22 fevereiro, 2010

PORTUGAL DE LUTO

.
.
A "tempestade do século" abateu-se sobre a linda ilha da Madeira levando vidas e fazendo incontáveis estragos. Nesta hora em que «ainda se conta os mortos» o nosso pensamento está lá, junto dos que lutam contra a adversidade.
Ao ver as imagens terríveis do quanto pode a Natureza em fúria, não posso deixar de pensar na minha última estadia nessa «pérola do Atlântico», particularmente no Museu da Electricidade ( numa zona muito atingida... ) onde tive o privilégio de assistir a um concerto dado pela Orquestra de Bandolins da Madeira. Noite agradável de Verão... Não muito longe dali, na Praça do Município, onde não cabia a «cabeça de um alfinete», Marisa dava um concerto. Mas no bonito e interessante Museu da Electricidade, uma audiência 90% jovem, esgotava por completo a enorme sala para ouvir os bandolins! Perante essa prova de amor pela cultura, saí de lá admirando ainda mais esse povo ilhéu, fortalecido na luta contra os elementos.
Na Madeira existe uma consciência muito esclarecida quanto ao que vale o Turismo para o arquipélago. Por isso, palavras sábias as do Presidente do seu Governo Regional, alertando para os perigos de uma demasiada dramatização ( ele, todos nós, conhecemos bem esses telejornais «pastilha elástica» mastigada por fartas audiências ), palavras essas que não deixaram de nos lembrar a insensatez de outras dramatizações que, ultimamente, têm vitimado o governo da República ( e a todos nós! ).
Com a ajuda dos portugueses e da Comunidade Europeia a que ( felizmente! ) pertencemos, a Madeira voltará a ser aquilo que era: um paraíso turístico de que todos nos orgulhamos, uma terra boa para viver. Resta inclinarmo-nos perante a memória daqueles que nos deixaram em condições tão dramáticas.

18 fevereiro, 2010

História Local - Para a História da Música no Concelho...

.
A BANDA DO CAMARNAL E A SUA JAZZ-BAND
.

Situada a poucos quilómetros da vila de Alenquer, freguesia de Triana, a muito antiga povoação do Camarnal é uma terra com largas tradições musicais.
.


.

Esta fotografia, tirada no dia 27 de Abril de 1930, dia em que os músicos da Sociedade Filarmónica União Camarnalense estrearam os seus fardamentos, mostra-nos a Banda posando para a fotografia na escadaria da capela local. Ao centro, o seu regente Luís Ferreira.

Não sabemos a data em que esta Sociedade nasceu ( assim como a do nascimento da sua Banda ), mas, atendendo a que foi esta a da estreia dos seus fardamentos, acreditamos que teria sido por aí, por 1930. Esta Banda teve, pois, curta existência, pois teria desaparecido cerca de seis anos depois.

Sabia da existência desta filarmónica por uma engraçada história que dela se conta. Quando de uma visita do Presidente Carmona a Alenquer algures nos anos trinta, este teve a recebê-lo à entrada da vila ( em Santa Catarina ou no troço inicial da Variante ) as forças vivas da terra, cabendo à Banda do Camarnal executar uma marcha de boas vindas.

Este facto encheu de orgulho os executantes da Banda e, um deles, quando lhe perguntavam como tinha decorrido a cerimónia costumava contar: - O meu trombone dizia «Como está senhor Presidente?» e o bombo insistia «Tá bum? Tá bum?». Então não é que a requinta do meu sobrinho até parecia dizer «Estou bem, muito obrigado!».

Claro está que isto contado com o acompanhamento sonoro a preceito arrancava saborosas gargalhadas aos ouvintes e passou a fazer parte do historial jocoso da vila. Daí o meu desejo em conhecer, por fotografia, já se vê, a quase mítica Banda do Camarnal. Graças ao meu amigo João Luís Correia, que localmente encetou uma busca, lá logrei alcançar esse desejo.

Pouco depois de Banda ter desaparecido, em 1937, por iniciativa de um músico alenquerense, o maestro Sena Pinheiro, surgiu no Camarnal uma nova formação musical: A «Jazz-Banda do Camarnal». Dela fizeram parte alguns músicos da Banda e os seus instrumentos.

.

.

Esta também não duraria muitos anos, mas a tradição musical nesta progressiva povoação do concelho de Alenquer manteve-se ao longo dos tempos. Desapareceram as suas formações musicais, mas continuaram a nascer os músicos e, ainda hoje, são muitos e bons aqueles que vestem a farda da Sociedade União Musical Alenquerense e não só, pois já houve quem tivesse alcançado o profissionalismo.

