09 outubro, 2015

"ALENQUER TERRA DA VINHA E DO VINHO" - APONTAMENTO HISTÓRICO II

"UM MINISTRO PORTUGUÊS ENXERTADO EM CAVALO AMERICANO NÃO SERIA RESISTENTE ÀS FILOXERAS?"

- Sebastião José de Carvalho - Visconde de Chancelleiros

Em Abril de 1890 noticiava o jornal "O Alemquerense" (nº120): «Chegaram anteontem, no vapor norueguês Thislle duzentos trabalhadores franceses que veem trabalhar nas vinhas filoxeradas do sr. Visconde de Chacelleiros». Esta notícia afigura-se-nos surpreendente, não tanto pelo recurso a essa experiente mão de obra, mas, sobretudo, pelo seu elevado número.
Mas foi assim que o grande vinhateiro alenquerense reagiu à desgraça que assolara o país vinícola, com uma pacífica "invasão" francesa, oitenta anos após a outra, a napoleónica, que tão más memórias havia deixado no nosso concelho.
Mais uma vez, é "O Alemquerense", atento ao que se passava pelas quintas da Ventosa, quem relata o que por lá se passava, sob o título "Uma lição prática":
«Domingo passado veio de visita a casa do sr. Visconde de Chancelleiros, na quinta do Rocio, o sr. Ministro das Obras Públicas, dr. F. Arouca(1), assistindo por essa reunião a alguns trabalhos de plantação de bacelos americanos pelo pessoal de mr. Qóury.
A convite do sr, Visconde reuniram-se ali por essa ocasião alguns dos seus amigos e pessoas de suas relações, quase todos viticultores e directamente interessados, portanto, em assistir àqueles trabalhos.
Depois de um esplêndido almoço animado sempre pelas brilhantes qualidades de espírito e de carácter dos donos da casa, assistiram os convidados à revista do pessoal, gado e material de mr Qóury.
Em seguida dirigiram-se para a quinta do Monte d'Ouro onde assistiram à lavra de terreno para vinha e plantação de bacelos americanos.


- A Quinta do Monte d'Oiro hoje propriedade do Engº José Bento dos Santos continua a ser uma unidade exemplar da viticultura nacional aí se produzindo alguns dos melhores vinhos do mundo.


Qualquer destas operações tem muita novidade para a maior parte dos nossos viticultores e é para sentir que maior número deles as não tenham presenciado.
Como da arrojada iniciativa do sr. Visconde de Chancelleiros pode provir a regeneração da viticultura em toda esta região, essencialmente vinhateira, procuraremos obter todos os dados necessários para uma completa descrição dos trabalhos dirigidos pela alta competência do ilustrado viticultor francês, fornecendo assim aos nossos leitores uma lição prática de grande valor e que urge aproveitar.
Por hoje limitamo-nos a agradecer o convite com que o ilustre revolucionário da viticultura indígena honrou a imprensa local, oferecendo-lhe mais uma vez o ensejo de prestar um serviço útil aos seus conterrâneos e ao país».


- A Quinta do Rocio, situada na Cortegana, povoação há muito conhecida como a "Sintra alenquerense", hoje propriedade da família Sanches da Gama, é também ela uma produtora vinícola de excelência sob a direcção do enólogo Neiva Correia.

Sebastião José de Carvalho, para além de um político de referência à sua época, passou à história como o vinhateiro que colocou boa parte da sua fortuna no combate à terrível praga da filoxera que havia atingido as vinhas do país, revelando-se como o que maior sucesso obteve nessa luta.
Em 1893, já afastado da política, escreveu a Thomaz Correia(2) uma carta "balanço" da sua vida em que se refere a essa sua situação de retirado político activamente empenhado na agricultura, da qual se transcreve este interessante passo:
«Vivo afastado do bulício da Corte, de esta esplêndida Corte em que se faz a avenida, para se fazer alguma coisa, com as mesmas pessoas e os mesmos trens, como com aquelas folhas de chá no tempo do nosso Tolentino se fazia o cansado chá que ferve com esta a sétima vez.
Faço lavoura, trabalho pela regeneração da nossa indústria vitícola, a favor da qual como v. sabe falei hoje na câmara(3). Sou dos que pensam que da terra alma mater é que tem de vir, se vier, a nossa regeneração económica, que já não vem cedo. 
Lá, no meu isolamento, onde já fui por mais de uma vez surpreendido e honrado com a visita de mais um ministro, vejo e sinto muita verdade que não tem eco no âmbito da nossa política e que não é ouvida por eles. Se eu lá apanhasse um que não fosse de viagem de ida e volta, e me desse tempo, e tivesse pé para ser enxertado, mandava-o enxertar. Um ministro português enxertado em cavalo americano não seria resistente às filoxeras? Se v. julgar que sim ponha essa ideia ao serviço do seu partido»(4)
E aqui fica a ideia. Quem sabe se enxertando-os num cavalo de confiança não dariam finalmente um bom governo?

