30 setembro, 2013

ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS 2013

.
O Partido Socialista venceu as últimas eleições autárquicas no concelho de Alenquer recuperando a maioria absoluta:

.
Foram eleitos (segundos os Partidos ou Coligações):

Câmara Municipal

- Pedro Folgado (PS) - Professor
- Rui Costa (PS) - Professor
- Dora Pereira (PS) - Arquitecta
- Paulo Franco (PS) - Técnico de Estatística
- Nuno Coelho (CPNT) - Arquitecto
- José Augusto Nuno (CPNT) - Gestor
- Carlos Areal (CDU) - Bancário

Assembleia Municipal

- José Henrique Leitão Lourenço (PS)
- Nuno Inácio (PS)
- Maria João Graça (PS)
- Carlos Bernardo dos Santos (PS)
- Carlos Pereira Granadas (PS)
- Filipa Costa Santos (PS)
- João Maçarico Nicolau (PS)
- Samuel Matos Ferreira (PS)
- Sónia André Félix (PS)
- Fernando Pinto da Silva (PS)
- Helena Nogueira Santo (CPNT)
- Rui Neto (CPNT)
- Luís Barros Mendes (CPNT)
- Ana Neves (CPNT)
- Nuno Lourenço (CPNT)
- Susana Severino (CPNT)
- José Catarino (CDU)
- Vladimiro Matos (CDU)
- Mariana Raposo Fernandes (CDU)
- Gonçalo Roque (CDU)
- José Machado (BE)

Freguesias

CARNOTA - Nuno Granja (PS)
MECA - Benjamim Ferreira (PS)
OLHALVO - Jacinto Agostinho (Independente)
OTA - Diogo Carvalho (PS)
VENTOSA - Liseta Almeida (PS)
V. V. DOS FRANCOS - Mário Isidoro (PS)
ABRIGADA/ CABANAS TORRES - António Pires (PS)
ALDEIA GALEGA / ALDEIA GAVINHA - Fernando Franco (PS)
CARREGADO /CADAFAIS - José Manuel Mendes (CPNT)
RIBAFRIA /PEREIRO - Jorge Pereira (PS)
ALENQUER - Paulo Matias Assunção (PS)

27 setembro, 2013

ECOS DA "PATULEIA" EM TERRAS DE ALENQUER


.
O TEMÍVEL CAP. LAURET E A SUA TROUPE
.


.
Neste documento acima reproduzido, um ofício do Ministério do Reino ao Administrador do concelho de Alenquer, datado de 9 de Fevereiro de 1848, exige-se a bem da «(...) segurança pública do mesmo Concelho [que] sejam dali removidos [entenda-se, expulsos] o Major Cabral e o Capitão Lauret». 
Não sei quem tenha sido o Major Cabral, mas, acerca do Capitão Lauret, havia já lido uma crónica no "O Alemquerense" assinada por "Um Velho", cronista de boa escrita e muito espírito que, como facilmente se depreende das suas publicações que tiveram lugar nesse jornal a partir do n.º 192 de 15 de Novembro de 1891, seria, efectivamente, um senhor de provecta idade, pois havia vivido todos esses tempos agitados que se seguiram à revolução liberal de 1820.
Não sabemos se o Capitão Lauret foi, ou não, expulso do concelho de Alenquer, como se exigia ao Administrador, mas lendo a crónica abaixo ficamos a saber um pouco mais acerca dessa interessante figura que agitou a vila de Alenquer (e não só!) em meados do século XIX.
.
- Castigo a um popular ao tempo da "Patuleia"
.
O capitão Lauret

