13 setembro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - I

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DOIS ESCLARECIMENTOS PRÉVIOS
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O Castelo de Alenquer é uma não evidência. Como assim? Porque durante séculos existiu, mas vicissitudes históricas várias, sobre as quais falaremos oportunamente, conduziram ao seu desaparecimento. Assim sendo, quem lhe quiser apanhar o rasto terá que procurar bem, até encontrar as últimas pedras que por aí sobraram. 
O visitante que sobe à vila alta pela Calçada Damião de Góis, ao chegar ao alto depara-se com o trecho amuralhado que abaixo reproduzimos e que os alenquerenses conhecem como Arco da Conceição. Então, julga ter encontrado o Castelo, mas... Puro engano e primeiro esclarecimento: Trata-se de uma reconstituição (mais ou menos correcta...), das muitas que ocorreram na primeira metade do século passado, tão ao gosto do Estado Novo salazarista que não concebia vila sem o seu castelo altaneiro.
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O contexto em que tais obras avançaram, foi o das comemorações do «duplo centenário», o da fundação da nacionalidade (1140) e o da independência (1640). Com pompa e circunstância o País comemorou a dupla efeméride e, a Alenquer, como nos conta o Dr. Luciano Cordeiro em artigo publicado na Revista dos Centenários (n.º24 de 31/12/1940), couberam as seguintes obras que dignificariam e imortalizariam o nosso passado histórico:
« (...) as suas ruínas evocativas da fundação da nacionalidade vão ser restauradas. O arco da Conceição, por onde D. Afonso Henriques entrou quando da tomada da vila e que ainda ostenta restos de frescos pintados na sua volta, vai ser desobstruído, ficando a ver-se na sua sobriedade hercúlea justificativa do longo cerco que o nosso primeiro Rei teve de manter à vila e que por fim foi por ele próprio comandado.
A célebre casa da Torre - Torre da Couraça- sobre a qual o mau gosto utilitarista do século passado foi construir uma casita em substituição do seu terraço ameiado [outro mito, este o das ameias, mas, esteticamente, podia lá conceber-se uma torre sem ameias...], vai ser restituída à sua foram original [ não o foi, a casa já caíu e um qualquer dia cai o resto...].
Segundo o Dr. Filipe Rogeiro em Alenquer Desaparecida «Em Maio de 1940 iniciaram-se  os trabalhos de demolição destas casas [fotografia abaixo], com o objectivo da reconstituição da Porta e antiga Ermida de Nossa Senhora da Conceição e muralha adjacente, por forma a dar-lhes o aspecto que teriam na Idade Média»
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Ainda segundo o mesmo autor: «Os trabalhos são executados pela Direcção dos Monumentos Nacionais, sob a orientação local do Dr. Luciano Ribeiro e de Hipólito Cabaço. (...) uma casa de habitação é demolida para que esta parte da antiga muralha da vila seja reconstituída. Os últimos ocupantes são José Mouguelas e sua mulher, a «Chica do Arco».
Ainda sobre este assunto (e, já agora), aqui fica, também, o que Guilherme João Carlos Henriques deixou escrito no seu A Vila de Alenquer (pág. 37):
«Anterior ao anno de 1740 havia sobre este arco um quadro representando Nossa Senhora da Conceição, bastante antigo, porém pouco notável. Próximo áquelle anno, alguns devotos recorreram a esta Senhora nas suas aflicções, e achando bom resultado da sua intercessão, espalharam a fama dos benefícios recebidos. Acudiram mais fieis; e pouco a pouco se juntou uma grande porção de objectos promettidos, que os devotos penduravam na parede em redor do painel. O dr. Domingos Ribeiro Pimentel, então prior da Varzea, vendo que a devoção augmentava, mandou fazer sobre o arco uma capella, na qual collocou o quadro, e uma casa de residencia, importando tudo em 400$000 réis. A capella está profanada [deixou de estar ao culto] há muitos annos, e, bem como a casa, pertence á junta de parochia de Triana [correspondia às actuais Juntas de Freguesia].