********

Inspirado no episódio que se relata sobre a Banda do Camarnal, quando da visita do Presidente Carmona a Alenquer, o "Grupo de Cantares da «Vida Activa» - Alenquer" prepara a introdução no seu repertório do seguinte número que terá a letra que se segue e música do cancioneiro alentejano conhecida como «Senhora Cegonha»:

SAUDAÇÃO AO SENHOR PRESIDENTE

Senhor presidente, como tem passado?
Não há quem o veja
No adro da igreja
A fumar o seu cigarro.


Como está senhor presidente,
Como está, como tem passado, .. ( Mulheres )
Tá bum, tá bum, tá bum ...............( Bombos e Homens)
Passo alegre e contente
Estou bem, muito obrigado.............( Homens ) .... Estribilho
Tá bum, tá bum, tá bum .................( Bombos e Todos )

Senhor presidente, veja lá o caminho
A escola está fechada,
A estrada esburacada,
Já se ouve um burburinho.

Estribilho

Senhor presidente, ponha olhos ponha,
Nesta freguesia tão linda
P’ra que seja bem-vinda
A sua carantonha.

******

Este número pretende ser, ainda, uma homenagem a uma das figuras mais simpáticas do nosso ordenamento político, o Presidente da Junta, aquele que por estar mais perto das populações a tudo tem que dar resposta.













17 fevereiro, 2010

História Local - Um Discurso

.
.
Discurso do Deputado liberal alenquerense, pela Província da Estremadura,


Bento Pereira do Carmo
Câmara dos Deputados - 6 de Março de 1827
.
No dia 6 de Março de 1827, o alenquerense Pereira do Carmo, eleito deputado pela Província da Estremadura, apresentou em S. Bento, à Câmara dos Deputados, uma proposta visando homenagear o Rei D. Pedro IV, pela outorga da Carta Constitucional, com um monumento.
Mas, como explicou, não um tradicional monumento, mas sim uma singela placa numa importante obra pública a levar a cabo, porventura no projectado canal que ligaria o rio Tejo ao rio Sado. Por esses anos, quando a nossa modesta «revolução industrial» ensaiava os primeiros passos, muito se falou em melhorar as comunicações do Reino para à semelhança do que havia acontecido em Inglaterra e estava a acontecer em França, levar a produção das fábricas aos mercados. Projectaram-se, então, entre outras obras, alguns canais fluviais, os quais nunca passaram do papel. Essa circunstância remete-me frequentemente para as actuais discussões à volta do TGV e do Aeroporto... até ver.
Mas, fiquemo-nos por mais este interessante discurso do nosso conterrâneo Bento Pereira do Carmo, lutador pela Liberdade, ilustre político e brilhante parlamentar:


«« o »»


