica da Vila Alta.
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O terceiro e último postal é mais antigo e também circulou, de Alenquer para Ponta Delgada. Está selado com um selo da emissão base "Ceres" de 1 Centavo, obliterado com um carimbo da estação local com a data de 23 de Dezembro de 1913. Não conta história nenhuma, é um simples postal de Boas Festas. Este postal apresenta a inscrição «Edição de Simão R. Batoréu».
A imagem é a melhor que eu conheço das "Passadeiras da Rainha", as quais, segundo a tradição local, teriam sido mandadas colocar pela Rainha Santa Isabel em 1305, para esta atravessar o rio quando vinha do seu Paço no Espírito Santo à Igreja de "Nossa Senhora d'Assumpção de Triana", na margem contrária. As pedras, enormes, seriam inicialmente cinco, as quais «por intervenção da milagrosa rainha que as mandou colocar, nenhuma cheia as poderia arrancar. Hoje são tantas que não é possível precisar quais são as cinco primitivas, se é que existem» (Guilherme João Carlos Henriques em "A Vila de Alenquer" de 1902).
Do lado direito da fotografia vê-se o muro do antigo Largo das Formigas, hoje chamado Rainha Santa Isabel. Ao fundo, em primeiro plano e quase à altura do rio, devido ao assoreamento deste, vê-se a Ponte do "Arraial". Ainda mais ao fundo, o Bairro do Areal, com o prédio dito dos «Pitrolinos» e a fuga da então Companhia de Fiação de Tecidos, nascida nas instalações que foram da Real Fábrica de Papel. A outra fábrica de papel, a Fábrica de Papel e Cartão da Ota, só seria construída nos anos 30.
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09 junho, 2012

Um artigo do Dr. Luciano Ribeiro na "Revista dos Centenários"


OU COMO ALENQUER SE PROPÔS COMEMORAR O DUPLO CENTENÁRIO (1140 - 1640 /1940)
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Aproximava-se o ano de 1940 e, com ele, um duplo centenário: o de Portugal/País (1140, data em que D. Afonso Henriques se proclamara rei) e o de Portugal Independente (1640). Como poderia o Estado Novo de Salazar ficar indiferente a tão feliz conjugação de datas?  No Secretariado da Propaganda Nacional, o seu Director, António Ferro, «deu à manivela» da bem untada máquina propagandística, aquela que entre outros eventos haveria de produzir o  Cortejo Histórico e a Exposição do Mundo Português, e criou a Comissão Nacional dos Centenários que entregou a Júlio Dantas (com António Ferro acumulando o cargo de Secretário Geral da Comissão de Propaganda da mesma). 
Para dar visibilidade a esta Comissão Nacional, nasceu em 1939 a Revista dos Centenários, bem servida pelos grandes nomes da historiografia da época. Ao consultarmos o nº 24 de 31/12/1940, fomos surpreendidos com um artigo assinado pelo Dr. Luciano Ribeiro, intitulado, tão só, "ALENQUER". Dando de barato algum "blá-blá" nacionalista que compunha o ramalhete literário, vamos transcrever o que nos interessa:

«Aqui, a menos de dez léguas de Lisboa, existe uma vila e um concelho cujo passado se reveste de glória tal que a qualquer estudioso da história que a visite se pode perguntar: que quer ver?
Desde os Eolitos de Ota até às civilizações odiernas, de tudo ali se encontra. Local privilegiado pela sua situação geográfica, duma beleza natural enorme, com panoramas magníficos e uma população acolhedora, a velha Jerabrica dos Romanos não podia ficar indiferente à grandiosidade dos factos que se comemoram.
Assim, as suas ruínas evocativas da fundação da nacionalidade vão ser restauradas. O arco da Conceição, por onde D. Afonso Henriques entrou quando da tomada da vila e que ainda ostenta restos de frescos pintados na sua volta, vai ser desobstruído, ficando a ver-se na sua sobriedade hercúlea justificativa do longo cerco que o nosso primeiro Rei teve de manter à vila e que por fim foi por ele próprio comandado».
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- Fotografia do Arco da Conceição, publicada na Revista sem alusão a autor.

