24 fevereiro, 2013

A SERRA DE MONTEJUNTO NA ESCRITA DO PROF. ANTÓNIO DE OLIVEIRA

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A MEMÓRIA DA SERRA (NOTAS SOLTAS)
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O "Jornal de Alenquer" publicou-se por mais de uma década (anos 70/80), nesta vila de Alenquer, sob a direcção de José Salcedas Rogeiro e contou, entre os seus muitos colaboradores, com o Prof. António de Oliveira, um grande conhecedor desta vila e do seu concelho no que respeita ao património construído e natural, etnografia e história. Foram muitos os textos com que nos brindou, mas este, particularmente, ficou-me sempre na memória, amante que sou da "Serra da Neve". Por isso aqui o transcrevo hoje, certo de que igualmente o irão apreciar.
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«Os cultos da montanha, os ouvidos e os olhos d'água, os tesouros e as grutas, os bichos e os lobisomens, a murta e o alecrim, o leite e o mel, a caça e o pastoreio, e, o ano das treze luas constituem, ainda hoje, algumas notas soltas da memória da serra que se apaga e se reparte pelos Casais e Aldeias de Montejunto.
Gente de três concelhos, Alenquer, Cadaval e Torres Vedras, todos os anos sobe à montanha, em romaria, às festas de S. João, Santa Luzia e Senhora das Neves.
Em Junho, a 24, a pé e em burricada, Cabanas de Torres vai lá acima festejar o S. João na sua ermida situada a uma altitude, certamente, a mais elevada da Estremadura,
No dia cinco de Agosto é a vez de Pragança ir fazer a festa à capela da Senhora das Neves situada já na aba do concelho do Cadaval. Neste dia a Serra da Neve enche-se de gente carregada com o farnel.
A treze de Dezembro, na Serra Alta e na vertente de Torres Vedras, é o dia de Santa Luzia, conhecida, também, pela Festa dos Caçadores. Ainda hoje muitas mães dão o nome de Luzia às suas filhas.
Para os montanheses o horizonte é vasto. A terra e o mar interpenetram-se. «De uma ponta à outra, de Sintra à Serra da Neve a montanha está rôta por baixo e o mar entra por ela dentro». Esta crença popular está viva. Passou em «segredo» de uma geração para a outra. Assim é natural que a memória da serra conserve o nome de «Ouvido do Mar» para designar a lagoa de Montejunto, assim como o facto das águas subterrâneas do Caldeirão de Casais Brancos rebentarem por «dois ouvidos» donde chega a sair «sexos e areia que parecem da praia». Dos lendários ouvidos do mar diz a tradição que «animal que caia dentro da lagoa ninguém pode lá ir tirá-lo» e a água subterrânea do Caldeirão, antes de rebentar pelos «Ouvidos», ouve-se rugir de noite debaixo das casas dos vizinhos que ali moram. Outra tradição diz que passado o Inverno e os terrenos já enxutos é que o Sol faz rebentar os «Olhos de Água», ou nascentes.
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A crença da montanha «rôta por baixo» alimenta muitas lendas das «passagens subterrâneas» através das grutas e das Lapas e Algares que «comunicam» algures com o mar ou outras paragens desconhecidas. Alguns exemplos encontram-se na Gruta de Atouguia, na Lapa dos Morcegos de Alenquer e nos Algares de Lapaduços onde se atira uma pedra que se ouve cair no buraco durante bastante tempo. Outra crença alimenta a ideia dos «tesouros enterrados» na Serra. Em Cabanas de Torres fala-se de «uma espingarda de ouro» que foi ou está enterrada. Em Casais Brancos fala-se de «colheres de ouro» enterradas num poço. E seguindo lugares encontrados em «sonhos», pessoas antigas debalde passaram noites a abrir buracos à procura de «tesouros». Conta-se que um rei tinha três filhas que um dia ali passaram montadas em três cavalos brancos e uma delas disse: «foi ali que o nosso pai enterrou o tesouro».
A memória do lobo, do urso e do javali [este último, entretanto, de volta...], não está ainda completamente extinta. Um homem de setenta anos conta a história de um vizinho que foi a Lisboa a pé comprar umas casas. Saiu ao cantar do galo e entrou em casa no outro dia ao cantar do galo três vezes. O almoço dele foi pão e azeitonas. Este vizinho da Merceana para Aldeia Galega foi sempre acompanhado por um lobo pronto para o atacar. Isto passou-se há pouco mais de oitenta anos. Na Serra Alta havia um caçador de «todo o bicho». Tinha uma égua e passava a noite a caçar. Ainda hoje o gineto, a doninha, o texugo e a raposa enfeitam, embalsamados, salas, cafés e casas de pasto em terras de Montejunto. Em relação aos texugos diz a tradição que há texugos-cão e texugos-porco. Os que têm patas de porco são bons para comer, os outros não. Quanto aos lobisomens ainda hoje são capazes de «dar coices nas portas» nos lugares da Serra. Entre a «murta« que enfeita os «Cargos» da Festa dos Leilões de Atouguia e o «alecrim» dos namorados, há um repertório de ineixas, cardos e alhos porros dos tempos da fome dos avós que ainda estão vivos. Não esquecendo o tojo e o feno burro, está por fazer o erbário da Serra de Montejunto.
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Os pastos e as flores silvestres continuam a alimentar os rebanhos e as abelhas. No dia da Quinta-Feira de Espiga o leite é dado. A tradição do mel na Serra está registada nas alcavalas dos forais que os povos de Montejunto tinham que pagar. O mel era um produto importante a par dos cereais, vinho e cabeças de gado.
Caçadores, cabreiros e pastores de ovelhas continuam a encontrar-se nas encruzilhadas de Montejunto. Os cães de caça e os rebanhos vão aos «piões» beber água. Os piões são pequenas pias naturais que se encontram aqui e acolá nas cavidades das pedras da montanha.
O calendário da Serra não tinha doze meses, mas treze luas. O boletim meteorológico do ano era observado pelas têmporas e pelas arremedilhas. As têmporas eram observadas durante doze dias entre a noite do dia 13 de Dezembro e a noite de Natal. As arremedilhas eram observadas nas outras doze noites seguintes entre o dia 25 de Dezembro e o Dia de Reis. A média do tempo observada em cada noite correspondia ao tempo previsto para cada um dos meses do ano.
Estas notas soltas aguardam uma recolha com meios técnicos adequados.».
                                                                                                                                          ANTÓNIO DE OLIVEIRA 

