22 agosto, 2011

25 ANOS SEM O'NEILL

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Alexandre Manuel Vahia de Castro O'Neill - Lisboa,  19/12/1924 - Lisboa, 21/8/1986
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PORTUGAL ESTÁ TODO SURREALISTA, SABES?
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Como é possível? 25 anos? 25 anos sem O'Neill e sua falta de disposição para a boa disposição, sem o verso que corroía a hipocrisia nacional? Sem a faca versejante apontada ao nacional porreirismo? Sem esse olhar atravessando as lentes grossas com que via o País indecoroso que somos? Sem o verso que tanto rimava como desprezava a rima que rima mas não acerta? Sem essa lucidez de ver para além da cortina envolvente de todos os «inhos» nacionais?
Lembrando O'Neil, esqueçamo-nos de «seguir o Cherne» (porque dele já só restam as espinhas...), para ficarmos com este «Portugal, remorso de todos nós», cada vez mais questão que todos temos por resolver:
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 Portugal


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Ó Portugal, se fosses só três sílabas,
linda vista para o mar,
Minho verde, Algarve de cal,
jerico rapando o espinhaço da terra,
surdo e miudinho,
moinho a braços com um vento
testarudo, mas embolado e, afinal, amigo,
se fosses só o sal, o sol, o sul,
o ladino pardal,
o manso boi coloquial,
a rechinante sardinha,
a desancada varina,
o plumitivo ladrilhado de lindos adjectivos,
a muda queixa amendoada
duns olhos pestanítidos,
se fosses só a cegarrega do estio, dos estilos,
o ferrugento cão asmático das praias,
o grilo engaiolado, a grila no lábio,
o calendário na parede, o emblema na lapela,
ó Portugal, se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
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Doceiras de Amarante, barristas de Barcelos,
rendeiras de Viana, toureiros da Golegã,
não há papo-de-anjo que seja o meu derriço,
galo que cante a cores na minha prateleira,
alvura arrendada para ó meu devaneio,
bandarilha que possa enfeitar-me o cachaço.
Portugal: questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe até ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim engraxado,
feira cabisbaixa,
meu remorso,
meu remorso de todos nós...