22 dezembro, 2012

FESTAS FELIZES

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 ALENQUER "VILA PRESÉPIO"
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Vila Alta de Alenquer - Sede da Liga dos Amigos de Alenquer (edifício setecentista) - Presépio da Liga  concebido artisticamente por Frederico Rogeiro.
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Para todas e todos que me dão a imensa satisfação de serem visitantes desta página, aqui ficam os meus votos sinceros de um Bom Natal e de um 2013 pródigo em saúde e ânimo para enfrentar com sucesso as dificuldades que nos são anunciadas.

10 dezembro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - IV (CONCLUSÃO)


O QUE RESTA DO CASTELO
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- A lenda do Alão - Desenho de Mestre Álvaro Duarte de Almeida para o concurso "Lendas de Portugal" do Jornal "O Século".
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Tem-se escrito que D. João I, desagradado com o que lhe aconteceu em Alenquer aquando da Revolução de 1383/85 que o levou ao trono, teria mandado abater a Torre de Menagem ordenando que lhe retirassem os cunhais, tendo tido igual sorte alguns lances da muralha ou cerca. Ter-se escrito é um facto, mas há quem sustente que falta fundamento histórico a esta narrativa, embora ela já venha relatada em escritos como a "Descrição da Vila" feita pelo P. António Carvalho da Costa na sua "Corographia Portugueza", de 1702, onde escreveu que Alenquer «Tem seu Castelo, que hoje está muito arruinado, por lhe mandar tirar os cunhais El Rei D. João o Primeiro pela resistência, que achou nesta Vila quando pôs cerco nela à Rainha D. Leonor Teles sua cunhada(...)».
Mais tarde, quando outra Leonor, a rainha viúva de D. Duarte, aqui procurou refúgio com seu filho, o futuro rei D. Afonso V, receosa que algum mal lhe viesse por parte seu tio, o infante D. Pedro, Regente do reino, teria o Castelo de Alenquer sido objecto de importantes obras de reparação que, de novo, o tornaram apto para a sua missão defensiva. Como a História registou, esse episódio que envolveu o futuro soberano não teria passado de pura manipulação e nada aconteceu. Sendo infundados os receios de D. Leonor, sob as muralhas do castelo de Alenquer tudo se manteve calmo e pacífico.
Teria sido a partir de então que o castelo entrou em declínio. Quando em 1580 a vila seguiu o partido de D. António, o Prior do Crato, aqui aclamado rei, ainda terá havido algum sobressalto guerreiro, mas, estando mais uma vez Alenquer do lado errado da História (mas certo na razão), o Castelo entrou definitivamente no esquecimento, «passando a ser utilizado como pedreira», como se pode ler na memória Histórica-Artística do IGESPAR que sobre ele se debruça. Que quer isso dizer? Que as suas pedras, como nesses tempos vulgarmente acontecia, passaram a ser retiradas pelos habitantes e utilizadas na edificação de habitações, levantamento de muros, construção de arruamentos e estradas.
Em 1750 D. José I, ou o seu Ministro Sebastião José de Carvalho e Mello, ainda se terão lembrado dele, ou melhor, ainda terão sido levados a lembrarem-se dele por solicitação da Academia Real de de História Portuguesa «visto ser indubitavelmente obra dos alanos», mas sem resultados objectivos. Depois, por esses anos, foi ainda o terramoto de 1755 que lhe causou enormes estragos, destruindo as duas torres da porta principal, a da «Vila».
Com o séc. XIX  e a construção do edifício dos Paços do Concelho e da variante ligando Santa Catarina à Vila Alta e esta à Ponte da Barnabé, novos panos de muralha terão sido derrubados, fazendo o passar do tempo o resto do trabalho demolidor.
Assim, tudo o que hoje resta da importante fortaleza que remonta ao Neolítico, que foi castro lusitano, castrum romano, castelo dos Alanos, castelo mourisco, castelo gótico, pode ver-se abaixo nas duas fotografias que se seguem:
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- Bem lá no alto, o último lance da muralha original, entre o estar e o cair.
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- Onde se erguia a Torre de Menagem, restos de antigas construções adjacentes e da muralha
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Há relativamente pouco tempo, a nossa Câmara, e bem, promoveu a melhoria dos acessos ao «Castelo» e a sua limpeza, instalando na zona abaixo da Torre de Menagem um aprazível Parque de Merendas.
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Visitei-o no final deste Verão e algum abandono era já visível. Na realidade não basta fazer, torna-se necessário cuidar, promovendo, no mínimo, a limpeza, as acessibilidades e tornando-o conhecido através da instalação de placas que elucidem o visitante da sua existência e o ajudem a encontrar o melhor caminho a percorrer para o alcançar.
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Na minha perspectiva o melhor caminho passa, bem a propósito, pela Travessa do Castelo (acima) que tem o seu início logo à entrada do Bairro da Judiaria, junto a um enorme edifício em ruínas (esse, pelo estado em que se encontra, não vai demorar muito a cair. Pelo menos que caia para dentro e não faça vítimas...), mas todo o estado desta Travessa é mau, como facilmente se constata.
Pela mesma, chega-se a um caminho de terra batida, o qual, como se pode ver na fotografia abaixo, já começou a ser abusivamente «comido» por construções clandestinas. Aqui chegados, basta percorrer um pequeno carreiro, na ocasião tomado pela folhagem, para se alcançar o tal Parque de Merendas, que, ao que me disseram alguns moradores vizinhos, apesar de tudo, é bastante procurado (!?).
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Alcançado o ponto mais alto do sítio do Castelo, lá encontraremos, ainda, a antiga «Casa da Água» (fotografia abaixo), hoje desactivada. Esta proeminência poderia ser um miradouro sobre a Vila, mas não o é porque a vegetação não deixa, como também não deixa ver a estrada para Torres e a Cruz do Bufo. Quer dizer, o legionário «Mirolho», hoje ali de sentinela, não veria aproximarem-se da vila as tropas do «Tróina», mas essa é outra história que só os mais antigos conhecem e que remonta aos tempos do heróico Terço legionário de Alenquer (LOL como dizem os jovens face-booquenianos).
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28 novembro, 2012

