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O TEMÍVEL CAP. LAURET E A SUA TROUPE
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Neste documento acima reproduzido, um ofício do Ministério do Reino ao Administrador do concelho de Alenquer, datado de 9 de Fevereiro de 1848, exige-se a bem da «(...) segurança pública do mesmo Concelho [que] sejam dali removidos [entenda-se, expulsos] o Major Cabral e o Capitão Lauret».
Não sei quem tenha sido o Major Cabral, mas, acerca do Capitão Lauret, havia já lido uma crónica no "O Alemquerense" assinada por "Um Velho", cronista de boa escrita e muito espírito que, como facilmente se depreende das suas publicações que tiveram lugar nesse jornal a partir do n.º 192 de 15 de Novembro de 1891, seria, efectivamente, um senhor de provecta idade, pois havia vivido todos esses tempos agitados que se seguiram à revolução liberal de 1820.
Não sabemos se o Capitão Lauret foi, ou não, expulso do concelho de Alenquer, como se exigia ao Administrador, mas lendo a crónica abaixo ficamos a saber um pouco mais acerca dessa interessante figura que agitou a vila de Alenquer (e não só!) em meados do século XIX.
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O capitão Lauret
«Em Maio de 1846 organizou-se
nesta vila uma força popular de cento e tantos homens que proclamou o governo
provisório da Junta do Porto, contra o detestado governo dos Cabrais.
Esta força dirigiu-se a Santarém,
apresentando-se à Junta governativa ali estabelecida, composta, além de outros,
de Passos Manuel, Lobo d’Ávila, e dr. Quelhas, a qual encarregou do comando
dela o capitão Lauret, encarregando o sr. Venâncio Carmo do pagamento do seu pré
ou sustento e nomeando administrador do concelho o farmacêutico Domingos
Afonso, pai do oficial da administração e curioso passarinheiro, sr. João
Afonso.
Chamava o capitão Lauret a esta
força minha troupe. Regressando a
esta vila o sr. Venâncio incumbiu à gorda padeira Maria Paula o fornecimento do
pão para a troupe.
Conduziu o capitão Lauret a troupe do seu comando a Torres Vedras,
Lourinhã, Peniche, Óbidos e outros sítios, fazendo proclamar o governo da
referida Junta do Porto.
Havia nesta troupe um coisa com uma
corneta que, não sabendo tocar, buzinava
sempre que entrava na vila. Ouvida a bulha da corneta corriam uns a tocar o
sino da câmara, outros os sinos das igrejas, em sinal de satisfação pela
chegada da marcial e aguerrida troupe, distinguindo-se o
sineiro da igreja de Triana, porque o bom do ver. Prior Matias, que era
considerado como afecto ao governo de Costa Cabral, recomendava ao sacristão
que tocasse muito para que o não arguíssem de desafeição.
Que cólicas teve por aquele tempo
o ver. Prior Matias! Não lhe era muito afeiçoado o administrador Domingos
Afonso, mas o ver. Prior, para captar a sua estima, presenteou-o com um bom
carneiro e um cântaro de azeite. É isto sabido pelo cirurgião Ramos que o faz
público pelos jornais e, Domingos Afonso, tem a ingenuidade de mandar o presente para a Irmandade da Misericórdia o
fazer vender em praça e arrecadar o produto na tesouraria, o que consta do
livro de actas daquele tempo!
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Caiu o ministério cabralino que
foi substituído pelo presidido por o Duque de Loulé que, em seguida, mandou
dissolver as forças populares, o que foi comunicado ao capitão Lauret e
recomendado ao sr. Venâncio a suspensão de qualquer abono, o qual por sua vez
avisou a padeira Maria Paula para não continuar o fornecimento do pão.
O capitão Lauret, olvidando
aquela comunicação, mandou dois janízeros
da sua troupe pedir pão à Maria
Paula; esta recusa a remessa. O capitão Lauret manda sair da forma em que
estavam, debaixo do telheiro que havia na praça, outros dois janízeros e diz:
- Vá você fuzilar já Maria Paula.
E eles lá vão para cumprir a
ordem, mas quando chegam à esquina do muro, ao fim da praça, diz o capitão
Lauret:
- Oh não, vem cá, não fuzila vossemecê Maria Paula.
E assim escapou a gorda Maria
Paula duma morte certa, dissolvendo-se a força popular por falta de pão, sem
que o incidente se tornasse desagradável.
O capitão Lauret teve a sua
residência no lugar da Espiçandeira onde nasceu seu filho, o bem conhecido
professor de ginástica e esgrima sr. Paulo Lauret, e tinha diferentes criados
ao seu serviço, mas logo que os ajustava dizia-lhes:
- Tu, em eu chamando por João, vem logo. E assim procedia com todos
os demais que assoldava, quer se chamassem Manuel, Pedro ou Joaquim.
Perguntando pela razão desta
singularidade respondeu:
- Eu quer que todos seja João, porque se eu chama por Manuel, Pedro ou
Joaquim e não está o que eu chama, outro não responde; e assim chama por João,
vem todos e eu é servido.»..