26 julho, 2012

MARCOFILIA ALENQUERENSE


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QUE NOS PODERÁ DIZER
 UMA CARTA DE ALENQUER DE 1943? 
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Pouco a pouco, que é como quem diz, peça a peça, a nossa colecção de «marcofilia alenquerense» vai ganhando forma e conteúdo. Perguntará o leitor, porventura pouco ligado à Filatelia, o que será isso da «marcofilia»? Ora, a «marcofilia» é o ramo da Filatelia que se dedica ao estudos das marcas postais, carimbos, como vulgarmente dizemos.
Como alenquerense  e filatelista desde a juventude, achei interessante, aqui há uns tempos atrás, encetar o coleccionamento das marcas postais de Alenquer. Primeiro as do período anterior ao aparecimento do selo, depois os mais diversos carimbos utilizados no decorrer dos tempos na estação postal de Alenquer.
Isso sai caro? Certamente perguntará quem me lê... Depende, responderei eu. Olhem, esta que aqui podem ver custou-me dois euros num leilão na net. Um euro a peça em si, mais um euro de portes. Uma verdadeira fortuna!
Mas não queiram saber o prazer que me deu adquiri-la... Este carimbo «tipo 1940» onde pela primeira vez surge a inscrição C.T.T. em «caracteres grossos e com pontinhos» no topo do «esqueleto» , acima da marca do dia em «datador rectangular de cantos rectos e não biselados» onde se lê 27.01.1943 por cima da inscrição ALENQUER, tudo obliterando um selo da série «Lusíadas» de .50 centavos. 
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Como acabam de verificar, falei-vos em «marcofilês» uma língua que não existe... Com esta carta, onde o que me interessa naturalmente é o sobrescrito, aconteceu, contudo, um facto interessante: ela vinha recheada, isto é, trazia no seu interior o que a remetente havia escrito...
Olá!? Curiosidade... Afinal uma banal carta de namorados, isto quando a II Guerra Mundial rugia por essa Europa fora, não se sabendo se ainda chegaria ao nosso Portugal. E o destinatário, como se pode ver era um militar em serviço.
Abaixo transcrevo e publico um trecho da carta para que, na última linha, possam ler:
«Arranjei agora um bocadinho de manteiga e estou conten(tíssima)».
Tempos difíceis estes, hem! Com a guerra iam faltando os produtos alimentares mais banais e o açúcar, o café, a manteiga, por exemplo... tornaram-se um autêntico luxo. Quando voltar a barrar manteiga no pão irei sempre lembrar-me deste escrito...
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21 julho, 2012

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS - III

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Monte de Santa Tecla  visto de Portugal, da Praia do Moledo.
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MONTE DE SANTA TECLA, DE GUARDA À FOZ DO MINHO
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Quem, passeando junto ao Rio Minho, de Cerveira a Caminha, não o viu já, elevando-se majestoso do lado de lá da Galiza? Pois olhem que vale a pena atravessar a ponte em Vila Nova de Cerveira, fazer alguns, poucos, quilómetros até A Guarda e, aí, num cruzamento a meio da cidade, seguir a direcção indicada pela placa que aponta Santa Trega (Santa Tecla).
Disponham-se então a galgar  as alturas deste monte cuja cota se eleva a 360 metros, mas, antes de atingirem o seu ponto mais alto, duas paragens obrigatórias: uma na portagem onde uma simpática guarda vos cobrará um euro por visitante, outra no castro ou citânia.
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Neste castro em parte colocado a descoberto, terá vivido, entre o séc. I AC e o séc. I DC uma população que terá atingido o elevado número de 3.000 habitantes. Mas, com a romanização da Galícia e com as reformas administrativas por ela introduzidas, veio pouco a pouco a perder importância, até ao seu total abandono, isto com picos de ocupação.
O sítio já era conhecido ao longo do séc. XIX, aí se registando, por várias ocasiões, achados que faziam supor a importância do mesmo para a arqueologia. Contudo, só em 1912 seria constituída uma Sociedade Pró-Monte de Santa Tecla a qual encarregaria Ignácio Calvo Rodrigues de conduzir uma primeira campanha arqueológica que decorreu de 1914 a 1923. A esta outras se seguiriam, a última de 1983 a 1988, após um longo período de abandono entre 1933 e 1979, sendo que este assunto ainda não está encerrado, pois Santa Tecla terá muito mais para oferecer aos estudiosos.