FIGUEIRÓ DOS VINHOS, SÁBADO DIA 1 DE DEZ.

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COLÓQUIO DE HISTÓRIA DO FABRICO DE PAPEL EM PORTUGAL
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Aí estarei para apresentar a comunicação "A indústria do papel na região de Lisboa e na Baixa Estremadura - Das suas origens ao séc. XX tendo o caso de ALENQUER como referencial".
Aqui fica o CONVITE:

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08 novembro, 2012

REFORMA ADMINISTRATIVA DO TERRITÓRIO

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MAPA DAS FREGUESIAS DO CONCELHO DE ALENQUER
SEGUNDO PROPOSTA DA UTRAT
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Sem comentários nem surpresas, damos a conhecer o Mapa das Freguesias do nosso concelho segundo proposta da "Unidade Técnica para a Reorganização Administrativa do Território".
Segundo essa Proposta:
1 - Agregação das freguesias de Alenquer (Santo Estêvão e Triana) numa freguesia designada por  "União das Freguesias de Alenquer".
2- Agregação das freguesias do Carrregado e Cadafais numa freguesia designada por "União das Freguesias de Carregado e Cadafais".
3 - Agregação das freguesias de Pereiro de Palhacana e de Ribafria numa freguesia designada por "União das Freguesias de Ribafria e Pereiro de Palhacana".
4 - Agregação das freguesias de Cabanas de Torres e de Abrigada numa freguesia designada por "União das Freguesias de Abrigada e Cabanas de Torres".
5 - Agregação das freguesias de Aldeia Galega da Merceana e Aldeia Gavinha numa freguesia designada por "União das Freguesias de Aldeia Galega da Merceana e Aldeia Gavinha".
Destas agregações resulta um mapa com 11 Freguesias.
Toda a informação em:
http://app.parlamento.pt/utrat/index.html

26 outubro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - III


O CASTELO DE ALENQUER - AS SUAS PORTAS E POSTIGOS
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Na gravura abaixo que datamos do séc. XVI por lá estar, em 14, o moinho de papel de Manuel Teixeira(1), poderá o nosso leitor verificar que, esquematicamente, o recinto amuralhado tinha a forma de um semicírculo ou crescente (algo imperfeito), sendo visíveis em 2 e 3 as duas principais portas da vila que, por assim o serem, denominavam-se portas de armas. Uma conhecida como "da Vila" assinalada com 2. Outra, conhecida como"do Carvalho", mais tarde como de "Santo António" e mais modernamente, "da Conceição", assinalada com 3. 
Quanto a postigos, o mais importante, assinalado em 4, situava-se mais ou menos por cima do local onde na actualidade se monta pelo Natal o monumental Presépio e dava acesso a um íngreme carreiro que conduzia ao rio. Um outro situava-se em 6, frente à já desaparecida igreja de S. Tiago. Este último, talvez não fosse bem um simples postigo, mas sim a chamada porta da traição, nome dado num castelo à porta com menor tamanho, na medida do possível dissimulada e situada distante da(s) portas  principais e em sentido oposto ao da localização daquelas,  aberta na muralha à medida de uma qualquer emergência (de notar que estes pressupostos nem sempre se verificavam cumulativamente).
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- Alenquer medieval - Desenho de Mestre João Mário para uma publicação da C.M.A.