(1) - Frederico de Gusmão Correia Arouca (1846-1902), Ministro das Obras Públicas no governo de Serpa Pimentel.
(2) - Miguel Thomaz Correia (1860-1908) de Atouguia da Baleia?
(3) - Câmara dos Pares, a que pertenceu por direito hereditário enquanto filho do Barão de Chancelleiros, Manuel António de Carvalho. Então, o nosso sistema representativo era bi-camaral, com uma Câmara dos Deputados e uma Câmara dos Pares.
(4) - In O Alemquerense, nºs 277/78 de 23 e 30 de Junho de 1893, pág. 2.


08 outubro, 2015

"ALENQUER TERRA DA VINHA E DO VINHO" - APONTAMENTO HISTÓRICO


OS VINHEDOS DO SR. VISCONDE DE CHANCELLEIROS
NUM ARTIGO DO
VISCONDE DE VILARINHO DE S. ROMÃO

- Sebastião José de Carvalho, Visconde de Chancelleiros (1835-1905)


O artigo que se transcreve foi publicado pelo Visconde de Vilarinho de São Romão (3º do mesmo título), Luís António Ferreira Teixeira de Vasconcelos Girão, descendente de uma geração de vinhateiros do Alto Douro, no periódico Agricultura Portuguesa e dado a conhecer, localmente, pelo  O Alemquerense, n.º 236 de 9 de Setembro de 1892 (pág. 2).
A terrível praga da filoxera havia atingido gravemente os vinhedos nacionais e Sebastião José de Carvalho, político e grande proprietário alenquerense, havia sido dos que maior luta dera pela erradicação da praga, daí a visita de que resultou o artigo do Visconde de Vilarinho de São Romão.

