29 janeiro, 2012

1212 - 2012 - VIII CENTENÁRIO DO PRIMEIRO FORAL DE ALENQUER

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- Ponte antiga do Largo do Espírito Santo e respectivo marco (1)
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O FORAL DE D. SANCHA - O DOCUMENTO
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Durante muito tempo, mais concretamente, até aos anos trinta do século passado, o documento original desta carta de foral era desconhecido. Todavia, o seu conteúdo não o era, pois dele conheciam-se duas transcrições em tudo coincidentes: Uma «nos Portugaliae Monumenta Historica (2) com a indicação de ter sido copiado da reprodução feita no livro 3.º da Chancelaria de D. Dinis» (3), outra, a cópia existente no «processo para o foral novo de Alenquer, dado por D. Manuel em 1530» (4).
As circunstâncias em que é encontrado o original deste documento são, no mínimo, interessantes. Eis o que sobre elas escreveu o Dr. Luciano Ribeiro, emérito estudioso do nosso passado histórico: «Por um feliz acaso, porém, o sr. Dr. Ataíde e Melo, ilustre conservador dos manuscritos da Biblioteca Nacional de Lisboa, encontrou, muito fragmentado, o exemplar desta espécie diplomática, infelizmente em muito mau estado visto que estava servindo de capa a um velho livro(5). É lamentável, porque os seus sete séculos de existência dão a esse enrugado pergaminho o direito à veneração de todos os que se interessam pela História da nossa terra».
Herculano, a quem a história do municipalismo muito deve, radica nos antigos municípios romanos a existência dos municípios portugueses, e, inspirado na obra de Savigny, intenta uma classificação destes últimos, nos séculos XII e XIII, em quatro categorias «conforme se aproximavam mais ou menos da estrutura dos municípios romanos» já que estes eram antepassados dos nossos(6).
Vem isto a propósito de uma perspectiva errónea que pretende ver nas cartas de foral documentos fundadores de uma identidade concelhia, o que de modo algum são, pois os concelhos já existiam há muito.
Também, é necessário que se diga, os forais não marcam momentos libertadores de qualquer jugo, poder ou tirania para essas populações há muito organizadas, antes pelo contrário, conforme o tempo e o espaço (em que o concelho se situa), trazem-lhes organização e impostos, coimas e um código ainda que rudimentar de justiça, isto no fundamental. Mas, obviamente, não deixam de ser documentos importantes por aquilo que representaram para as populações não raro sujeitas ao arbítrio dos senhores terra tenentes, não deixam de ser, também, como que uma carta de reconhecimento de um espaço com identidade territorial onde se encerra uma população agora mais protegida (e não raro mais onerada...), não deixam, ainda, de marcar um momento culminante na vida dessa comunidade confinada a esse território e que assim, gracionalmente, se manteve por séculos, até ao presente.
A carta de foral, que tanto podia ser outorgada pelo rei como por um senhor (no caso de Alenquer foi-o por uma rainha filha de rei), sempre teve adjacentes determinados fins. Muito sucintamente diremos que nas terras recém-conquistadas ou situadas em zonas fronteiriças, logo de difícil e perigosa vivência, os forais visaram criar condições para a fixação de populações tendo em vista um mais acelerado e eficaz povoamento do território, logo não eram tão exigentes na cobrança de impostos. Mais tarde, com D. Dinis no trono, os forais ganham uma expressão diferente, mais rigorosa, passando a serem mais exigentes nas prestações pecuniárias e nas coimas previstas, isto porque, finalmente, havia um território nacional definido nos seus limites e o rei deixava de ser um conquistador para passar a ser um administrador.
Os primeiros forais que contemplaram municípios portugueses foram outorgados, ainda, durante o governo do Conde D. Henrique: Treixedo (1102), Tentúgal (1108), Sátão (1111), Coimbra (1111), etc.. Depois, encontramos os que foram outorgados durante o governo de D. Teresa: Arganil (1114), S. Martinho de Mouros (1121), Viseu (1123), Ferreira de Aves (1123-6) ou Sernancelhe (1124). Se remontarmos a este período anterior à nacionalidade e à região de Entre Douro e Minho, a carta de foral mais antiga que encontraremos será a de Guimarães (1096) cujo original se perdeu e que foi confirmado por D. Afonso Henriques em 1128.