Debaixo de a capella está a antiga porta da praça. De um lado ainda se conhecia ha pouco tempo a cavidade onde trabalhava o couceiro da porta, e a abobada via-se que tinha sido ricamente pintada».
Passando ao segundo esclarecimento, ele surge aqui porque alguns amigos meus, não naturais da vila, mas que para aqui vieram residir há já algum tempo, em distintas ocasiões,  curiosos em saber qual o traçado das muralhas do antigo castelo, mostravam-se um pouco baralhados com aqueles «muralhas» que viam junto ao infantário da Misericórdia, na variante que conduz à vila alta.
Ora acontece que essas «muralhas» não o são, nem pertenceram ao castelo. São, isso sim a cerca do antigo Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ordem de Santa Clara, casa religiosa fundada nesta vila por João Gomes de Carvalho, no séc. XVI, fidalgo da casa de D. João III e camareiro do Infante D. Henrique.
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- Travessa da Cerca no Bairro de Terreirinho, antiga freguesia de S. Pedro - Vila Alta de Alenquer
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- Estas deveriam ser as entradas principais do Convento, ao alto da Rua 1.º Sargento Arnaldo Mota, sítio da Cerca, Vila Alta de Alenquer
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Acima mostramos alguns troços que subsistem dessa imensa cerca que se oferece à vista de quem suba às alturas de S. Francisco para depois descer ao Bairro de Terreirinho e caminhar na direcção da Barroca (sobre o ribeiro de S. Benedito), ou, então, a partir da «Variante» (Rua Tenente Valadim) suba a Rua 1.º Sargento Arnaldo Mota, onde se situa o quartel da GNR.
Pouco sobra hoje deste Convento que, no ano de 1553 acolheu a «madre soror Anna do Espírito Santo, natural do Funchal» que «veio dar começo à casa» que viria a ser muito protegida pela Rainha viúva [de D. João III] D. Catarina, que «quando residiu n'esta villa por causa da peste, (naturalmente a de 1569), visitava-a diariamente, e projectava edificar uma enfermaria e dilatar mais as officinas». Também por esses anos, seu filho, o Rei D. Sebastião, de igual modo muito afeiçoado à vila de Alenquer, «deu ao convento uma propriedade vizinha que se chamava a Freiria por ter pertencido aos Freires de Cristo, e a mercê foi depois confirmada pelo cardeal rei D. Henrique», sendo curioso que a memória colectiva local ainda guarda hoje esse topónimo Freiria que corresponde a quintais e casas que se situam entre S. Pedro e S. Francisco. 
Consultando as memórias paroquiais de 1753, Inquérito às Paróquias ordenado pelo Marquês de Pombal pós-terramoto, verificamos que este Convento sofreu sérios danos com o Terramoto de 1755. Sobre isso escreveu o prior de S. Pedro, Pedro da Sylveira:
«A [igreja] de Sam Françisco, e parte dos dormitorios do convento tambem ficaram quazi destruidos, a do mosteiro das freyras [o de que falamos] tambem com perigo prinçipalmente no coro, e os dormitorios ameasando grave ruina(...)».
Mal saradas as feridas do grande terramoto conheceu a vila de Alenquer toda a brutalidade das invasões francesas. Sobre o que então aconteceu, escreveu Guilherme João Carlos Henriques:
«Na ocasião da invasão franceza, de 1810 e 1811, as freiras retiraram para o Convento de Santa Anna, em Lisboa, e a tropa invasora, alojando-se na casa, incendiou-a casual ou intencionalmente. Anos depois achando-se as religiosas reduzidas a duas, ambas de avançada idade, uma das quaes era a abbadessa, a Junta de Melhoramentos deu por extincto o convento das Freiras, em Alemquer, adjundicando as rendas d'elle ao Convento da Castanheira, e mandando proceder á venda do edifício».
Terminando, diremos que um dos proprietários do Convento foi o industrial Augusto Lafaurie (e depois sua filha Maria Carolina) que trouxe para esta vila a indústria dos lanifícios, aqui fundando a Fábrica do Meio, do Lafaurie ou da Companhia, nomes porque foi também conhecida. Sendo este e seu irmão praticantes da religião reformada, pediram e obtiveram licença para aí construírem mausoléus onde viriam a ser sepultados, já que o não poderiam ser em chão sagrado.