«Visitando há dias os vinhedos que o sr. Visconde de Chancelleiros possui na Cortegana, prazer que devemos à penhorante amizade deste ilustre titular, julgamos muitos sermos úteis descrevendo o muito que neles vimos e aprendemos.
Não nos referimos ao senhorial chateau, residência deste importante domínio, a suas arruadas matas, primorosos parques e cuidadosos pomares, por isso que nosso intento bem diverso se reduz a citarmos o exemplo mais eloquente e frisante, que na Península conhecemos, de quanto pode e deve esperar das videiras americanas, a viticultura pátria.
Abrange este domínio diversas propriedades, entre as quais percorremos as do Rocio, Bichinha e Monte de Ouro, qual delas a mais extensa e cuidadosamente granjeada e, em muito, superiores às que em países estranhos vemos frequentes vezes citadas e que de visu conhecemos.
Este extenso domínio vitícola, que antes da invasão filoxérica produzia mais de 4:500 pipas do mais fino vinho da afamada região de Torres (1), foi em 3 anos por completo destruído, salvando-se apenas as várzeas e as suaves encostas que as circundavam, as primeiras pela submersão e as segundas pelo sulfureto de carbono, processos ainda hoje adoptados pelo ilustre proprietário, para a defesa desses seus antigos vinhedos.
Reconhecendo em sua ilustrada prática o pequeno resultado obtido pelo sulfureto, para os restantes vinhedos pela constituição de seus terrenos em excesso argilosos e pela falta de braços e tempo para adoptar este único tratamento, para tão extensos vinhedos, resolveu reconstitui-los pelo único processo prático que reconheceu, qual era a adopção das videiras resistentes.
Estudadas e ensaiadas as americanas mais convenientes para os seus terrenos pela sua maior resistência e maior afinidade com as preciosas variedades da região, adoptou as Riparias, Solonis, Rupestris e Jacquez, constituindo no entanto as primeiras a maioria dos cavalos(2) preferidos.
Com a inteligência e ilustração que todo o país reconhece neste notável estadista e com a persistência e energia que constitui o apanágio de tão ilustre família, resolveu replantar as suas devassadas propriedades, no mais curto espaço de tempo, adoptando o seguinte processo que reúne todas as novas regras de cultura.
Arrancada a velha vinha, foi efectuada uma aprofunda surriba(3) a todo o terreno, por meio da charrua Vernette tirada por 12 ou 14 possantes animais, sendo em seguida o terreno arrasado e nivelado com auxílio de apropriadas grades; seguindo-se a este preliminar trabalho a determinação no terreno da nova plantação, o que fácil e rapidamente foi conseguido por meio de riscadores.
A plantação foi feita em covatos, colocando-se os barbados à profundidade média de 36 milímetros, distanciando-se as plantas entre si 1,50 m, possuindo já por este processo mais de 150 hectares perfeita e regularmente plantados e alinhados, do que grandes vantagens económicas principiam a ser obtidas.
As plantações são enxertadas no ano seguinte, adoptando-se os sistemas de fenda simples, cheia ou lateral (segundo o diâmetro do cavalo); a poda é em talão, utilizando-se para os granjeios culturais a charrua Vernette tirada por um único animal.
Na ocasião em que visitávamos a quinta de Monte de Ouro procedia-se à redra de suas vinhas, sendo de admirar a perfeição e precisão com que os possantes percherons(4) conduzidos por adestrados condutores redravam os extensos alinhamentos dos pujantes vinhedos.
Nas propriedades do Rocio e Monte de Ouro possui o seu previdente proprietário extensos e cuidadosos viveiros das americanas adoptadas para a substituição de falhas, replantações futuras e, principalmente, fornecimento de plantas aos terceiros.
Constitui o sistema de terceiros(5) um dos mais suaves e proveitosos métodos para o arroteamento destes terrenos, por isso que os pobres operários plantando e cultivando os terrenos concedidos e reservando para si 2/3 das futuras novidades, adquirem amor à terra, fixam sua residência e família, podendo quando diligentes e felizes, obter capitais para se tornarem prestimosos proprietários.
Outro processo adoptado com grande resultado pelo benemérito viticultor da Cortegana, e por nós já infrutuosamente ensaiado em Vilarinho de S. Romão, consiste em enxertar com americana as videiras europeias, reenxertando-as no ano seguinte com as europeias mais adequadas à região, conservando as raízes emitidas pela americana, obtendo por este processo, desde logo, produções normais, como vimos, e não necessitando de mergulhar estas enxertias.
Os processos de replantação e cultura que resumidamente acabamos de expor, constituem exemplo bem digno de ser imitado, devendo estas propriedades modelo por todos serem visitadas, por isso que nelas encontrarão os viticultores nos sucessivos trabalhos de 3 anos as mais primorosas plantações, perfeitas enxertias e a vegetação pujante de abundante frutificação que outrora admirávamos nos nossos mais cuidadosos vinhedos.
O exemplo prático e benéfico que acabamos de citar e que tão transcendente influência exercerá nas futuras plantações do país, devido ao talento, ilustração e força de vontade do sr. Visconde de Chancelleiros, constituiria em qualquer país, que não o nosso, motivo para oficial e condignamente ter sido galardoado tão ilustre vitivinicultor, que assim apenas será compensado de seus beneficentes esforços pelos lucros que auferirá e por ter prestado à viticultura portuguesa o exemplo mais prestimosos que era dado patentear».

Porto, 24 de Agosto de 1892
Visconde de Villarinho de S. Romão

(1) - Surge aqui citada "Torres", mas é evidente que se trata de Alenquer, concelho onde o Visconde de Chancelleiros residia e tinha as suas propriedades.
(2) - Cavalo é o termo comum do porta-enxerto. O sistema encontrado para combater a filoxera foi plantar um porta-enxerto (ou cavalo) de uma casta americana resistente à filoxera onde passado um ano se enxertava uma variedade local que se pretendia e achava adequada à viticultura local.
(3) - Escavar a terra profundamente, desbravar, lavrar em profundidade.
(4) - Raça de cavalos tidos como poderosos mas ágeis e dóceis, geralmente de cor negra ou cinza. O Percheron, originário de Perche, Normandia, França, foi largamente utilizado como animal de tracção antes do aparecimento do tractor. Penso que em Portugal nunca foi muito comum.
(5) - Sistema de cedência da propriedade a troco de um terço da produção. Ainda me recordo da existência aqui na vila e no concelho de muitos trabalhadores que amanhavam terços.