Ao ritmo da reconquista outros municípios viriam a ser contemplados com a sua carta de foral. Um dos trabalhos dos nossos historiadores dedicados ao tema do municipalismo, tem sido o de agrupar, segundo as afinidades (ou mesmo identidade) do seu texto, os forais por «famílias».
Segundo essa metodologia a carta de Alenquer remete-nos para «1179» (reinado de Afonso Henriques), data em que foi outorgada a Coimbra, Santarém e Lisboa «uma carta de foro com idêntica redacção,  que iria servir de modelo a várias outras concedidas a povoações situadas principalmente na actual província da Estremadura, no sudeste alentejano e no Algarve(7).
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  Fig.2 - Forais do modelo de Santarém, Coimbra e Lisboa(8).
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O que acabámos de referir, levou a que, muitas vezes previsões ou cominações adoptadas ou copiadas de um foral já existente, não façam qualquer sentido para o concelho que as viria a receber em carta. De igual modo, muitas disposições repetem-se de foral em foral, sendo poucas as que especificamente dizem respeito a este ou aquele concelho, fazendo com que aquilo que pensamos ser uma originalidade local ao tempo, não seja mais do que o que foi transcrito da carta que serviu de modelo.

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(1) - Fotografia da colecção Graciano Troni publicada em Alenquer Desaparecida de Filipe Soares Rogeiro, Arruda Editora, 2002. A ponte, hoje já não existe porque foi demolida nos anos quarenta do século passado. Foi mandada construir pelo nosso rei D. Sebastião e o marco é original da época. Este último encontra-se actualamente no Parque Vaz Monteiro servindo de elemento decorativo e desfazendo-se (literalmente) sob o efeito dos elementos. É nossa opinião, já aqui manifestada, que deveria ser daí retirado e guardado em museu, garantindo-se assim a sua integridade.
(2) - Reúne documentos valiosos dispersos pelos mais diversos cartórios do País e ficou a dever-se ao labor de Alexandre Herculano que, entre 1854/54, levou a cabo este projecto a pedido da Academia de Ciências. Nessa obra, Leges et Consuetudines, estão publicados muitos forais transcritos por Herculano, o de Alenquer na Pág. 559.
(3) - In Ribeiro, Luciano, Alenquer: Subsídios para a sua História, Lisboa[s.n.]1936 (Alenquer:-Câmara Municipal).
(4) - Idem.
(5) - Era muito frequente aproveitar velhos pergaminhos para capear outras obras. Assim, no verso dessas capas em pergaminho se têm encontrado muitos e interessantes documentos.
(6) - In Reis, António Matos, Origens dos Municípios Portugueses, Livros Horizonte, Lisboa, 2002, pág. 18. - Segundo Herculano, Alenquer, tal como Coimbra (1179) Lisboa, Santarém, Leiria, Torres Vedras, Vila Viçosa, Beja, Monsaraz e Montemor-o-Velho, faria parte do segundo grupo que inclui os concelhos do "tipo que se pode considerar nacional".
(7) - Idem
(8) - Idem..
 

01 janeiro, 2012

1212 - 2012 - VIII CENTENÁRIO DO PRIMEIRO FORAL DE ALENQUER

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A Carta de Foral outorgada por D. Sancha em 1212
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«Em nome do Padre, Filho, e Espirito Santo, Amen. Saibam todos que eu rainha(1) D. Sancha, filha de d'el rei D. Sancho(2), que foi filho de Affonso I, rei de Portugal, pela graça Deus, senhora do castello chamado Alemquer(3), de minha espontanea vontade, bom animo e intimo amor do coração, dou e concedo ao sobredito castello e a todos os seus habitantes tanto presentes como futuros, bom foral, segundo o qual me serão pagos a mim e aos meus successores, por vós e vossos successores, os direitos reaes abaixo designados.