09 setembro, 2012

FALECEU O PADRE ZÉ


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PADRE JOSÉ EDUARDO FERREIRA MARTINS
UM ALENQUERENSE POR ADOPÇÃO
A QUEM A NOSSA VILA MUITO FICOU A DEVER
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Não foi uma notícia que nos tenha apanhado de surpresa porque há muito que sabíamos do seu grave estado de saúde. Mas, quando estimamos alguém, tentamos acreditar que o pior nunca virá a acontecer, daí que, quando ontem à noite cheguei a casa após um curto período de férias e abri o computador, tenha ficado tristemente surpreendido com a notícia que circulava: O Padre Zé havia falecido nessa manhã de sábado.
José Eduardo Ferreira Martins, nasceu no dia 22 de Agosto de 1934 no lugar de Pé de Cão, freguesia de Olaia, concelho de Torres Novas. Alcançou o sacerdócio após estudos nos seminários de Santarém, Almada e Olivais, rezando «Missa Nova» no dia 24 de Agosto de 1958.
A sua vida sacerdotal iniciou-se com uma curta permanência em Tomar, após o que, no dia 1 de Outubro de 1961, tomou posse das paróquias de Aldeia Galega da Merceana e Aldeia Gavinha. Seis anos esteve na primeira e catorze na segunda, vindo a assumir as paróquias de Alenquer no dia 5 de Outubro de 1975, para aí permanecer até à sua substituição por limite de idade.
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-Meados dos anos 60 - Partida de futebol entre antigos e actuais alunos do Externato Damião de Góis - Em pé, penúltimo da fila.
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Mas um contacto mais próximo com a vila de Alenquer aconteceria mais cedo, pois logo em 1963 o Padre Zé viria para o Externato Damião de Góis ensinar, primeiro Religião e Moral, depois esta disciplina, História e  Geografia. Com a retirada do Padre Joaquim Maurício, em 1968, assumiria o Padre Zé as funções de Director que exerceria até 1973.
Ainda como professor de Religião e Moral, leccionou na Escola do Ciclo Preparatório desde a sua criação e, mais tarde, também na Escola Secundária até 1995, quando então se reformou como professor.
Escrevemos em título que a vila de Alenquer muito deve ao Padre Zé. Na realidade assim é, pois quando se tornou pároco desta vila, o estado de conservação do património religioso edificado não era nada brilhante, uma vez que tudo ou quase tudo ameaçava ruína.
O seu gosto pela reconstrução e restauro havia-o já exercido em Aldeia Galega com pequenas intervenções e em Aldeia Gavinha com uma obra de restauro de grande vulto. Em Alenquer, foram objecto de grandes intervenções a Igreja e Convento de S. Francisco, o Oratório de Santa Catarina, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Triana (esta uma autêntica ruína e servindo de armazém), a Igreja do Espírito Santo e Arcada anexa, bem como o Palácio dos Lobos, na Rua Triana, Centro Paroquial. Era ainda sua grande ambição e preocupação o restauro do tecto da Igreja da Misericórdia, obra que infelizmente já não chegou a promover.
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A História Local foi desde sempre uma das suas grandes paixões, e, no que a tal respeita, deixou-nos um significativo legado, quer em colaboração com os seus amigos António de Oliveira e António Guapo  - "O Concelho de Alenquer" - 4 Volumes -, quer a título pessoal como é o caso do seu último livro "Alenquer 1758 - O Actual Concelho nas Memórias Paroquiais", por si transcritas e organizadas em precioso volume que a Arruda Editora deu à estampa para conforto de todos nós, amantes do passado alenquerense.
Pessoalmente sinto que perdi um amigo. Penso que eu e minha mulher fomos o primeiro casal de antigos alunos do velho Externato que ele uniu pelo sacramento do matrimónio, do mesmo modo que baptizou os nossos dois filhos, um acto de extrema generosidade, já que não somos assíduos da prática religiosa.
Nestas ocasiões costumamos desejar que quem partiu descanse em paz, mas sei que assim não vai acontecer, pois lá em cima, no lugar eterno que o acolheu, tudo vai andar em obras, ou de outro modo esse não seria o seu Paraíso. Até um dia Padre Zé, se Deus assim o quiser.
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A toda a sua família, em especial a seu irmão Álvaro meu amigo da música e de outras coisas, manifesto o meu mais sincero pesar.
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Para este escrito consultei a brochura editada pela "Presépio de Portugal" quando das Bodas de Ouro do seu sacerdócio.                                                                                    

03 setembro, 2012

POSTAIS À EDILIDADE - I


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«PODE HAVER FALTA DE DINHEIRO. O QUE NÃO PODE HAVER É FALTA DE AMOR PELA TERRA» - Jayme de Vasconcellos - Administrador do concelho de Alenquer em 1823.
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O ARCO DOS PINÉUS

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Cantado por poetas, imortalizado por pintores, o Arco dos Pinéus, um dos ex-libris da vila de Alenquer, está neste bonito estado que não se vê! 
No entanto, esta pitoresca travessa da Vila Alta é um daqueles recantos que ficam na retina do turista ocasional, não escapando, certamente, ao olhar dos muitos romeiros à capela da Sãozinha, que abandonando o autocarro no largo da Câmara calcorreiam as ruelas que os levam às alturas de S. Francisco.
Mas a casa em mau estado, à esquerda, é de um particular que não quer ou não pode cuidar melhor dela... Então a Câmara que dê uma mãozinha de cal ou de tinta, que providencie um jardineiro ou afim, que trate da calçada. Pode fazer tudo isso por pouco dinheiro e o Arco dos Pinéus passará a ficar bem na fotografia.
Pedindo desculpa pelo tempo roubado, solicito deferimento para esta sugestão, certo de que Alenquer merece o incómodo que vos estou a causar.
                                                          José Lourenço