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O VÓMITO FEITO REPORTAGEM
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Melhor fora tê-la mandado a outra parte... mas foi à «nova Rússia» que a mandou. Porquê? Porque ela já foi comunista e agora odeia o comunismo (o seu passado de comunista deve dar-lhe noites de pesadelo). Ora eu também já o fui e agora não o sou, e, para que não subsistam dúvidas sobre quem aqui escreve, devo dizer que, no confronto com a realidade e com a experiência, concreta, de construção do «Homem novo», em mim prevaleceu o pensamento de Mário Soares em detrimento do de Álvaro Cunhal, o que não fez de mim um anti-comunista, nem tão pouco um homem arrependido do seu passado. Mas Zita... Ah, Zita, essa «czarina vermelha», é um caso... digno de ter pena. Vejamos, pois, o que Zita conta e o que eu vi e ouvi na Rússia, no ano passado, quando fiz precisamente o mesmo circuito que ela agora fez (1100 quilómetros e não 70 como está na legenda da fotografia da p. 26):
- Zita fala-nos, com alguma simpatia, do «czar Boris [Ieltsin] (...) que tentou tirar a Rússia do atraso imenso». Tanto quanto me apercebi, Ieltsin é a figura política mais menosprezada, gozada até, na Rússia actual, que só o evoca para lembrar as suas monumentais bebedeiras.
- Refere Zita: «(...) toda a gente, todos os guias, em todas as conferências, chama a coisa pelo nome e diz sempre, referindo-se aos 70 anos de comunismo: "o tempo do terror soviético". Como ela também o disse, todos se referem ao período comunista (mesmo à época de Estaline) com «inteira naturalidade» evocando o que de bom e mau ela teve, quanto ao resto, népia! Um, o guia que tive em Moscovo, era um ferrenho comunista, o outro, o que nos acompanhou durante o resto da viagem e em S. Petersburgo, culto e educado, nunca usou as expressões que ela diz serem comuns a todos os guias. Em lado algum ouvi essa expressão, embora admita que as pessoas, intimamente, possam ter sobre esse período as mais variadas opiniões.
- Refere Zita os canais e as «dezenas de eclusas». São dezassete, ao todo, o que é obra, mas fica longe das «dezenas». Mas, o saber contar (pelos dedos?) de Zita será o menos... Diz ela sobre S. Petersburgo que, na cidade, «do comunismo ficou-nos apenas um triste museu da História Política da Rússia (...). Mas, será possível que Zita não tenha visto, ancorado num dos canais e regurgitando de turistas, o cruzador «Aurora» ele próprio um dos mais importantes museus da Revolução de Outubro? Não andei a contar museus porque sofri uma overdose de igrejas, é verdade, mas... esse entrava pelos olhos dentro! Menos pelos de Zita, já se vê...
- Se a geografia e a matemática são uma trapalhada para Zita, a História, então, tem que se lhe diga. Refere a senhora:«(...) pelo rio Neva inicia-se o cruzeiro pelos 70 km a que os russos chamam "caminho da vida", porque durante a II Guerra Mundial(...). Errado...! A «estrada da vida», com que se abasteceu a cidade e as tropas, quando da II Guerra Mundial e do cerco Leninegrado, passava pelo Lago Ladoga (foi aberta uma estrada com 400 km a norte de Tckevin que ligava a este) e não pelo rio Neva.
- Zita não viu «foices e martelos». Ou não quis ver? Escreve ela que «ao longo de todo o percurso (...) encontrei uma foice e martelo» numa das eclusas. Lamento contrariar e, por todas, aqui fica o edifício sede do poder local de Yeroslav, uma praça onde se situa a catedral dessa cidade e que todos os turistas que fazem esse circuito visitam:
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Não esperava nem encontrei «foices e martelos» no mosteiro de Goritz nem nas construções de madeira de Kizji, mas, onde era lógico encontrar, como vestígio de uma época histórica elas lá estavam, por exemplo:
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Em S. Petersburgo - estátua de Lénin e «foice e martelo» na frontaria do edifício
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-Em Moscovo - No conjunto exposicional das Realizações Económicas da URSS - Conjunto notável, verdadeiro e gigantesco museu da época soviética - «foices e martelos» por todo o lado.
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Moscovo - Numa das estações de metro, mas estava também em muitas outras.
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Foram tantos os símbolos do antigo poder que a minha objectiva fixou, sem que houvesse da minha parte qualquer preocupação específica em os procurar... mas Zita, notável especialista em arte, encontrou em Moscovo um edifício neo-manuelino. Boa, vejam-no acima, mas sempre lhes digo que, do mesmo modo que uma andorinha não faz a Primavera, também umas conchas não fazem o manuelino, ou, mais propriamente, o gótico-tardio.
Resumindo porque o «papagaio já vai alto». As «foices e martelos» não significam nada para a Rússia de hoje, mas são parte da sua história e, por isso, por lá ficaram, lá estão. Esses e outros, como as «estrelas vermelhas», os monumentos à «grande guerra pátria», mesmo que isso desagrade a Zita que andou na Rússia`«à conversa» com padres católicos, facção religiosa que nada conta para os russos.
O que hoje preocupa os russos, isso sim, e foi várias vezes expressamente referido pelos guias, são as «máfias» instaladas, esses milionários vindos do nada que sugam a sua economia e que, preocupação ainda maior, deram à luz descendentes que vivem no luxo e na opulência, não estudam nem trabalham, nem tão pouco evidenciam competências para virem, um dia, a gerir as enormes fortunas dos papás. Quanto ao resto, é um País que se ocidentaliza, que se moderniza, que cresce, que adquiriu novos hábitos de consumo e vê o comunismo como uma página da história que foi voltada.
Nota: Não deixa de ser preocupante ler um artigo destes, numa revista respeitável, de um jornal respeitável. Preocupante, não em termos ideológicos. Preocupante pelo modo como a verdade é tratada, nas pequenas e grandes coisas, como atrás o demonstramos, não exaustivamente, porque um post de um blog tem limitações. Isto é o que resulta daquilo que conhecemos. Que patranhas nos venderão, a par e passo, sobre o que não conhecemos?