Dou-vos portanto como fôro que aquelle que voluntariamente, perante os homens-bons e com a mão armada devassar a casa alheia, pagará 500 soldos(4), e isso sem vozeiro(5). E se o devassador for morto dentro de casa, pagará ou quem o matar, ou o dono da casa, um maravedi(6); e se for unicamente ferido, pagará por isso meio maravedi. Pela mesma forma por homicidio e rapto feito publicamente, se pagará 500 soldos. Também quem ferir com pedras, sendo o delicto provado pelo testemunho dos homens-bons pagará 500 soldos. Por metter porcaria na bocca(7) de alguem, se pagará 60 soldos, havendo testemunho dos homens-bons. Furto provado pelo testemunho dos homens-bons, será restituido nove vezes no seu valor.
Quem quebrar o relego do vinho(8), e o seu vinho vender no relego, e for condennado pelo testemunho de homens-bons, pagará a primeira vez 5 soldos, e a segunda vez 5 soldos, mas se ainda terceira vez for encontrado, havendo testemunho de homens-bons, o vinho será todo entornado e os arcos das cubas serão cortados. Do vinho vindo de fóra darão de cada carga um almude e o resto será vendido nos relegos. 
Ácerca das jugadas(9) determino, que até ao Natal do Senhor serão cobradas; e de cada junta de bois se dará um modio(10) de milho ou trigo, conforme semear; e se semear de ambos os cereaes, pagará d'um e d'outro pelo alqueire aforado da villa. E o quarteiro(11) será de 14 alqueires e medidos sem braço curvado ou razoura. O cavador se semear trigo dará uma teiga(12) e se semear milho o mesmo. E de geira de bois um quarteiro de trigo ou milho, segundo semear. E o parceiro de cavalleiro(13) que não tiver bois, não dará jugada.
E os habitantes de Alenquer poderão ter livremente lojas e fornos de pão e de louça; e dos fornos de telha darão décima.
Quem matar um homem fóra do couto pagará 60 soldos, e quem ferir um homem fóra do couto pagará 30 soldos. Quem na estrada, com armas, ferir algum pagará metade do homicidio. Quem puchar por armas, ou as for buscar a casa por ira, se não ferir pagará 60 soldos.
E os homens de Alenquer tenham as suas herdades povoadas, e os habitantes d'ellas pagarão por homicidio, por rapto ou por mettter porcaria na bocca 60 soldos, sendo ametade para o mordomo da villa e ametade para o senhor da herdade; e irão ao appellido(14) segundo o costume de Lisboa. E os homens que habitarem herdades de Alenquer se fizerem furto e for restituido como acima fica dito, ametade será para o mordomo da villa e ametade para o senhor da herdade.
E a almotaceria pertencerá ao concelho(15); e o almotacé será mettido(16) pelo alcaide e conselho da villa. E darão de fôro, de cada vaca um dinheiro, e de veado um dinheiro, e de novilho um dinheiro, e de carga de besta de pescado um dinheiro, e de barco de pescado um dinheiro. E do julgado(17) o mesmo. E da alcavala(18) tres dinheiros. E de veado, de novilho, de vacca e de porco um dinheiro; e de carneiro um dinheiro. Os pescadores darão o décimo.
De cavallo, ou mula, ou macho, comprado ou vendido por homens de fóra, de dez maravedis para cima paguem um maravedi a mais; e de dez maravedis para baixo, paguem só mais meio maravedi. De egoa vendida ou comprada darão dois soldos, e do boi dois soldos  e de vacca um soldo, e do burro e burra um soldo. Do mouro e moura meio maravedi(19); do porco ou carneiro onze dinheiros. Do bode ou cabra um dinheiro.
De cada carga de azeite ou de pelles de boi, ou bezerro, ou veado, darão meio maravedi. De cada carga de cera darão meio maravedi. De cada carga de anil(20), ou de pannos, ou de pelles de coelhos, ou de pelles vermelhas ou brancas. ou de pimenta ou de grãos darão um maravedi. De bragal(21) dois dinheiros; de fatos de pelles tres dinheiros. De linho, ou de alhos, ou de cebolla, o décimo. De peixe de fóra, o décimo.