01 março, 2015

AINDA O "ALENQUER E O SEU CONCELHO" DE GUILHERME JOÃO CARLOS HENRIQUES




A ESTRUTURA DA OBRA

Em 1873, o historiador Guilherme João Carlos Henriques publicou  a obra "Alenquer e o seu Concelho", que, tal como o seu nome indicia, é uma monografia do nosso concelho. O êxito desse livro foi enorme, valendo-lhe, mesmo, uma comenda, a da Ordem de Cristo, que lhe foi imposta pelo rei D. Luís I.
Para os alenquerenses este livro tornou-se a sua "bíblia" da história local, e, como tal, guardada em muitos lares como se de um tesouro se tratasse, sendo transmitida de geração em geração como algo de verdadeiramente precioso. Na casa de meus avós também havia um exemplar, mas alguém o pediu emprestado e não o devolveu... Azar o meu. Mas hoje, já nem tanto, pois em boa hora a "Arruda Editora" colocou à disposição de todos a sua edição fac-similada.
Mas "Alenquer e o seu Concelho" foi mais do que um só livro, foi um conjunto de edições que podemos, assim, enumerar

1873 - "Alemquer e o seu Concelho" - Obra organizada em VIII Capítulos ou "Partes", tal como são tratadas nas edições que se seguiram;

1901 - Parte IX - Fascículo II - "Relação de Duarte Correia" - 2ª Edição, Tip. H Campeão, Alemquer;

                        - Fascículo III - "As Obras de Manoel de Mesquita Perestrello: 1º O Naufrágio da Nao S. Bento e 2º O Roteiro" - 2.ª Edição Correcta e Augmentada, Typ. e Pap. H. campeão  C.ª, Alemquer;

1902 - Parte X - "A Vila de Alemquer", 2º Edição Correcta e Augmentada, A Liberal, Lisboa;

1901 - Parte XI - "A Freguesia de Santo Estêvão - Fascículo II "O Ex-Convento da Carnota", A Liberal, Lisboa. São conhecidas mais duas edições, a 3ª de 1914, impressa na Tip. José Assis  A. Coelho Dias, Lisboa e 4ª de 1946, com prefácio de Luciano Ribeiro.

Com base no que acima se  diz, suponho que, no que respeita às "partes" IX, X e XI, nunca houve primeiras edições. Como fazem parte do "Alenquer e o seu Concelho" essa obra é considerada pelo autor a sua 1ª Edição. O primeiro fascículo da "Parte XI" nunca terá sido editado.
Se algum dos leitores deste post tiver algo de novo a dizer ou a acrescentar ao que aqui se diz, muito agradecíamos que nos fizesse chegar a sua opinião.

"AS OBRAS DE MANOEL DE MESQUITA PERESTRELO




Este "fascículo" de 140 páginas era o último que me faltava, pelo que, ao adquiri-lo, de imediato procurei saber a razão pela qual Guilherme João Carlos Henriques acrescentava ao "Alenquer e o seu Concelho" estas duas obras de Manoel de Mesquita Perestrelo.
Razões bem simples, afinal. A primeira porque o autor nasceu Alenquer, filho de Pero Sobrinho de Mesquita e de sua mulher Francisca Perestrello, moradores que foram na então quinta (hoje casal) da Cabreira, freguesia de Santo Estêvão. Pelo lado da mãe tinha ele parentes muito chegados nos navegadores com o apelido Perestrelo, assim como outros vínculos familiares mais longínquos com a esposa de Cristóvão Colombo. 
Outra razão, a raridade da obra «O Naufrágio da Nao S. Bento» que terá sido ainda impressa em vida do autor, mas da qual Henriques afirma que «não consta que haja exemplar algum d'este livro existente hoje». Quanto ao "Roteiro" também não consta a Henriques que tenha sido alguma vez impresso, nem tão pouco terá sido para isso escrito, todavia, logo em 1668, esse texto terá saído na "Arte Pratica de Navegar" de Luíz Serrão Pimentel.


-Ilustração de Carlos Marreiros para a obra "Peregrinação".