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A implantação da fortaleza neste local tornava-a, como se verificou mais de uma vez, praticamente inexpugnável(2). De facto, as suas duas principais vertentes eram bastante íngremes e facilmente defensáveis para os sitiados. Também o acesso às suas principais portas era, como o lembra Guilherme João Carlos Henriques na sua obra A Vila de Alenquer, bastante mais acentuado e difícil do que o é hoje.
A porta da "Vila", abaixo representada, situava-se (o que dela restava desapareceu quando da construção dos actuais Paços do Concelho, nos finais do séc. XIX) no local onde hoje termina a Igreja da Misericórdia, na Rua Maria Milne Carmo que dá acesso ao bairro da Judiaria. A ela se acedia subindo do rio pela hoje chamada Calçada Francisco Carmo, vulgo "Calçadinha". Para quem já experimentou, uma subida longa e difícil, actualmente um pouco suavizada em relação aos tempos a que nos reportamos.
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- Porta da "Vila"- Aqui a preto e branco, mas, na realidade, trata-se de uma aguarela do artista Ribeiro Cristino.
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- Fotografia de autor desconhecido publicada por Luís Venâncio em Alenquer, Concelho Multissecular e Monumental - Vila Alta de Alenquer (último quartel do séc. XIX), antigo largo medieval, hoje denominado Praça Luís de Camões, vulgo "Largo da Câmara".
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Na fotografia acima referida identificamos:
1 - A porta da "Vila" ou o que nos finais do séc. XIX dela restava (demolida);
2 - As antigas Casas da Câmara (demolidas);
3 - O Celeiro das Jugadas, que foi, também quartel e teatro (demolido);
4 - A Igreja de S. Pedro;
5 - O largo medieval, com o seu pelourinho e onde se situava a ermida de Nossa Senhora do Monte Carmo (demolida);
6 - A sacristia da Igreja da Misericórdia, cuja empena se vê na gravura abaixo (demolida);
7 - A Igreja da Misericórdia;
8 - O antigo Hospital da Misericórdia, prédio onde hoje se encontram os serviços administrativos da Misericórdia (antiga Tipografia A Central), a Liga dos Amigos de Alenquer e o Teatro Ana Pereira.
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- Antigas Casas da Câmara, e, em primeiro plano a Sacristia da Igreja da Misericórdia - Gravura publicada por Luís Venâncio em Alenquer, Concelho Multissecular e Monumental.
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Falemos agora da Porta do "Carvalho", de "Santo António" ou da "Conceição", hoje simplesmente "Arco da Conceição". Esta era a porta que se situava mais próximo do rio, e, sendo este navegável, pelo menos durante os primeiros reinados da I Dinastia, seria por aqui que entravam e saiam as mercadorias  transportadas por barco.
A teoria é minha e necessita, obviamente, de confirmação, mas como em tudo impera a lógica... 
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  - Arco da Conceição - Fotografia sem indicação de autor publicada na "Revista dos Centenários" (nº.24 de 31/12/1940), logo anterior à intervenção havida que lhe deu os actuais contornos arquitectónicos.