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Do alto do Monte de Santa Tecla as vistas são amplas e magnificas. Para Sul avista-se a foz do Minho, a mata do Camarido e a praia do Moledo:


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Para Este é todo o vale do Minho que se oferece com a vila de Caminha em evidência:


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Para Norte vê-se, em primeiro plano o porto de A Guarda, seguindo-se a costa que liga a Baiona:


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Mesmo no alto do monte, onde encontrará excelentes condições de estacionamento (a subida também é boa e não arrepia), poderá visitar um interessante Museu (entrada gratuita) ou beber uma amarelinha no bar/café do hotel que também aí existe a par de sanitários públicos e inúmeras tendas de recuerdos.
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16 julho, 2012

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS - II

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NOTÍCIA DE OIA ou COMO UM PEDAÇO DE COSTA QUE SE ME AFIGURAVA COMO DESINTERESSANTE O DEIXOU DE SER
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Sempre fui da opinião que os bons segredos devem ser partilhados... até que deixem de o ser. Por isso, hoje, vou falar-vos da Oia: Como lá cheguei, o que me encantou e o que ela me ofereceu.
Amante da Galiza como sou, sempre passei apressado por aquele pedaço de território junto à fronteira que tinha por desinteressante e aborrecido. Mas, pensando melhor, por lá se situava uma cidade/praia chamada Baiona ou uma estância termal denominada Mondariz, terras que tinha que conhecer ou o mapa da Galiza ficaria para sempre incompleto...
Atravessando a fronteira (que, na realidade, já o foi...) em Vila Nova de Cerveira pela nova ponte, dirigi-me A Guarda que percorri em toda a sua extensão sem perder tempo, tomando aí a estrada para Baiona, trinta e tal quilómetros de costa que não me diziam nada... 
Erro meu. A costa é bonita, a estrada costeira óptima no seu correr entre a montanha (quase a pique) e o mar e motivos de interesse não faltam. Gostei da paisagem e admirei,com uma pontinha de inveja, vá lá, a nova ciclovia que em toda a sua extensão a acompanha (falta, ainda, um outro pequeno troço) interrompida aqui e ali por áreas de lazer e miradouros sobre o mar, servidos por bons parques de estacionamento e seguras rotundas.
E foi assim até chegar a Oia, pequenino concelho com a sua característica aldeia piscatória aninhada à sombra de um imponente Mosteiro. Tinha que descer ao encontro no monumento...
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Reza a história que o Mosteiro de Santa Maria Oia foi fundado no século XII pelo Rei Afonso VII que lhe concedeu os primeiros privilégios. Teria sido seu construtor (arquitecto e mestre de obras) um monge francês chamado Bernardo (daí a as semelhanças com a igreja francesa de Fontenay) que deu por prontas as obras do mosteiro e da igreja em 1231. Aí se acolheram, primeiro sob o hábito de S. Bento e depois do de Císter, três comunidades de religiosos: a de São Cosme e São Damião de Bahiña (Baiona), a de San Mamede de Loureza (Oia) e a Santa Maria de Oia, sob a autoridade de D. Pedro Laiciense.
Teria sido pacifica a vida destes monges até 1820 e ao advento das ideias liberais. A 2 de Dezembro desse ano os seus ocupantes foram expulsos, regressando em 1823 quando Fernando VII aboliu a Constituição, mas, em 1835, com a Lei de Desamortização de Mendizabál, estes mosteiro cisterciense fechou de vez, tendo sido D. Angel Amores o seu último abade.
A partir de então conheceu muitos proprietários e ocupantes, alguns bem curiosos, como um grupo de jesuítas portugueses expulsos em 1910 de Portugal com a República, que o alugaram, permanecendo nesta ordem até 1932, quando os bens da Companhia de Jesus foram expropriados. Em 1936, com a Guerra Civil chegou a albergar cerca de 1.000 prisioneiros. Volta, desde então, a conhecer vários proprietários, sendo hoje da Vasco Gallega de Consignaciones que o adquiriu em 2004. 
Como é comum a estes patrimónios que atravessaram séculos, também o Mosteiro de Oia conheceu obras que lhe acrescentaram arte e valor, neste caso, as mais importantes nos séculos XVI e XVII.
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Frente ao Mosteiro, situa-se um pequenino porto, o qual como tivemos oportunidade de verificar, acolhe algumas embarcações vocacionadas para a pesca do polvo (o saboroso pulpo) como o indiciou as artes embarcadas e como o proporciona uma vasta costa muito rochosa.
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Alcandorada sobre o pitoresco portinho, fica a casa "A Camboa", que se anuncia taperia mas, na realidade, é muito mais do que isso, servindo em churrasco as boas carnes galegas, o "pulpo à feira" (esse não me escapou..), os mariscos - desde os mais evidentes como os mexilhões "ao vapor" (deliciosos) até aos esquivos percebes, tudo com uma multiplicidade de vegetais da terra onde, como não poderia deixar de ser, avultam os bons pimentos de Padrón ou os grelos. 
E, a propósito, afirmo-vos que não é tão depressa que esqueço aquele "Revuelto (omelete) de grelos e gambas" mais que generoso quanto às últimas. Um autêntico tratado de bem fazer que transformou um prato banal num monumento da culinária. Se me perguntarem pela "conta", direi que é bastante suportável, mesmo para um português. Casa honesta, bem situada, boa para qualquer refeição ou petisco. Experimentem e depois digam-me. Na verdade, até apetece dizer: Oia que coisa tão boa...
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10 julho, 2012