De gamellas, ou vasos de madeira, o décimo. De tudo isto que venderem homens de fóra, se houverem pago a portagem(22), e comprarem outros objectos, não pagarão portagem alguma.
De carga de pão ou sal, que venderem ou comprarem homens de fóra, e de cada besta cavalgar ou muar darão tres dinheiros; de cada besta asinina tres mealhas(23). Negociantes naturaes da villa, que quizerem dar soldada, receba-se-lhes; se a não quizerem dar, paguem portagem. Da carga de peixe que homens de fóra, levarem, darão seis dinheiros de portagem. Peões darão o oitavo do vinho e linho.
Os besteiros (24) tem o fôro de cavalleiros A mulher de cavalleiro que enviuvar conserva as honras de cavalleiro enquanto não torna a casar; se casr segunda vez com um peão, fará fôro de peão. O cavalleiro que envelhecer ou enfraquecer a ponto de não poder tomar armas, conserva os seus privilegios. Se alguma viuva de cavalleiro tiver um filho residente na sua casa, que possa fazer o serviço de cavalleiro, faça-o por sua mãe. O almocreve(25) que viver de almocreveria, pague o tributo uma vez por anno. Mas o cavalleiro que empregar o seu cavallo ou as suas bestas na alcreveria, não faça (ou pague) nenhum fôro como almocreve. O caçador de coelhos que for à soeira(26) e ah ficar, dará uma pelle de coelho; e quem ahi permanecer oito dias ou mais, dará um coelho com a sua pelle. E o caçador de coelhos, de fóra, dará o décimo todas as vezes que vier caçar.
Os moradores de Alemquer que colherem pão, vinho, figos, ou azeite em Santarém ou outra qualquer parte, e que o quizerem conduzir para Alemquer para gasto seu e não para tornar a vender, não darão portagem por isso.
Quem tiver uma rixa com qualquer e depois da rixa entra na casa d'elle e de caso pensado pegar n'um páo ou cajado e com elle o espancar, pagará 30 soldos. Se alguem de imprevisto e accidentalmente bater n'outro(27), nada pagará. Inimigos de fóra não entrarão na villa sobre o seu inimigo senão em caso de tregoas ou para alcançar justiça. Se qualquer cavallo matar alguem, o dono do cavallo dará o animal ou pagará o homicidio segundo escolher.
Os clerigos terão fôro de cavalleiros em tudo, e se forem encontrados com alguma mulher em coito, o mordomo não lhes tocará nem os prenderá de fórma alguma, poderá porém prender a mulher se assim lhe aprouver.(28)
Da madeira que vier pelo rio, de que até agora davam oitavo, darão o decimo. Da atallaia da vila(29) deve a rainha ter ametade e os cavalleiros a outra metade com os seus corpos. O cavalleiro de Alemquer a quem o rico homem(30) que em meu nome possuir terra, tiver admittido á cavallaria e tiver dado terras e bens, dos seus, eu o admittirei no numero dos meus cavalleiros. O mordomo ou sayão(31) não irão a casa de nenhum cavalleiro, sem levar consigo porteiro do pretor(32); e o rico homem que em meu nome possuir a villa, não poderá metter alcaide(33) algum que não seja de Alemquer. As casas que os meus nobres homens, ou freires, ou hospitalarios possuirem em Alenquer, ou mesmo mosteiros, erão fôro de cavalleiros.
O gado perdido que for trazido ao mordomo, elle o guardará até ao fim de trez meses, e em cada mez o fará apregoar para que se o dono vier o possa achar; se porém até ao fim dos trez meses o dono não apparecer, então o mordomo poderá dispor do gado como coisa sua.