«Em Maio de 1846 organizou-se nesta vila uma força popular de cento e tantos homens que proclamou o governo provisório da Junta do Porto, contra o detestado governo dos Cabrais.
Esta força dirigiu-se a Santarém, apresentando-se à Junta governativa ali estabelecida, composta, além de outros, de Passos Manuel, Lobo d’Ávila, e dr. Quelhas, a qual encarregou do comando dela o capitão Lauret, encarregando o sr. Venâncio Carmo do pagamento do seu pré ou sustento e nomeando administrador do concelho o farmacêutico Domingos Afonso, pai do oficial da administração e curioso passarinheiro, sr. João Afonso.
Chamava o capitão Lauret a esta força minha troupe. Regressando a esta vila o sr. Venâncio incumbiu à gorda padeira Maria Paula o fornecimento do pão para a troupe.
Conduziu o capitão Lauret a troupe do seu comando a Torres Vedras, Lourinhã, Peniche, Óbidos e outros sítios, fazendo proclamar o governo da referida Junta do Porto.
Havia nesta troupe um coisa com uma corneta que, não sabendo tocar, buzinava sempre que entrava na vila. Ouvida a bulha da corneta corriam uns a tocar o sino da câmara, outros os sinos das igrejas, em sinal de satisfação pela chegada da marcial e aguerrida troupe, distinguindo-se o sineiro da igreja de Triana, porque o bom do ver. Prior Matias, que era considerado como afecto ao governo de Costa Cabral, recomendava ao sacristão que tocasse muito para que o não arguíssem de desafeição.
Que cólicas teve por aquele tempo o ver. Prior Matias! Não lhe era muito afeiçoado o administrador Domingos Afonso, mas o ver. Prior, para captar a sua estima, presenteou-o com um bom carneiro e um cântaro de azeite. É isto sabido pelo cirurgião Ramos que o faz público pelos jornais e, Domingos Afonso, tem a ingenuidade de mandar o presente para a Irmandade da Misericórdia o fazer vender em praça e arrecadar o produto na tesouraria, o que consta do livro de actas daquele tempo!
.
.
Caiu o ministério cabralino que foi substituído pelo presidido por o Duque de Loulé que, em seguida, mandou dissolver as forças populares, o que foi comunicado ao capitão Lauret e recomendado ao sr. Venâncio a suspensão de qualquer abono, o qual por sua vez avisou a padeira Maria Paula para não continuar o fornecimento do pão.
O capitão Lauret, olvidando aquela comunicação, mandou dois janízeros da sua troupe pedir pão à Maria Paula; esta recusa a remessa. O capitão Lauret manda sair da forma em que estavam, debaixo do telheiro que havia na praça, outros dois janízeros e diz:
- Vá você fuzilar já Maria Paula.
E eles lá vão para cumprir a ordem, mas quando chegam à esquina do muro, ao fim da praça, diz o capitão Lauret:
- Oh não, vem cá, não fuzila vossemecê Maria Paula.
E assim escapou a gorda Maria Paula duma morte certa, dissolvendo-se a força popular por falta de pão, sem que o incidente se tornasse desagradável.
O capitão Lauret teve a sua residência no lugar da Espiçandeira onde nasceu seu filho, o bem conhecido professor de ginástica e esgrima sr. Paulo Lauret, e tinha diferentes criados ao seu serviço, mas logo que os ajustava dizia-lhes:
- Tu, em eu chamando por João, vem logo. E assim procedia com todos os demais que assoldava, quer se chamassem Manuel, Pedro ou Joaquim.
Perguntando pela razão desta singularidade respondeu:
- Eu quer que todos seja João, porque se eu chama por Manuel, Pedro ou Joaquim e não está o que eu chama, outro não responde; e assim chama por João, vem todos e eu é servido.».
.







20 setembro, 2013

A REVOLTA DA PATULEIA

.
UMA BASE DE GUERRILHA NO TERMO DA VILA DE ALENQUER
.

- Arquivo Histórico Militar (PT AHM/DIV/1/27/08/393)

Corpo Franco de Cavalaria

Exm.º Senhor Barão de Ponte da Barca
Ministro e Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros

Tendo-me sido indicada a Quinta da Barradinha, no termo de Alenquer como guarida da guerrilha que assola estes concelhos, dirigi-me para ali ontem: Porém querendo entrar na dita Quinta, vi hasteada em um ângulo da casa a bandeira Francesa quando a Quinta pertence ao guerrilheiro Adriano Pereira do Carmo.
Diga-me V. Ex.ª o que devo fazer porque desta sorte inúteis são os esforços das tropas fiéis quando os assoladores do País têm guarida certa à sombra de bandeiras e fantásticos privilégios Estrangeiros.
                                Deus Guarde a V. Ex.ª
             Quartel em Vila Franca 29 de Maio de 1847
                Diogo Pires Monteiro Bandeira - Coronel

- À margem o seguinte despacho:

Quando tiver a certeza de estarem ali os guerrilheiros deve atacar.