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS - I

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PONTE DE LIMA
À BEIRA DO LETHES, MAS NÃO DO ESQUECIMENTO
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«Era uma vez um rio. Nascera, sem pressa, entre espessas penhas, numa serra galega, e, sem pressa, foi descendo um vale ameno, bordado de salgueiros e veigas viridentes, avistado, débil pela distância, dos altos montes revestidos de pinheirais, e onde, nos cimos, se abrigavam o refúgio e a agressividade dos velhos castros.
Era azul e liso. Não tinha nome, ainda.
O povo que lhe usava as águas, para a rega, a pesca e a sede, era rude, selvagem, mal sabendo talhar na pedra o machado da lenha; a faca lascada para dilacerar a rês, destinada ao fulgor das brasas; a ponta da lança para a defesa e o ataque contra a violência que lhe roubava o gado e lhe raptava a mulher.
Pela calma do entardecer, a tingir de vermelho os céus do mar próximo, o pastor, recoberto de peles de fera, conduzia os rebanhos até às areias finas das margens, a beberem frescura na limpidez do rio, longa, longamente...
Mas esta paz do paraíso não tardou a ser perturbada pelo passo duro e cadenciado do soldado estranho.
A Roma imperial enviara as suas legiões aos campos agrestes da Ibéria, vencendo batalhas, edificando estradas lajeadas, as pontes, os aquedutos, as muralhas guerreiras, os templos para os deuses, os anfiteatros e as arenas para os prazeres da arte e do desporto. Elas invadiam, implacáveis, o bucolismo da paisagem doce, empunhando a agudeza da lança e o escudo de coiro lavrado, entre o arruído dos pesados carroções e o tropear febril dos cavalos.
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E, um dia, eis que o arreganho destas legiões chega junto à margem sul do rio de que vos falo, com os seus pendões rubros, constelados de águias, sacudidos por uma brisa mansa. E estaca, rendido, deslumbrado!
No arrebatamento da visão, toda a soldadesca excitada supõe estar diante daquele rio Lethes, o Rio do Esquecimento, um rio sem par de que lhe falavam as lendas e as narrativas do seu país.
E do Esquecimento, porquê?
Porque se dizia que quem ousasse atravessá-lo, enfeitiçado pela sua beleza, logo esqueceria a pátria, a família, o próprio nome.
Tomado de pavor pelos avisos desta condenação, todo o exército se recusou a mergulhar, naquelas águas encantadas, a poeira das sandálias, obrigadas a calcar o vau da passagem que o levaria, sem perigo, à margem oposta.
Em vão os comandantes lhe davam ordem de avançar. Em vão o chefe supremo, Décio Júnio Bruto, lhe ameaçou a desobediência com a prisão e a morte.
Ninguém se movia dali, paralisado pela emoção e pelo medo. Mas Décio Júnio Bruto teve uma decisão feliz. Apeando-se do seu ginete, atravessou, lento, as águas feiticeiras, com o escudo a proteger-lhe a cabeça, a curta espada desembainhada na firmeza da mão.