Em cavalgada(34), o alcaide não tome nada à força, mas o que espontaneamente lhe quiserem dar. De cavalgada de 60 ou mais cavalleiros, pagarão a meias comigo. O ferreiro, ou sapateiro, ou pelleiro que possuirem casas em Alemquer e n'elas trabalham, não pagarão por ellas fôro algum. Quem tiver officiais de ferreiro, ou sapateiros, mouros, trabalhando em sua casa, não dê fôro por elles. Mas os officiaes de ferreiro ou sapateiro que vivem dos seus officios e não possuirem casas, venham para as minhas lojas e façam-se mmeus foreiros.
Quem vender comprar cavallo ou mouro fóra de Alemquer, aonde comprar ou vender ahi dará portagem. Os peões que houverem de hypothecar os seus haveres, dêem décima d'elles ao mordomo, e o mordomo assegrar-lhes-ha a troco da décima o seu direito; se porém recusar fazel-o, fal-o-ha o pretor pelo seu porteiro.
Os moradores de Alemquer não darão luctuosa(35). Os adais(36) de Alemquer não dêem o quinto do quinhão dos seus corpos. Soldados de Alemquer não tenham zaga(37) no exercito. Os padeiros darão de fôro de cada 30 pães um. As portagens e foros e quinto dos sarracenos(38) e outros ficarão segundo o costume actual, salvo os que estão acima exarados ou que eu vos cedo. De alcaidaria(39) de cada besta que vier de fóra com peixe darão dois dinheiros e de cada barco de peixe miudo onze dinheiros, e de todo o outro peixe miudo onze dinheiros, e de todo o outro peixe darão seu fôro.
Quanto aos navios mando que o alcaide(40), dois remeiros, dois arraes e um calafate, tenham fôro de cavalleiros.  Isto tudo que está escripto vos dou e concedo por fôro; e para tudo irá o mordomo com o testemunho dos homens-bons e não de outros. Os cavalleiros de Alemquer testemunharão com os infanções(41) de Portugal.
Todo aquelle que observar este Fôro seja abençoado de Deus e de mim; quem porém o quizer infringir terá a maldição de Deus e de mim; quem porém o quizer infringir terá a maldição de Deus e a minha. Esta carta foi feita no último dia de Maio de MCCL(42); eu supra nomeada rainha D. Sancha que esta carta mandei passar reborei-a em Monte maior perante as testemunhas idoneas que assignam  e presentes foram.
- D. Gonçalo Mendes, filho do conde D. Mendo.
- Gomes Viegas, filho de Egas Viegas.
- Lourenço Egas, filho de Egas Henriques.
- Martim Gonçalves, filho de Gonçalo o Sarraceno.
- D. Egídio, filho de Rodrigo Fernandes de Lisboa.
- Gonçalo Peres, filho de Pero Gonçalves de Pavia.
- D. André, porteiro da Rainha.
- Fernando Gonçalves, escrivão da rainha, testemunhas.
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(1) - «rainha» - As filhas legítimas de rei tinham, então, direito ao título de rainhas. É esso o caso da princesa D. Sancha filha legítima do rei D. Sancho I.
(2) - «rei D. Sancho» - D. Sancho I (1154-1211), filho de D. Afonso Henriques e de D. Mafalda de Sabóia. Foi casado com D. Dulce de Aragão de quem teve 11 filhos, 5 varões e 6 do sexo feminino. A ele sucedeu D. Afonso II com quem D. Sancha teve uma relação muito conflituosa.
(3) «senhora do castello chamado de Alemquer» - Os rendimentos de Alemquer foram, primeiro, da rainha D. Dulce. Depois D. Sancho doou a vila de Alenquer à sua filha mais querida, D. Sancha. Morto o rei, tomou ela posse da vila como sua donatária de acordo com a vontade de seu pai vertida em testamento e deu-lhe a primeira Carta de Foral.
(4) - «Soldo» - Moeda de baixo valor. As primeiras moedas cunhadas pelos nossos reis foram os maravedis ou morabitinos e os dinheiros. Os primeiros já eram cunhados pelos Almorávidas em ouro. Com esse mesmo ouro e outro da mesma fonte se teriam cunhado os primeiros morabitinos no reinado de D. Sancho I. O dinheiro era uma moeda de bolhão, liga de cobre e prata onde o primeiro metal prevalecia. É evidente que com a Reconquista e por algum tempo, as antigas moedas continuaram em circulação, do mesmo modo que outras dos reinos vizinhos.