« O nobre sentimento de gratidão ( a gratidão estreme sem mistura de quaisquer outras maquinações ) levou-me a propor à Câmara que decretasse um Monumento Nacional ao Restaurador das Liberdades Públicas, o senhor D. Pedro IV. Alguns dos homens de Estado que nos governaram nos últimos seis meses do ano de 1823, não podendo atinar com a verdadeira causa das transformações políticas por que a Nação passara nos anos anteriores, recorreram aos Cavaleiros do Diabo, aos Pedreiros Livres, aos Carbonários e às Sociedades Secretas, para explicarem aquele fenómeno para eles tão singular; e fazendo a todos os portugueses a injustiça de os reputarem estúpidos, e crianças, não tiveram pejo de lhes meter medo com este Papão.
A duas mil léguas léguas de distância da sua antiga Pátria o senhor D. Pedro IV, sobranceiro a todas as preocupações da velha Europa e respirando um ar desinfectado dos miasmas pútridos da Ignorância, do Fanatismo, da Hipocrisia e da Escravidão, reconheceu logo que a verdadeira causa das nossas motivações era a necessidade do século XIX, quero dizer, a necessidade da Liberdade Política ( apoiado, apoiado ); e, em vez de abafar este fogo, como fazem os Apostólicos correndo o risco de serem engolidos pela voragem revolucionária, se pôs ele mesmo à frente do movimento para o dirigir, como dirigiu, no sentido da Carta Constitucional, que tão generosamente nos outorgou.
Foi assim que o Senhor D. Pedro IV cumpriu no Rio de Janeiro a 29 de Abril de 1826 a Real Palavra, que debalde nos tinha dado em Vila Franca seu Augusto pai o senhor D. João VI, a 31 de Maio de 1823! Nesta Carta de Alforria, que assim lhe podemos chamar, ( apoiado, apoiado ) vem consagrado o princípio da igualdade de Direitos, sem ofensa da aristocracia legal; vêm declaradas as Garantias Individuais; concedida a Liberdade de Imprensa; a Representação Nacional; a Tribuna Pública; e o processo por Jurados. E estes preciosos Dons, que outros Povos têm comprado à custa de longos anos de anarquia, de mortes, de horrores, não teriam custado uma só lágrima, uma só gota de sangue ao Povo Português, se um punhado de infames que pretendem consumir sem produzir, comer sem trabalhar, ocupar todos os empregos sem aptidão e alcançar todas as Honras sem merecimento, não tivessem arvorado o estandarte da revolta no País velho da fidelidade. Se quisermos agora avaliar a Carta, por comparação, lembremo-nos dos tenebrosos dias do mês de Abril (1) de de 1824, dias em que toda a putrefacção moral da Nação veio ao de cima!! ... Basta: o Amor da Pátria altamente reclama que se não renovem feridas já cicatrizadas. Seja-me, todavia, permitida uma breve digressão. Que desgraças se não poupariam à geração presente, e às gerações vindouras, se os Reis, devendo conhecer o poderio irresistível das ideias liberais, imitassem a sábia conduta do Senhor D. Pedro IV? Serão porventura tão cegos estes monarcas que não vejam que aos Povos, quando arrancam pela força as suas Instituições Políticas, nada os satisfaz, nunca cessam de pedir e sempre vivem descontentes? E que, ao contrário, quando os Soberanos lhes outorgam livremente essas instituições, as recebem como um Dom do Céu, consideram-se felizes e vivem tranquilos?
Voltando ao assunto. Mostrei os valiosos títulos do Senhor D. Pedro IV à Gratidão Nacional, mas porque maneira devemos exprimir essa gratidão? Eu propus, e a Comissão adoptou, a ideia de um Monumento. Em verdade, entre todos os Povos antigos, e modernos, e em todos os Países é prática recebida levantar Monumentos, conforme o Génio de cada século, às grandes acções, aos grandes homens, às grandes virtudes ( e não poucas vezes a grandes vícios ). Deste mesmo Lugar eu descubro um majestoso Monumento que a gratidão do Povo da Capital consagrou à memória do Senhor D. José I. Mas quem pode comparar o Senhor D. José I ressuscitando Lisboa de entre as ruínas em que foi sepultada pelo terramoto físico de 1755, com o Senhor D. Pedro IV, restituindo generosamente à Nação as Públicas Liberdades enterradas por sucessivos terramotos políticos em tantos séculos? Adoptada, pois, a ideia do Monumento, restava definir qual ele fosse. A Comissão, e eu com ela, afastando para longe esses soberbos Monumentos, mais aparatosos que úteis, argamassados com o sangue e o suor de Povos escravos, assentámos que o nosso devia ser digno da grande Causa e do grande Príncipe a que era dedicado, e que só preencheria este fim se reunisse em si as recordações históricas e a pública utilidade.
Tal é o fundamento por que a Comissão propôs que a primeira grande Obra Pública fosse consagrada ao Magnânimo Rei e Senhor D. Pedro IV. Ainda se adiantou mais, a Comissão indicou que esta Obra poderia ser um grande Canal que comunicasse o Sado com o Tejo, de que sem dúvida resultariam as mais subidas vantagens a esta grande Capital que é a Pátria comum de todos os Portugueses, e às duas Províncias do Sul do Reino. Tenho exposto com lealdade os meus motivos e os motivos da Comissão. A Câmara pegue neles e os julgue com a sua costumada sabedoria.
(1)- Revolta de D. Miguel conhecida por Abrilada, por instigação de sua mãe, a rainha D. Carlota Joaquina.
.
.
Este discurso foi proferido em 1827. A 22 de Fevereiro do ano seguinte D. Miguel usurpa o trono a D. Maria II a favor de quem D. Pedro IV havia abdicado e os acontecimentos que levariam o Reino a uma guerra civil precipitam-se. Com a chegada do infante D. Miguel a Lisboa, em 19 de Fevereiro de 1828, Bento Pereira do Carmo é logo preso. Conduzido ao Limoeiro foi daí transferido para S. Julião da Barra e nessa lúgubre prisão, onde tantos liberais perderam a vida, esteve encerrado até 24 de Julho de 1833.