Para conhecimento ao Ministério dos Negócios Estrangeiros
.
Por morte de seu pai Bento Pereira do Carmo em 1845, Adriano Pereira do Carmo, casado com D. Lourença de Assis Pereira do Carmo, tornar-se-ia proprietário das Quintas da Barradinha (Guizanderia) e da Provença, do mesmo modo que seu irmão Alfredo Pereira do Carmo, casado com D. Maria José Conceição Marques Pereira do Carmo se tornou dono das Quintas da Almadia e Casal do Galo de Ouro.
Seu pai foi um ilustre político do Liberalismo, e, pelos vistos, os seus filhos seguiram-no nos ideais mais avançados da época, tomando o partido dos Setembristas mais radicais. Mas, antes disso, estudaram ambos em Coimbra (onde seu pai também se tornou Bacharel em Leis) e sobre esses tempos da sua juventude encontrámos no O Alemquerense (n.º 272 de 1893) a seguinte referência:
«[Alfredo] foi estudar para a Universidade de Coimbra aos 15 anos tendo nesse tempo por condiscípulos o irmão Adriano Pereira do Carmo, Gonçalo de Sousa Lobo, José Lobo e muitos outros que pelas suas leviandades se tornaram o terror de Coimbra, sendo expulsos da Universidade e riscados em 3 de Julho de 1839 mas readmitidos depois por empenhos».
.
- Conselheiro Bento Pereira do Carmo, pai de Adriano Pereira do Carmo e de Alfredo Pereira do Carmo.
.
De jovens turbulentos passariam a políticos radicais. Alfredo assentou praça em Cavalaria e quando do pronunciamento "Setembrista" (esta corrente política opunha-se à Carta Constitucional, logo aos "Cartistas", e queriam uma Constituição feita pelos representantes eleitos do Povo) que eclodiu em Torres Novas e viria a ser secundado pela praça de Almeida, nele tomou parte já como alferes feito pela Junta Revolucionária. Quando Almeida capitulou Alfredo emigrou para França onde manteve até à "Maria da Fonte". Na sequência deste movimento foi amnistiado, e, tal como todos os revoltosos de Almeida manteve o posto e foi reintegrado. Assim, na sequência do movimento de 6 de Outubro de 1846 aí o temos como oficial "patuleia" às ordens da Junta Provisória do Supremo Governo do Reino (Porto), presidida pelo Conde das Antas com vice-presidência de José Passos. Nesse mesmo ano, em 6 de Outubro combate na célebre (e sangrenta) batalha de Torres Vedras onde os "cartistas" comandados por Saldanha derrotam os "patuleias" comandados pelo Conde de Bonfim. Nessa batalha esteve prestes a perder a vida, salva por um soldado do seu Regimento e amigo, Bértolo Ribeiro Seabra.
Assim, quando se dá o episódio descrito no documento acima, o guerrilheiro Adriano Pereira do Carmo tem o seu irmão Alfredo preso com os seus camaradas que haviam capitulado, a bordo da fragata "Diana" ancorada frente à Torre de Belém, onde esteve até Junho de 1847, data da Convenção de Gramido que pôs termo à Guerra Civil. Alfredo receberia de volta o posto de Alferes de Cavalaria (e seria longa e aventurosa a sua carreira militar) e colocado na inactividade. Adriano seria um viticultor como seu foi no final da vida.
.
- Batalha de Torres Vedras (Gravura da Biblioteca Nacional).
.
O documento acima revela-nos, ainda uma informação interessante: É ponto mais ou menos assente que após a Batalha de Torres Vedras, onde participaram pelos "patuleias" corpos de guerrilheiros, esses movimentos haviam desaparecido. Todavia, em Alenquer, persistiriam por mais algum tempo.

14 setembro, 2013

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS IV

PINHEL CIDADE SOLARENGA
.
- Edifício dos Paços do Concelho, antigo Solar dos Mena Falcão.
.
Cidade onde antigos solares marcam solenemente a malha urbana, Pinhel pertence ao Distrito da Guarda, tinha 27 freguesias (até à recente reforma), o município tem uma área de 484,5 Km2 e 9. 627 habitantes, sendo que deles 3.518 habitam na cidade.
Chega-se a Pinhel pela A-25, a que vai para Vilar Formoso, mas a partir do nó do Pinzio, segue-se a placa que indica esta cidade, também ela conhecida por Cidade Falcão - o Falcão está no seu brasão - em homenagem à bravura dos pinhelenses que em 1383 tomaram o partido do Mestre de Avis e bateram-se corajosamente com os de Castela em defesa da independência nacional.
Já foi Diocese, dissociada da de Lamego em 1770, data em que, também, ganhou o estatuto de cidade. Todavia, em 1881 a Diocese seria extinta, restando desses tempos o magnífico Paço Episcopal. Hoje é evidente nesta cidade raiana o processo de desertificação que assola o nosso interior, pois lá chegado tive a sensação de que tinha toda uma cidade só para mim. Para mais, os números não enganam, mas o que lhe falta em habitantes sobra em beleza e testemunhos de uma história que deixou traços de opulência no seu património construído. Uma coisa boa: o turista não tem problemas com o estacionamento, mesmo no centro da cidade...
.
- Igreja da Misericórdia (1537). Próxima desta a Igreja de S. Luís (1596).
.