(5) - «e isso sem vozeiro» (chamemos-lhe «advogado»).  A este propósito refere Luso Soares no seu ensaio A Vila de Alenquer: "Este aviso «e isto sem vozeiro», parece indicar-nos o poder absoluto de D. Sancha e portanto o de todas as donatárias".
(6) - «maravedi» Primeira moeda em ouro cunhada no reino no tempo de D. Sancho I, conhecida na nossa numismática como morabitino. O morabitino de D. Sancho I «tem no anverso a inscrição SANCIVS  EXRTVGALIS, entre dois círculos lineares. No campo a figura do rei coroado a cavalo, empunhando na mão direita a espada e na esquerda o ceptro, encimado por uma cruz equilateral. No reverso a inscrição IN NE PTRIS ILIIII SPS CCIA, entre dois círculos lineares. No campo, cinco escudetes dispostos em cruz, carregados de quatro besantes e contornados por quatro estrelas». Todavia, dado que estamos ainda muito próximos da Reconquista, pode, mesmo, o texto referir-se à moeda Almorávida que ainda circularia.
(7) - «metter porcaria na bocca» - do latim merda in bucca. Crime medieval altamente ofensivo que consistia em colocar excrementos ou lixo na boca de alguém. Tomado à letra seria assim, mas, tratar-se-ia, tão só, de arremessar esterco ou lixo à cara de alguém, o que já seria muito ofensivo.
(8) - «relego do vinho» - Período reservado à venda do vinho do rei ou do senhor. De facto, o vinho proveniente dessas propriedades gozava de um período para ser vendido nas vilas e cidades sem  a concorrência de qualquer outro produzido localmente, sendo este um grande privilégio. A produção dos reguengos, terras reais, gozavam de um relego de três meses.
(9) «jugadas» - Antigo tributo ou imposto pago em espécie.
(10) - «modio» ou «moio» - antiga medida de capacidade usada para secos, nomeadamente cereais. Equivalia a 60 alqueires ou 799,980 litros. Como o refere G. J. Carlos Henriques esta equivalência variava de terra para terra, pelo que em Alenquer e Lisboa 1 moio equivalia a 56 alqueires.
(11) - «quarteiro» - Equivalia a 1/4 de moio.
(12) - «teiga» - Equivalia, geralmente a 4 moios.
(13) - «parceiro de cavalleiro» - Sendo o cavaleiro proprietário do terreno, «parceiro» seria aquele qu cultivava esse terreno pagando meias, terças, etc.do produto colhido.
(14) - ir ao «appellido» - acorrer ao chamamento às armas, geralmente em consequência das «correrias» dos mouros que ainda dominavam o sul do território.
(15) - «almotaçaria» - «almotacé» - O almotacé era um funcionário municipal de prestígio cuja missão se assemelhava à do antigo edil romano. O termo provirá do árabe al-mohtacel que deriva do verbo hoçabe que significa cortar. O almotacé tinha uma missão bastante diversificada no contexto do bom funcionamento das vilas e cidades, pois, tal como os aferidores, fiscalizava os pesos e das medidas e providenciava a taxação dos produtos alimentares. Zelava, ainda pela limpeza e manutenção dos espaços públicos e pela ocupação dos mesmos. Podiam aplicar pequenas sanções e participavam na elaboração das posturas municipais.
(16) - «mettido» - eleito.
(17) - «julgado» - próximo do tributo que se pagava ao juíz.
(18) - «alcavala» - adicional em dinheiros que se pagava pela a carne comprada no mercado ou açougue. Segundo GJCH este tributo era dos empregados do juíz. Um termo que, curiosamente, chegou aos dias de hoje como «adicional», algo mais pago ou recebido sobre o que se adquiriu ou auferiu.