Ainda sobre o autor, Manoel de Mesquita Perestrello, à semelhança de tantos outros portugueses de quinhentos, poder-se-à dizer que a sua vida dava um filme:
«Em 1549, conforme ele diz no Roteiro, fez a sua segunda viagem à Índia, e no regresso d'aquele Estado, em 1554, naufragou na foz do rio do Infante, chamado hoje Great Fish River, na nau S. Bento, com 472 pessoas, das quais se salvaram 322. Andaram estas pelo sertão quase sete meses, e ao cabo de um ano, chegaram a Moçambique [tão só] vinte portugueses e três escravos, resto de tão avultado número de gente que tinha saído de Goa naquela malfadada nau, vindo entre eles Manoel de Mesquita Perestrello.
Depois foi como capitão-mór de uma frota a S. Jorge da Mina, em 1562, e ficou lá durante um ano, como governador da fortaleza, de que resultou voltar para o reino prisioneiro, acusado de peculato e abuso de autoridade. Encarcerado no castelo de S. Jorge de Lisboa pediu para ser transferido para a cadeia da cidade, e de lá conseguiu fugir, homizidiando-se em Espanha até que obteve perdão, por carta de 27 de Maio de 1569, e pode voltar à pátria. (...)
Em 1575 Manoel de Mesquita foi, por ordem d'el-rei D. Sebastião, examinar a costa do continente africano do Cabo da Boa Esperança até ao Cabo das Correntes. No desempenho desta comissão esteve desde 2 de Novembro de 1575 atá 13 de março de 1576, e o resultado das suas observações foi consignado no Roteiro. que agora vai publicado em seguida à Relação do Naufrágio. (...) depois da viagem que deu os elementos para o Roteiro, não tenho notícia alguma da vida pública de Manoel de Mesquita Perestrello».

26 fevereiro, 2015

AS PONTES QUE ALENQUER TEVE (CONCLUSÃO)


- Fotografia tirada da Variante (sobre a Chemina) vendo-se o antigo campo de futebol do Sporting e, ao fundo deste, a ponte - Retirada da obra "Alenquer Desaparecida" de Filipe Rogeiro.

4) - A PONTE DE SANTA CATARINA

A ponte de Santa Catarina, à entrada da vila, é, porventura, aquela que na biografia alenquerense menos referências colheu. De igual modo, tanto quanto julgamos saber, será aquela que do passado menos imagens nos chegaram. Estamos em crer que, desde sempre, aí existiu uma qualquer passagem sobre o rio, a qual, com o decorrer dos séculos, viria a tornar-se ponte.
Guilherme J. C. Henriques, na sua obra "A Vila de Alenquer", a propósito de Damião de Goes, faz uma referência a uma escritura celebrada por este em 1560 onde consta uma relação «(...) de algumas cousas que mandei e dei a egrejas d'este reino (...)» e, entre elas, diz «fundou outra missa cantada em perpetuo, em dia de Ascenção, para a qual e para fabrica da capella-mór, deixou uma hypotetheca de 10 cruzados annuaes sobre uma horta que possuía á ponte de Santa Catharina». Acreditando aí constar esta referência à ponte, ela será, certamente uma das mais antigas.
Outra referência interessante a esta mesma ponte encontramo-la no livrinho de Albino Figueiredo (que foi administrador deste concelho em meados do século XIX) intitulado "Memória sobre alguns melhoramentos possíveis da vila e do concelho de Alenquer". Aí podemos ler na pág. 28: «Uma pessoa, verdadeira e proba d'esta villa, e que ainda não tem 70 annos, conheceu a ponte de Santa Catharina tão alta que daria passagem a um barco á vella».
A ponte que essa pessoa teria conhecido no início do século, então sobre um rio muito assoreado, seria a que abaixo podemos ver na bonita gravura que iluminou um postal editado por " Fernando Campeão  Saraiva" nos primeiros anos do séc. XX? Temos algumas dúvidas...



Qual terá sido, então, a data de construção desta ponte? Antes de arriscarmos uma data, lembramos que em Portugal as "estradas reais" foram construídas sobre as antigas estradas romanas, e, por sua vez, as estradas nacionais, já pensadas para o trânsito automóvel, seguiram, grosso modo, o traçado das estradas reais.
Dentro desta lógica, somos levados a pensar que esta ponte da antiga EN 1 (estrada hoje desclassificada entre a rotunda do Bravo e a da Boavista) será contemporânea da da "Couraça" à saída do Carregado, construída sobre o rio Grande da Pipa no reinado de D. Maria II (por volta de 1850), quando, efectivamente se conseguiu pôr a funcionar um serviço de correios e diligências entre Lisboa e o Porto.
É certo que no reinado da outra Maria, a primeira, muitas obras públicas foram lançadas e, por curto período, ainda funcionou um serviço de diligências e correio entre Lisboa e Coimbra, o qual, por dificuldades de toda a ordem, viria a ser interrompido. Voltando ao que atrás dissemos, só em meados do século seguinte, em articulação como o comboio que havia chegado ao Carregado se deu início a um serviço regular de diligências para o Porto e também entre o Carregado (estação) e Alenquer, entre muitos outros. Por conseguinte, afigura-se-nos como possível, que a ponte acima seja dessa data.