09 março, 2014

QUANDO SPÍNOLA ATACOU O PORTUGAL DE ABRIL

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UM INTERESSANTE DOCUMENTO ENTÃO EMITIDO EM ALENQUER
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Foi há trinta e nove anos!... Os acontecimentos do "11 de Março" são conhecidos, fazem parte da nossa História recente. E em Alenquer? Em Alenquer viveu-se com muita preocupação esse dia, e quando se temeu que algo de grave estava em marcha (e estava), à semelhança do que aconteceu em muitos outros locais ao redor de Lisboa, o PCP que tinha, então, grande poder de mobilização junto das maiores empresas locais, mandou avançar os seus militantes e simpatizantes para o cruzamento do Carregado.
Pretendia-se com isso evitar que eventuais forças contra-revolucionárias atingissem Lisboa, e, por esses anos, era ainda fácil controlar os acessos à capital, tão poucos eles eram. O cruzamento do Carregado era um dos pontos-chave, pelo que, na tarde desse dia, bem depressa ficou sob controle das «Brigadas de Vigilância» como abaixo, no documento reproduzido, Carlos Cordeiro lhes chama.
Nesse tempo ainda aí funcionava o posto da PVT, o que originou que de início o ambiente tivesse chegado a estar quente, pelo que o agente presente no posto decidiu, em boa hora, fechá-lo e partir. Entre os presentes chegou a considerar-se o assalto ao mesmo para ter acesso às comunicações, todavia a sugestão não vingou.
Nas "barricadas" do Carregado estranhava-se a ausência dos camaradas socialistas... Os ponteiros do relógio iam passando e deles nada. Que se passaria? Estariam com dúvidas? Esperavam por uma melhor definição da situação? Mas eis que algo acontece: tarde e más horas os socialistas chegaram e chegaram como quem vem para tomar conta da situação. Saíram dos carros decididos, braçadeiras identificadoras nos braços e ar de quem diz «agora o controle» é nosso. Por acaso conhecia bem quem parecia «comandar» as hostes do PS, o meu amigo Covas, nesses tempos, de Alhandra...
Bom, o que poucos sabiam e os recém-chegados muito menos, é que outro «controle» havia e estava no último andar do velho edifício do cruzamento, o  qual servia de Centro de Trabalho do PC, local donde se dominava na perfeição todo o cruzamento. Aí, uns quantos militantes com boa pontaria não estavam sozinhos (com curiosidade, verifiquei que, com engenho, simples caçadeiras podiam ser adaptadas para disparar bala)... Pelo que cá em baixo, os quadros comunistas, sabedores da situação, iam assistindo ás novas manobras com alguma bonomia e um certo ar divertido. Terminando este quadro, diremos que tudo acabou por correr em ambiente de democrática cooperação em defesa do 25 de Abril.
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- Documento do espólio do Dr. Teófilo Carvalho dos Santos, depositado nos arquivos da Fundação Mário Soares.
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Entretanto, em Alenquer, o Dr. Teófilo Carvalho dos Santos, ao tempo candidato a deputado constituinte, tinha urgência em chegar a Lisboa. Mas como fazê-lo com tantas "barricadas" pelo caminho? O Secretariado do PS local emitiu então este "salvo-conduto", o qual, todavia, poderia ser insuficiente já que havia outras forças políticas no terreno.
Daí a "confirmação" do Partido Comunista, com carimbo e assinada pelo Miranda que era o funcionário local (e acho que "suplente do Comité Central"). No Carregado assisti eu à passagem do Dr. Carvalho dos Santos que foi recebido por todos com grande simpatia e seguiu viagem informado do que o esperava daí para baixo. Sem dúvida um documento interessante que concitou uma rara convergência PS/PCP.


07 março, 2014

ENTRE A HISTÓRIA LOCAL E A FILATELIA...

UM POSTAL DE UM MAÇON ALENQUERENSE
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Este postal que há bem pouco tempo adquiri em França (por correio, já se vê...), está datado de 6 de Junho de 1906 e assinado por Fernando Campeão, de seu nome completo Fernando Campeão dos Santos, que então, ainda jovem, vivia na Rua "dos Muros" (uma alusão à antiga muralha que corria perpendicular à rua), para quem não conhece é a rua que se vê em primeiro plano na Vila Alta.
O jovem Fernando Campeão habitava a enorme casa paterna, sendo seu pai Henrique António Campeão dos Santos, advogado e proprietário da tipografia e papelaria que girava sob o nome comercial de "H. Campeão & C.ª", local onde se editava o jornal Damião de Góis de tendência republicana. Aliás, Fernando Campeão viria a ser proprietário e administrador desse mesmo jornal.
Republicano convicto, Fernando Campeão foi membro da Comissão de Vigilância Republicana de Alenquer (1910) e Vogal da Comissão Municipal Republicana do Concelho de Alenquer entre 1910 e 1913.
Uma outra referência a este alenquerense, diz respeito à sua condição de maçon e consta de um artigo publicado pelo meu amigo Filipe Rogeiro na Nova Verdade de 15/10/2003: «Em 1909 é fundado em Alenquer, por diversos indivíduos, o grémio maçónico Damião de Goes, que fica sob a direcção de João de Avellar. Consigo estavam tantos e tão insignes cidadãos que em Alenquer desempenhavam os mais altos cargos publicos e sociais, que neste Gremio me rodeavam na tarefa de proteger a Humanidade fraternalmente, conforme mais tarde recordará o próprio João de Avellar. Os nomes desses cidadãos não são conhecidos, à excepção do de Fernando Campeão dos Santos».
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Agora, atente-se num pormenor do postal, o selo de 10 réis da emissão D. Carlos: nele o rei está de cabeça para baixo, ou como filatelicamente se diz, na posição de "enforcado". Esta era uma desfeita que os republicanos então praticavam a sua majestade e que facilmente permite identificar a ideologia do remetente. Mas não era a única, por vezes imprimiam sobre a real cabeça um barrete frígio (símbolo republicano), e assim circulava a correspondência.