(19) - Tinham, então, decorrido poucos anos sobre a Reconquista e os mouros e mouras que por cá haviam ficado eram transaccionados como mercadoria, daí havendo lugar ao pagamento de imposto.
(20) - «anil» - Corante de origem vegetal que dava aos tecidos um tom azulado.
(21) - «bragal» - Panos de linho muito grosseiros.
(22) - «portagem» - imposto de passagem ou de entrada, cobrado, normalmente à entrada das vilas e cidades.
(23) - «mealha» - Cada uma das metades de um dinheiro cortado à faca ou à tesoura.
(24) - «besteiros» - Militares que usavam como arma a besta. Cada concelho estava obrigado a contribuir para as hostes reais com um determinado número de besteiros, os besteiros do conto, recrutados entre aqueles que tinham posses para adquirir a arma e, normalmente, sustentar a montada em que se deslocavam.
(25) - «almocreve» - Sendo, então, as comunicações muito limitadas, os almocreves tinham na sociedade medieval (em Portugal, mesmo até aos inícios do séc. XIX) um importante papel a desempenhar, pois eram eles quem, com as suas montadas, transportavam de terra para terra as mais variadas mercadorias e até o correio e as notícias. Cada vila ou terra importante tinha o seu corpo de almocreves.
(26) - «for à soeira» - esta caça fazia-se, então, utilizando redes e armadilhas o que exigia uma «espera» ou «soeira» obrigando a que os homens permanecessem muito tempo ausentes no campo.
(27) - Como diríamos hoje: de forma não dolosa.
(28) - Pobre condição a da mulher, classe privilegiada a dos servidores da Igreja.
(29) - «attalaia da vila» - Defesa, guarda da vila. Era esta, segundo o foral custeada metade pela rainha outra metade pelos cavaleiros
(30) - «rico homem» - do latim nobilis homo, a ele estava confiada a tenência da área.
(31) - «mordomo ou sayão» - magistrados judiciais. O primeiro recebia queixas que encaminhava para o concelho, executava penhoras e faz prisões, mas, também cobrava impostos e procedia à execução de bens.
(32) - «porteiro do pretor» - oficial judicial.
(33) - «alcaide» - Entenda-se alcaide-menor.  Ao tempo da Reconquista o alcaide era o governador militar da praça da vila ou da cidade. Após a Reconquista as suas funções evoluíram para a área judicial. Para precaver e defender as populações dos seus abusos foi criado o cargo de alcaide-menor sendo este eleito entre os homens bons, o qual tinha como missão controlar a actividade do alcaide-mór.
(34) - «cavalgada» - Incursão militar nesses tempos em que a Reconquista ainda estava em curso. Refere GJCH que «esta condição era muito necessária para proteger o povo contra as exigências da soldadesca».
(35) - «luctuosa» - Importância que os proprietários recebiam por morte dos seus rendeiros, mas, também, contribuição que onerava a terra toda a vez que, por falecimento, esta mudava de possuidor. Algo como o imposto sucessório que ainda conhecemos.
(36) - «adail» - Cavaleiro, cabo-de-guerra, aquele que nesses tempos difíceis da Reconquista conduzia as hostes que se infiltravam em terrenos de ninguém ou do inimigo, guerreando-o ou saqueando. O adail era, ainda, aquele que na vanguarda da coluna indicava o caminho a seguir.
(37) - «zaga» - Rectaguarda do Exército ou da coluna militar. - Em latim non teneant zagam in exercitu regis, assim determina a carta que os cavaleiros de Alenquer não sejam colocados na rectaguarda, já que era honrosa cavalgar na dianteira da coluna.
(38) - «quinto dos sarracenos» - Parte que cabia á rainha dos despojos tomados nas correrias contra os mouros.
(39) - «alcaidaria» - o que se pagava ao alcaide-mór.
(40) - «alcaide» - Neste caso significa capitão do navio.
(41) - «infanções» - pequena nobreza que se situava acima dos cavaleiros e abaixo dos rico-homens.
(42) - 31 de Maio de 1212 da nossa era.