"UM MINISTRO PORTUGUÊS ENXERTADO EM CAVALO AMERICANO NÃO SERIA RESISTENTE ÀS FILOXERAS?"
- Sebastião José de Carvalho - Visconde de Chancelleiros
Em Abril de 1890 noticiava o jornal "O Alemquerense" (nº120): «Chegaram anteontem, no vapor norueguês Thislle duzentos trabalhadores franceses que veem trabalhar nas vinhas filoxeradas do sr. Visconde de Chacelleiros». Esta notícia afigura-se-nos surpreendente, não tanto pelo recurso a essa experiente mão de obra, mas, sobretudo, pelo seu elevado número.
Mas foi assim que o grande vinhateiro alenquerense reagiu à desgraça que assolara o país vinícola, com uma pacífica "invasão" francesa, oitenta anos após a outra, a napoleónica, que tão más memórias havia deixado no nosso concelho.
Mais uma vez, é "O Alemquerense", atento ao que se passava pelas quintas da Ventosa, quem relata o que por lá se passava, sob o título "Uma lição prática":
«Domingo passado veio de visita a casa do sr. Visconde de Chancelleiros, na quinta do Rocio, o sr. Ministro das Obras Públicas, dr. F. Arouca(1), assistindo por essa reunião a alguns trabalhos de plantação de bacelos americanos pelo pessoal de mr. Qóury.
A convite do sr, Visconde reuniram-se ali por essa ocasião alguns dos seus amigos e pessoas de suas relações, quase todos viticultores e directamente interessados, portanto, em assistir àqueles trabalhos.
Depois de um esplêndido almoço animado sempre pelas brilhantes qualidades de espírito e de carácter dos donos da casa, assistiram os convidados à revista do pessoal, gado e material de mr Qóury.
Em seguida dirigiram-se para a quinta do Monte d'Ouro onde assistiram à lavra de terreno para vinha e plantação de bacelos americanos.
- A Quinta do Monte d'Oiro hoje propriedade do Engº José Bento dos Santos continua a ser uma unidade exemplar da viticultura nacional aí se produzindo alguns dos melhores vinhos do mundo.
Qualquer destas operações tem muita novidade para a maior parte dos nossos viticultores e é para sentir que maior número deles as não tenham presenciado.
Como da arrojada iniciativa do sr. Visconde de Chancelleiros pode provir a regeneração da viticultura em toda esta região, essencialmente vinhateira, procuraremos obter todos os dados necessários para uma completa descrição dos trabalhos dirigidos pela alta competência do ilustrado viticultor francês, fornecendo assim aos nossos leitores uma lição prática de grande valor e que urge aproveitar.
Por hoje limitamo-nos a agradecer o convite com que o ilustre revolucionário da viticultura indígena honrou a imprensa local, oferecendo-lhe mais uma vez o ensejo de prestar um serviço útil aos seus conterrâneos e ao país».
- A Quinta do Rocio, situada na Cortegana, povoação há muito conhecida como a "Sintra alenquerense", hoje propriedade da família Sanches da Gama, é também ela uma produtora vinícola de excelência sob a direcção do enólogo Neiva Correia.
Sebastião José de Carvalho, para além de um político de referência à sua época, passou à história como o vinhateiro que colocou boa parte da sua fortuna no combate à terrível praga da filoxera que havia atingido as vinhas do país, revelando-se como o que maior sucesso obteve nessa luta.
Em 1893, já afastado da política, escreveu a Thomaz Correia(2) uma carta "balanço" da sua vida em que se refere a essa sua situação de retirado político activamente empenhado na agricultura, da qual se transcreve este interessante passo:
«Vivo afastado do bulício da Corte, de esta esplêndida Corte em que se faz a avenida, para se fazer alguma coisa, com as mesmas pessoas e os mesmos trens, como com aquelas folhas de chá no tempo do nosso Tolentino se fazia o cansado chá que ferve com esta a sétima vez.
Faço lavoura, trabalho pela regeneração da nossa indústria vitícola, a favor da qual como v. sabe falei hoje na câmara(3). Sou dos que pensam que da terra alma mater é que tem de vir, se vier, a nossa regeneração económica, que já não vem cedo.
Lá, no meu isolamento, onde já fui por mais de uma vez surpreendido e honrado com a visita de mais um ministro, vejo e sinto muita verdade que não tem eco no âmbito da nossa política e que não é ouvida por eles. Se eu lá apanhasse um que não fosse de viagem de ida e volta, e me desse tempo, e tivesse pé para ser enxertado, mandava-o enxertar. Um ministro português enxertado em cavalo americano não seria resistente às filoxeras? Se v. julgar que sim ponha essa ideia ao serviço do seu partido»(4)
E aqui fica a ideia. Quem sabe se enxertando-os num cavalo de confiança não dariam finalmente um bom governo?
(1) - Frederico de Gusmão Correia Arouca (1846-1902), Ministro das Obras Públicas no governo de Serpa Pimentel.
(2) - Miguel Thomaz Correia (1860-1908) de Atouguia da Baleia?
(3) - Câmara dos Pares, a que pertenceu por direito hereditário enquanto filho do Barão de Chancelleiros, Manuel António de Carvalho. Então, o nosso sistema representativo era bi-camaral, com uma Câmara dos Deputados e uma Câmara dos Pares.
(4) - In O Alemquerense, nºs 277/78 de 23 e 30 de Junho de 1893, pág. 2.