10 fevereiro, 2013

1 de Outubro de 1513 - 1 de Outubro de 2013

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500 Anos do Foral manuelino de Aldeia Galega

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- Antiga "Casa da Rainha" actual sede da Junta de Freguesia - Pelourinho Medieval
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Poder-se-à dizer que, hoje, Aldeia Galega, dita da Merceana, é uma das mais bonitas e bem cuidadas aldeias do concelho de Alenquer ou mesmo do País. Antigo concelho medieval cujas origens remontam aos princípios da nacionalidade - denominava-se, então, Montes de Alenquer - Aldeia Galega surpreende o visitante com as suas ruas em calçada portuguesa, os seus largos cuidados e valorizados pelos monumentos que os enquadram, como a medieval Casa da Rainha, o Pelourinho, provavelmente do tempo do foral de 1513 (monumento nacional desde 1910 pelo Decreto de 16 Junho, DG n.º 136 de 23 de Junho de 1910), magnifico, com a sua ornamentação à base de motivos botânicos, entre os quais vislumbramos parras e cachos de uvas, a Igreja da Misericórdia hoje recuperada e a Igreja de Nossa Senhora dos Prazeres, orago da Freguesia, autarquia que tem aqui a sua sede e, na nossa modesta opinião, aqui deverá continuar a ter (para mais agora que viu unir-se a si a de Aldeia Gavinha) por motivos de centralidade do novo território e por motivos históricos que jamais deverão ser ignorados, pese embora o desenvolvimento da vizinha Merceana. Facto que valoriza a terra, é o ter sido Aldeia Galega a nossa primeira povoação que viu enterrados os inestéticos penduricalhos dos fios da electricidade e dos telefones.
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- Carta de Foro dos moradores de Montes de Alenquer (antiga denominação de Aldeia Galega) dada pelo Rei D. Dinis em 1305.
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A primeira Carta de Foral que Aldeia Galega (Montes de Alenquer) teve foi-lhe dada por D. Dinis em 1305, considerada por alguns «não mais do que a aplicação àquele concelho do foral antigo de Alenquer [de facto aí reproduzido na íntegra]», «uns aditamentos aos moradores dos Montes de Alenquer», e, por Guilherme Henriques «(...) como deve ser - Foral de Aldeia Galega» (1).
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- Rei D. Manuel I, monarca que procedeu à reforma dos Forais medievais.  
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Durante o reinado de D. Manuel I cerca de 570 concelhos viram reformulados os seus Forais. A tarefa, hercúlea, diga-se, impunha-se uma vez que os Forais antigos, muitos deles ainda redigidos em latim bárbaro, encontravam-se já em muito mau estado de conservação e a sua terminologia colocava dificuldades de interpretação aos oficiais camarários. Além do mais, doados em épocas diferentes, apresentavam muitas discrepâncias entre si naquilo em que dispunham.
Para levar por diante esta reforma, D. Manuel ordenou que o Dr. Rui Boto, chanceler-mor do reino, o Dr. João Façanha, desembargador do paço e Fernão de Pina, cavaleiro da casa régia assumissem a direcção do empreendimento, o qual se prolongou de 1497 a 1520. 
Daí resultaram 596 novos forais, também conhecidos de leitura nova, já que todos foram redigidos num novo tipo de letra, o gótico librário, que permitia uma leitura mais fácil. Na medida em que, com esta medida, se pretendeu «sistematizar a governação local ao nível administrativo», dela resultou que os chamados «Forais Novos» resultassem, quanto ao seu conteúdo, praticamente idênticos.
Datado de Lisboa, de 1 de Outubro de 1513, assim nasceu o «Foral Novo» de Aldeia Galega.
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- Conforme reprodução acima, «iconograficamente, o o tipo principal caracteriza-se por apresentar, no fontespício, na parte superior, as armas reais ao centro (sempre com nove castelos), ladeada pelas esferas armilares e uma faixa horizontal com o nome do Rei (MANVEL).
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Pensamos nós que esta efeméride deveria ser oficial e localmente comemorada. Ideias não faltarão (o dinheiro talvez...), mas permito-me avançar com duas: Que neste ano de 1513 a "Feira Medieval" que habitualmente se realiza em Alenquer tenha lugar na medieva e bem conservada Aldeia Galega, cenário ideal para um evento deste tipo. Não é uma ideia nova, mas é, assim o julgo, a altura certa para a testar iniciando-se, em caso de sucesso, uma descentralização bi-anual. Uma outra: Localizando-se na freguesia (agora aumentada) algumas das principais casas agrícolas que produzem e engarrafam vinho de qualidade, que estas sejam «aliciadas» para lançarem, a partir da colheita de 2013, uma série especial sob o rótulo «500 ANOS DO FORAL DE ALDEIA GALEGA».
(1)- Luciano Ribeiro, "Alenquer - Subsídios para a sua História", Câmara Municipal de Alenquer, Lisboa, 1936, pág.69 e seguintes.