29 setembro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA

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A CARBONÁRIA ALENQUERENSE EM VÉSPERAS DA REVOLUÇÃO REPUBLICANA
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Falar da Maçonaria alenquerense (ou do pouco que dela se sabe) levar-nos-ia ao século XVIII, mas, para o que agora nos interessa, referiremos que em 1909 nasceu em Alenquer a loja Damião de Goes sob a direcção de João de Avellar. De acordo com revelações do próprio, nela reuniam «tantos e tão insignes cidadãos que em Alenquer desempenhavam os mais altos cargos públicos e sociais que neste Grémio me rodeavam na tarefa de proteger a Humanidade fraternalmente». Dos nomes desses alenquerenses, só se tornou conhecido o de Fernando Campeão dos Santos.
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Ao centro João Carlos Sant'Ana. À sua esquerda Gregório Rosa e à direita Isidoro Castro Guerra, ambos fervorosos republicanos.
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É de crer que foi desta loja maçónica que saíram para a Carbonária local muitos dos seus membros. Segundo um relato de João Carlos Sant'Ana publicado no Jornal d'Alenquer, n.º 1 de 5/10/1913, também estes se prepararam para a grande revolução que iria acontecer:
«Eram dez horas da noite do dia 26 de Setembro de 1910. Em uma casa desabitada pertencente a Artur Ferreira da Silva (Ségeiro) reuniam-se seis indivíduos. Quando ali entrei encontrei-os cheios de ardente fé na próxima proclamação da República prontos a sacrificarem a própria vida para fazer triunfar esse Ideal há tanto desejado (...). Joaquim Barral, um dos mais fogosos e exaltados queria a Revolução naquela mesma noite.
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Artur Ferreira da Silva «Ségeiro»
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Confesso que tendo ali entrado com certo receio inexplicável, a breve trecho me senti tomado pelo entusiasmo dos meus companheiros. Então, Roque Miranda que presidia à reunião como delegado do comité revolucionário e representante da Alta Venda, iniciou-nos na Carbonária, pondo-nos ao facto do que projectava fazer-se e dando-nos instruções. Artur Gonçalves, sempre metódico e previdente, ia redigindo e coordenando os termos de juramento solene que todos, sem a mais leve hesitação, assinámos. Roque Miranda prometeu então telegrafar-nos em cifra, prevenindo-nos do dia em que sairia a Revolução e enviar novo telegrama no próprio momento em que ela estalasse. Esses telegramas nunca chegaram porque o primeiro cuidado dos revolucionários de Lisboa foi apoderarem-se do telégrafo».

João Carlos Sant'Ana dá-nos ainda a conhecer: «Conforme ficara combinado fui organizando a minha «Choça» a que ficaram pertencendo Joaquim Galvão, Januário Bento Pereira e José Fevereiro, conservando ainda em meu poder o juramento assinado por eles».