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E, mal atingiu o areal da margem direita, vencendo o rumorejar do arvoredo, o gorjeio mavioso dos rouxinóis, começou a bradar pelos seus homens, hirtos, perfilados à sua frente, como estátuas estáticas, proferindo, de cada um deles, o nome exacto, sem revelar esforço de memória.
Só desta forma convenceu os seus soldados que, afinal, o rio que lhes corria aos pés não era o Lethes do esquecimento, apesar da sua beleza, apesar do seu fascínio.
Então, todo o exército atravessou, sem hesitar, as águas claras e brandas, e seguiu para novas paisagens, novos montes e vales, novos rios, embora nenhum deles tão deslumbrante.
E aquele rio que, por um momento de paixão e de temor, fora baptizado de Lethes, continuou a correr, sem pressa, até ao desenlace da foz. O rio tem, hoje, o nome de Lima.
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E, tal como outrora, ei-lo que fascina, pela sua beleza, quem dele se abeira, lhe escuta o leve fluir, já ladeado, agora, pela riqueza e nobreza das igrejas e santuários milagreiros; pelos escuros solares armoriados e a brancura alegre dos casais; pelo bulício de antigas povoações com suas elegantes pontes arqueadas sobre barcos pesqueiros; e, por todo o horizonte, as torres, os pelourinhos, as cruzes...
Rio do Esquecimento?
Não.
Rio da Lembrança.
Lembrança viva destas terras amoráveis, por onde desliza e que parece beijar.».
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Este texto, belíssimo, é de António Manuel Couto Viana. As fotografias são minhas, tiradas num dia quente de Julho em que o Sol fez gazeta.
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Ponte de Lima, vila antiga, situa-se no Minho, Distrito de Viana do Castelo. O concelho tem 51 Freguesias (espero ter contado bem...) e uma estimativa de 2002 atribui-lhe uma população residente de 44.247 indivíduos.
O prato tradicional é o «Arroz de Sarrabulho» servido com rojões de porco. «O louro, o cravinho, a noz moscada, o sal e a pimenta temperam as carnes que, depois de cozinhadas e desfiadas, se juntam ao arroz. O sabor singular dos cominhos é acrescentado no fim. (...) Em travessa à parte vão os rojões e as frituras de belouras, chouriça de verde e tripa enfarinhada. Os rojões levam também batata loura, cortada em cubos e vão guarnecidas as travessas com limão às rodas e salsa em ramo».
Como disse o autor do texto acima, «Sarrabulho sem remate de leite creme é como mesa sem pão, que só no Inferno a dão». Rega-se a preceito com um bom jarro de tinto verdasco.
Se passarem por lá, experimentem ir ao Restaurante «A Muralha» com a sua fresca esplanada. O serviço foi a preceito, o arroz divinal e a «continha» simpática para os tempos de crise que vivemos, mas que, de vez em quando, tentamos esquecer.