Como se pode ver na fotografia acima, o arco era mais estreito do que o actual e, por cima dele, ficava uma capela mandada edificar pelo prior da Várzea, dr. Domingos Ribeiro Pimentel, para nela albergar um quadro de Nossa Senhora da Conceição que estava na muralha e aí atraía muitos devotos (1740). Esta informação é de Guilherme Henriques que lhe acrescenta:«Debaixo da capela está a antiga porta da praça. De um lado ainda se conhece o buraco onde trabalhava o couceiro da porta e a abobada vê-se que estava ricamente pintada».
A intervenção preconizada por Luciano Ribeiro foi levada a cabo, tendo desaparecido a capela e casas adjacentes. O que restava da muralha foi reconstruído ao gosto da época, com as inevitáveis ameias dando-lhe um ar cinéfilo.
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- Fotografia da Torre da Couraça, também ela publicada sem indicação de autor


Voltando ao artigo de Luciano Ribeiro:

«A célebre casa da Torre - Torre da Couraça - sobre a qual o mau gosto utilitarista do século do século passado foi construir uma casita em substituição do seu terraço ameiado. vai ser também restituída à sua forma primitiva.
O túmulo de Damião de Goes, o cronista célebre de D. Manuel e guarda mór da Torre do Tombo, vai ter condigno destino.
Muito desejaria o Município daquela localidade fazer dar cumprimento à disposição testamentária do infeliz Prior do Crato, D. António, dando-lhe guarida na Igreja de S. Francisco.
Finalmente, o município de Alenquer vai fazer a publicação do segundo volume da monografia «Alenquer - subsídio para a sua História», cujo primeiro volume a mesma Câmara publicou em 1936.
O concelho de Alenquer oferece ao estudioso as mais amplas possibilidades de estudo:
Desde a pré-história - de que possui um cultor devotado, o Ex.mº Senhor Hipólito da Costa Cabaço, possuidor de um magnifico museu - passando pela arquitectura de todas as épocas até aos factos épicos, aos homens ilustres e às obras de arte.
Alenquer concorrerá assim, dentro das suas possibilidades, para as comemorações centenárias da nação mais velha do mundo».

Das intenções à realidade, o que aconteceu? Quanto à Torre da Couraça, Alenquer teve que esperar mais ou menos 60 anos para ver a «casita» desaparecer, não porque tivesse acontecido qualquer iniciativa de requalificação patrimonial da velha Torre. Desapareceu porque... caiu! Despenhou-se no seu interior, foi comida pelo caruncho e pelo desmazelo.
A casa foi construída sobre a Torre inacabada cuja última intervenção aconteceu no século XIV, pelo que é duvidoso que alguma vez tivesse tido ameias (Teve? Não teve? Fica aqui o desafio.). Mas, pronto. Agora é fácil aprontar um terraço e embelezar a torre com ameias, que daí não virá mal ao mundo. O pior é se ela entretanto segue o caminho da «casita». Já agora, refira-se que a casa foi construída para administração ou habitação da administração da Real Fábrica de Papel, sua proprietária, logo no alvorecer do século XIX.
O túmulo de Damião de Goes, na Igreja da Várzea em ruínas, foi desmontado e levado para a Igreja de S. Pedro, mas o que restava do cronista e grande humanista... isso ficou! Tal foi a pressa que, em seu lugar levaram, em procissão triunfal, uma caixa com ossos de diversos indivíduos, dos dois sexos, nenhum com idade para ter pertencido ao putativo possuidor. Isso obrigou a escavações e estudos (recentes) e o carneiro original lá foi encontrado, mais o pouco que restava de Damião de Goes.
No que respeita a D. António "Prior do Crato", aclamado rei em Alenquer depois de o ter sido em Santarém, nunca mais ninguém se lembrou dele... nem para dar nome a uma rua. Está por cumprir a sua vontade, recolhida em testamento, de conhecer sepultura em Alenquer, na Igreja de S. Francisco.
Luciano Ribeiro, no artigo, alimenta a esperança de ver publicado o Volume II  de "Alenquer-subsídio para a sua História". Vã ilusão, o município alenquerense não gosta de publicar, ponto final.
Por último, o Museu do Senhor Hipólito Cabaço. Por motivos económicos o seu proprietário vendeu-o à Câmara. Após a sua aquisição (finais dos anos 40, não posso precisar) esteve encaixotado até ao "25 de Abril". Após essa data foi para a antiga Escola Conde Ferreira, onde parte da colecção está exposta com um mínimo de dignidade. A sua importância internacional, justificaria que viesse a conhecer instalações condignas. Actualmente encontra-se de portas encerradas.
O Dr. Luciano Ribeiro, foi um estudioso que muito amou Alenquer. Por isso desejou que Alenquer concorresse, «dentro das suas possibilidades» para as comemorações do duplo centenário. Enganou-se, pior ainda, teremos que esperar por 2040, talvez então...


 N.º 24 de 31/12/1940 - Hemeroteca Digital da Câmara de Lisboa.