19 setembro, 2010

NO CENTENÁRIO DA REPÚBLICA


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LUZ DE ALMEIDA - O ALENQUERENSE QUE ARMOU A REPÚBLICA
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Artur Augusto Duarte da Luz de Almeida, nasceu em Alenquer no dia 25 de Março de 1867. Seu pai era nesta vila regente escolar e por cá haveria de permanecer por mais seis anos, retirando-se então para Lisboa, cidade onde Luz de Almeida fez o Curso dos Liceus e onde completou, com distinção, o Curso Superior de Letras.
Foi ainda na Universidade que Luz de Almeida aderiu ao ideário republicano, vindo a presidir à Junta Revolucionária Académica, tida como a Maçonaria académica e percursora da Carbonária. Completado o curso superior, foi colocado na Biblioteca Municipal da Rua do Saco, como ajudante do conservador da mesma, aí exercendo a profissão de bibliotecário e arquivista.
Data desse tempo o "retrato" que dele nos deixou Rocha Martins: «Aí por 1896 era já conservador da Biblioteca Municipal da Rua do Saco o republicano Feio Terenas. O ajudante era um rapaz magro, baixo, pálido, de poucas falas, sem gestos, sem vivacidade, sempre vestido de negro e com uma grande gravata Lavalliére pendente sobre o colete. A casa era um rectângulo vasto de prateleiras enfileiradas, atulhadas de grandes livros que se iam buscar para os domicílios; ao lado ficava a sala de leitura e, no canto da janela que deitava para o largo, tristonho, por detrás de um store corrido, o ajudante passava os dias lendo, muito compenetrado, com o seu eterno ar sereno, os olhos tão negros como o fato ao erguerem-se, com ar resignado, quando o vinham interromper. Chamava-se Luz de Almeida. (...) Nós não podíamos imaginar que em plena Lisboa, ali, no fundo daquela biblioteca, na pessoa tristonha daquele rapaz melancólico estava um organizador...».
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Luz de Almeida, o segundo a contar da esquerda
A sua iniciação na Maçonaria deu-se em 1897 na loja Luís de Camões do Grande Oriente de Portugal, dissidência minoritária (1891-1909) do Grande Oriente Lusitano Unido, e, em 1900, foi fundador e Venerável da loja Montanha.
Com Machado Santos, futuro herói da Rotunda, representante da Alta Venda e António Maria da Silva, representante da Venda Jovem Portugal, Luz de Almeida assume em 1908 o directório da Alta Venda Carbonária com o grau de Grão-Mestre.
Para melhor entendimento de toda a questão muito haveria a dizer sobre as Carbonárias ( houve mais do que uma, sendo a mais radical a anarquista e o aparecimento destas sociedades em Portugal remonta aos anos vinte do século XIX ) mas o espaço obriga-nos a ser breves. Digamos então que esta Carbonária de que Luz de Almeida foi Grão-Mestre organizou-se pelos anos noventa e haveria de tornar-se decisiva para a implantação da República, já que armaria um exército civil de cerca de 50.000 revolucionários e haveria de exercer acção preponderante na doutrinação e sublevação dos militares.
A esse propósito refira-se o pequeno folheto escrito por Luz de Almeida e intitulado A Cartilha do Cidadão - Diálogo entre o Médico Militar Dr. Ribeiro e o João Magala o qual alcançaria enorme sucesso entre soldados, cabos e sargentos, conhecendo por isso três edições.
Em 1909, na sequência do que ficaria conhecido como o Crime de Cascais, um ajuste de contas no seio da Carbonária que vitimaria na Boca do Inferno um certo Manuel Nunes Pedro, tendo a polícia desencadeado uma enorme acção repressiva sobre esta sociedade secreta(1), Luz de Almeida vê-se obrigado a deixar o País exilando-se em Paris sofrendo, com isso, «o maior desgosto da sua vida, o não assistir à última etapa da sua acção revolucionária».
(1) - Na sua obra A Carbonária em Portugal - 1897-110 o Prof. Dr. António Ventura relaciona 150 (!) nomes de implicados pela polícia neste caso, sobre o qual António Maria da Silva afirmaria nada ter Luz de Almeida a ver com ele, desconhecendo-o, até.
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Implantada a República, Luz de Almeida viria a ser eleito deputado às constituintes, cargo que não viria a exercer por ter tido que se deslocar para o Norte onde conduziria os grupos carbonários que lutaram contra a primeira incursão monárquica. Mais tarde e por diversas vezes viria a ser novamente eleito deputado e exerceu o cargo de Inspector das Bibliotecas Populares e Móveis publicando, nesse âmbito, em 1918, Bibliotecas Populares e Móveis em Portugal, Relatório. Em 1932, Luz de Almeida colabora com o historiador Luís de Montalvor na História do Regime Republicano em Portugal, a ele se ficando a dever o Capítulo "A obra revolucionária de propaganda: as sociedades secretas" considerado incontornável para o conhecimento histórico da Carbonária. Luz de Almeida faleceu em Lisboa no dia 4 de Março 1939.

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Luz de Almeida, um filho de Alenquer que Alenquer desconhece ou ignora. Por cobardia política? Por uma interpretação pacóvia da História? Por subordinação tacanha ao famigerado conceito do «politicamente correcto»? Por temor beato e obscuro às sociedades secretas ( Maçonaria e Carbonária) por onde passou todo um exército dos melhores filhos da Pátria, bispos e padres incluídos? Nem sequer lembrado no Centenário da República...?