Com um património construído tão rico, são muitos e variados os pequenos pormenores que surpreendem o visitante a cada esquina ou nas fachadas dos imóveis.
.
.
A caminho do Castelo a pequena mas muito antiga (Séc. XIV) Igreja de Santa Maria do Castelo (abençoadamente fechada como as da maioria das terras por onde passei...).
.
-Torre de menagem do castelo de Pinhel conhecida como Torre Manuelina, sendo visíveis elementos desse estilo.
.
O castelo de Pinhel datará do reinado de D. Sancho I, soberano que deu foral à vila. D. Dinis «revigorou» este sistema defensivo mandando-o reconstruir. Teve seis torres amuralhadas e, muralha de 800 metros e seis portas (ainda existem cinco). Numa elevação 600 metros acima do nível do mar, erguem-se sobranceiras duas torres. 
.
.
- Pelourinho, vendo-se por detrás  a "Casa Grande" (séc.XVIII) construída pela família Fagundes. Foi, até 2005, Paços do Concelho.
.
O Pelourinho de Pinhel é, sem dúvida alguma, o ex-libris da cidade. Ao estilo manuelino e do tipo "gaiola", apresenta coluna octogonal (o fuste não é ornamentado) assente em base quadrada e encimada por capitel também octogonal, sobre o qual assenta a gaiola. Esta é formada por oito colunelas decoradas com motivos vegetalistas estilizados. Até ao séc. XVII os pelourinhos eram popularmente conhecidos como picotas. Dizem os estudiosos da matéria que em alguns se fizeram execuções (até ao séc. XIV) ou expuseram à fúria popular criminosos. Depois passaram a ser vistos como símbolos da autonomia judicial do concelho para, finalmente, se tornarem símbolos da liberdade municipal.
.
- A bonita praça fronteira aos Paços do Concelho (Largo Ministro Duarte Pacheco) com a Torre do Relógio (séc. XIX) e ao fundo as torres do Castelo.
.
Não está na fotografia mas merece ser mencionado. Quando na Praça acima perguntei por um restaurante onde pudesse almoçar, logo me indicaram o ali próximo "Skylab". Confesso que com um nome destes, de snack americano... Bom, mas lá fui porque a hora já era tardia. Moral da história: almoçámos supinamente: entradas tradicionais e um excelente vinho da casa (terra de bons vinhos...) abriram caminho a uma excelente posta de vitela assada (e bem temperada) apresentada, originalmente, em tradicional tacho de barro e com todos os acompanhamentos. Sobremesas e cafés abriram caminho a uma módica conta (cá pelos nossos lados já não se come assim e muito menos por aquele preço... Serviço simpático a merecer uma nova visita que, porventura, jamais acontecerá, pois Portugal sendo pequenino ainda tem muito por descobrir.

07 setembro, 2013

INVASÕES FRANCESAS

.
UMA PETIÇÃO DO POVO DE ALENQUER A BERESFORD, CONDE DE TRANCOSO, EM 1811
. 

- Beresford e Wellington (Gravura da Biblioteca Nacional).
.
Estamos, seguramente, na segunda metade do ano de 1812 (ou até em data posterior...), isso nos permite inferir uma alusão, no texto, à Batalha de Salamanca, onde o destinatário desta petição, William Carr Beresford, que comandou pessoalmente o ataque da 3.ª Brigada Portuguesa, ficou gravemente ferido. No entanto, já com os franceses em definitivo fora do território nacional, os alenquerenses, tão duramente castigados pela  primeira e terceira invasão e que tanto haviam trabalhado para a construção dessa intransponível muralha defensiva, as "Linhas de Torres", continuavam a ser mobilizados para essa hercúlea tarefa que se prolongou para além das invasões, não fosse Napoleão lembrar-se, de novo, dos irredutíveis portugueses.
Esta é, assim, uma petição dirigida a esse «protector»  do Povo português, o Marechal-General Beresford, Conde Trancoso, depois Marquês de Campo Maior e Visconde de Beresford na sua Inglaterra, já que S. A. R. o Príncipe Regente D. João (futuro D. João VI) se encontrava com a Corte no Brasil. 
Este precioso documento do Arquivo Histórico Militar é, pois, um impressionante testemunho do sofrimento dos alenquerenses, das injustiças que sofreram e de que não eram merecedores, já que estiveram, em força, na linha da frente da construção dessas afamadas "Linhas". E qual foi a resposta que obtiveram? À margem do documento está o Despacho: «Sem resposta». A iniquidade, os privilégios de classe, o desprezo pelo sofrimento popular, não são, ao que parece, um atributo dos dias de hoje.Neste País, são um mal que vem de longe...

Illm.º [Ilustríssimo] e Ex.mº Sr. Marechal General Conde de Trancoso

Os Povos das quarenta e oito vintenas (1) de que compõem o termo e vila de Alenquer, fiados na justiça e benignidade do grande carácter  de que V. Ex.ª tem dado provas no alto emprego, que S. A. R o Príncipe Regente (2) foi servido confiar-lhe, vão, Ex.mº Sr. cheios do mais profundo acatamento levar à presença de V.ª Ex.ª esta respeitosa súplica.
Quando em 1809 se começaram a construir  as linhas de defesa de Alhandra e Torres Vedras [Linhas de Torres], foram os Povos de Alenquer os que mais se esmeraram em fornecer numerosos destacamentos para a feitura desta grande muralha da independência nacional. Os seus serviços tiveram uma recompensa digna do zelo e patriotismo com que foram prestados: Os Suplicantes [peticionários, requerentes] viram com prazer que toda a fúria dos exércitos franceses se quebraram nesta muralha da nossa liberdade; e estamos [convictos], por terem seguido o virtuoso exemplo de seus Avós, que sempre acudiram com presteza aos apertos da Monarquia. Trazem no coração o Ilustre General, que tirou tão sabiamente partido das vantagens do terreno.

- Como se vê, os de Alenquer dirigem-se ao ilustre militar - e depois Governador do Reino -elogiando-o e relevando o papel que eles, alenquerenses, desempenharam na construção das fortificações das Linhas de Torres, sentindo-se recompensados pelo papel determinante que estas desempenharam para a derrota do inimigo. Mas...

Todavia, Exm.º Sr., a devastadora invasão de 1810 apoucou os recursos dos Suplicantes: a guerra, a fome e as moléstias reduziram a mil e cem o número dos trabalhadores da vila e todo o seu termo; e os empregados públicos encontram a maior dificuldade em preencher os destacamentos que lhes são exigidos [para os trabalhos da] fortificação.
.
 - Batalha do Vimeiro (gravura da Biblioteca Nacional).
.
Estavam os Suplicantes esperançados em que os gloriosos feitos do exército Aliado reduziriam o número de requisições e dos requeridos: encheram-se de alegria quando viram que a memorável batalha de Salamanca, em que V.ª Ex.ª derramou o seu sangue em nossa defesa (penhor eterno de amor e fidelidade à pessoa de V.ª Ex.ª), arrojara os Franceses da Capital de Espanha para a extremidade das duas Castelas; mas a sorte individual dos Suplicantes não melhorou com este sucesso.
Um destacamento de trezentos homens é todos os quinze dias enviado do termo de Alenquer para trabalhar nas linhas de fortificação, empregam-se as medidas mais violentas para completar este número, chegando-se ao extremo de prender na cadeia pública as mulheres de muitos desgraçados que desamparam o seu seu país natal (3) e se retiram para as povoações vizinhas para se remirem de tamanho vexame; os que faltam por algum motivo legítimo são taxados arbitrariamente em mil e seiscentos e até dois mil réis para pagamento (como nos inculcaram) de quem por eles trabalha nas ditas fortificações.

- Com os franceses praticamente expulsos da Península, os trabalhos nas Linhas continuavam, e os alenquerenses, que tanto se haviam alegrado (e esperançado) com o insucesso napoleónico a partir da sua derrota em Salamanca, continuavam, também eles sujeitos a medidas violentas que os amarravam e subjugavam ao trabalho nas fortificações. A sua sorte não mudara...
.
- Pormenor de uma gravura de Ribeiro Cristino mostrando a Real Fábrica de papel que logrou resistir às invasões.
.
A Agricultura, Exm..º Sr., esta actividade fecunda da prosperidade pública e base mais sólida dos Impérios bem constituídos, foi a primeira que se ressentiu dos efeitos daquelas medidas. Um termo que tem mais de trinta léguas quadradas, não é possível cultivar-se só com oitocentos homens que ficam disponíveis da massa total da sua povoação. Alguns proprietários ricos e mais acreditados na corte, procuraram e obtiveram isenções e privilégios para os trabalhadores que amanhavam os seus prédios; mas estes privilégios agravaram o mal em vez de o remediar, porque redundaram todos em prejuízo da parte não privilegiada dos habitantes.
Seguiu-se daqui que muitos prédios não se cultivaram nem cultivam por falta de braços, e que os terrenos mais pingues [férteis] se convertem em baldios com grave dano do público e dos particulares, que não colhendo o fruto das suas terras mal podem satisfazer as contribuições e tributos destinados a manter a guerra.
Por outro lado Exm.º Sr., o miserável jornaleiro, que só tem o seu braço para sustentar-se, a si e à sua desditosa família, não pode preencher estes deveres sagrados com os mesquinhos dois tostões que se lhe pagam nas linhas e que apenas chegam para o seu diário passadio; e muito menos pode pagar todos os quinze dias o pesado tributo de dezasseis tostões ou dois mil réis a quem por ele desempenha aquela obrigação.
Os Suplicantes, tendo a honra de levar à presença de V. Ex.ª esta reverente súplica, protestam ao mesmo tempo que estão prontos a fazer todos os sacrifícios para a salvação da Pátria: mas eles sabem que os extremos só se devem exigir na extremidade (4); e graças ao valor das tropas Aliadas, e aos grandes Generais que as comandam, Portugal não se acha agora, nem provavelmente se achará mais nesse deplorável estado.
Além de que, todos os lugares e vilas comarcãs de Norte e Sul do Tejo, como Salvaterra, Benavente, Azambuja, Aveiras, Alcoentre, e outras muitas, não têm fornecido um só homem para trabalhar nas linhas; e se o bem que delas resulta, é um bem geral, não há motivo algum razoável para que os Suplicantes vivam oprimidos e seus vizinhos os não ajudem a suportar o peso do serviço público.
Tal é, Exm.º Sr., a singela e fiel narração do que padecem os Suplicantes há dois anos a esta parte; e só V,. Ex.ª é quem lhes pode dar o conveniente remédio: os Suplicantes assim o esperam com a maior confiança.

- Daqui ressalta, com clara evidência, o prejuízo para a Agricultura - principal actividade económica à época - ocasionado por estas mobilizações forçadas e já injustificadas, mal pagas, excessivamente punidas mesmo quando os incumpridores tinham motivo justificado. Por outro lado, os privilégios dos grandes proprietários que, ainda por cima, faziam recair sobre os restantes trabalhadores mais trabalho forçado, na medida em que diminuíam a base de recrutamento. De notar ainda a situação de excepção (negativa) dos habitantes de Alenquer em relação aos habitantes dos concelhos vizinhos isentos deste trabalho. Como se não bastara terem sofrido mais do que outros as agruras da invasão por viverem à beira das Linhas, mas fora delas, ainda tiveram que suportar por largo tempo esta discriminação.
.
                                     .       .

E. R. M.
(seguem-se 25 assinaturas em duas páginas, reproduzindo-se a primeira delas)

(1) Vintena - Antiga divisão administrativa já referenciada nas Ordenações Afonsinas e extinta com o Liberalismo. Correspondia a 20 vizinhos (chefes de família) agrupados numa "Cabeça", lugar ou aldeia.
(2) S. A. R. O Príncipe Regente - Sua Alteza Real o Príncipe Regente (D. João, futuro D. João VI).
(3) seu país natal - Curioso que ainda se utilizasse esta expressão para definir "terra natal", no caso Alenquer.
(4) os extremos só se devem exigir na extremidade - Interpreto como: os grandes sacrifícios só se devem exigir em tempos extremamente difíceis.

Fonte: PT AHM/DIV/1/14/186/29.

Nota: O texto foi por mim adaptado ao português actual no grafismo de algumas palavras, na pontuação e em raros casos na construção de frases.
.
 O primeiro signatário deste documento, Gonçalo Manuel Peixoto, era primo de D. Miguel Pereira Forjaz, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, mas, nem por isso, a petição viria a ter melhor acolhimento. Tomámos conhecimento desta relação de parentesco ao consultar um outro documento em que Gonçalo Peixoto se dirige ao seu "primo", em resposta a uma missiva desse abordando uma questão sobre solípedes.Talvez esse parentesco justifique ter sido ele o primeiro a assinar...