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Próximo desta porta, à distância de vinte passos fica a Torre da Couraça, monumento onde são reconhecidos dois níveis de construção: um, o superior, de finais do séc. XIV, outro que se supõe remontar à presença dos mouros na vila.
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- Acima, fotografia publicada na "Revista dos Centenários (n.º24 de 31/12/1940) sem indicação de autor. A habitação que se vê coroando o seu topo é do séc. XIX. Abaixo, ilustração da Wikimedia Commons onde se pode ver a "couraça" de um castelo medieval.
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Seria, inicialmente esta torre uma construção de apoio às actividades portuárias ou uma contrução para defesa do porto? Como no seu interior existia uma copiosa nascente, teria sido ela construída para sua defesa? Esta nascente era muito importante já que o castelo tinha como ponto fraco a inexistência de mananciais de água, pelo que, interiormente, só existia a que era recolhida nas cisternas. 
Vejamos o que sobre ela, a Torre, nos diz Guilherme Henriques na sua obra A Vila de Alenquer:
«Espalhadas pela parede ha diversas figuras [leia-se inscrições, uma delas com a data de construção], e nas pedras aparelhadas dos cunhaes ha muitos dos signaes mysticos que são tão frequentes nas obras de pedreiro d'aquella epoca. A era de 1421 corresponde ao anno de Crhisto de 1383, e, sendo aquella a verdadeira leitura, prova que esta parede da nascente foi feita por ordem da rainha D. Leonor Telles, quando retirou da capital para esta villa, depois da morte do conde d'Andeiro, sendo possível que as outras duas paredes, que diferem bastante na qualidade do material empregado e na mão d'obra, já estivessem feitas. Mas pode ser que haja mais duas unidades na era; e n'este caso, já seria obra de D. João I».
No que respeita a esta Torre da Couraça por aqui nos ficamos, pois não queremos terminar este post sem desfazer uma confusão criada por Guilherme João Carlos Henriques na obra que temos vindo a citar, ao trocar o nome às portas. A porta do "Carvalho" é efectivamente esta que depois veio a ser de "Santo António", depois ainda da "Conceição", e não a outra, lá em cima, junto às Casas da Câmara que, definitivamente, era a da "Vila"  e não do"Carvalho" como o escreveu o historiador da Carnota e a partir daí tem sido repetido como coisa certa.
E é assim porque é essa a denominação com que Fernão Lopes na sua Crónica de D. João I a referencia a propósito do episódio  do épico do cerco posto pelo Mestre de Avis em que viria a ser fatalmente atingido o seu jovem companheiro de armas Afonso Henriques. Mais, Fernão Lopes diz que esta porta se chamava do "Carvalho" por aí perto existir um soberbo exemplar de árvore desta espécie.
Mas outras referências encontrámos que corroboram a opinião do cronista: O Padre António Carvalho da Costa, na sua "Corographia Portugueza e Descripçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal», publicada em 1712, escreveu que a vila «He cercada de muros com duas portas principaes, a da Villa, q está na praça, e a de Santo Antonio, chamada antigamente do Carvalho, que vay para a ponte da Coyraça». O Padre Luiz Cardozo, por sua vez, escreveu no seu "Diccionario Geografico, publicado em 1747, referindo-se ao castelo, que era fortaleza «ja hoje com muitas ruinas; mas ainda com inteira fórma se conservão com Castello, torres, baluartes, e cortinas; e com cinco entradas, duas principaes entre torres, huma junto ao Castello, e duas em huma cortina. Pouco abaixo da porta chamada da Villa se demolio por industria um pedaço de cortina para passarem as carruagens com mais facilidade, e he hoje a mais frequentada passagem que ha de fóra para dentro dos muros. Por fóra da porta do Carvalho, e na sua barbacã, se levanta da margem do rio uma couraça(...)». Pinho Leal no seu "Portugal Antigo e Moderno" de 1873, sobre isto, escreveu (com toda a probabilidade baseado na leitura dos autores anteriormente citados, mas escreveu): «O castello, se não foi fundado pelos romanos, foi-o pelos alanos; pois já existia quando em 715 os árabes se apossaram da Luzitania. As muralhas que cingiam a villa foram edificadas pelos mesmos que edificaram o castello. Tinham tres portas, a da VIlla (na praça) a de Santo Antonio (que primeiro se chamou Carvalho, por ir para a ponte do Carvalho e a de S. Thiago; álem de alguns postigos». Por último, embora outras citações fossem possíveis, Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, em 1904 no «Portugal, Diccionário Histórico, Chorographico, Heraldico (etc.)», escreveram: «As muralhas antiquissimas, que datavam do tempo da construcção do castello, e de que hoje restam apenas vestigios, tinham 3 portas e alguns postigos: a da Villa (na praça), a de Santo António (que primeiro se chamou Carvalho por ir para a ponte d'este nome), e a de S. Thiago [porta da traição?]» (teriam eles lido Pinho Leal?). Seja como for, parecem não subsistir dúvidas.
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(1) - Moinho de Manuel Teixeira, um dos primeiros moinhos para o fabrico de papel a laborar em Portugal, mediante alvará com força de carta datado de 22 de Maio de 1565, assinado por D. Sebastião.
(2) - Assim aconteceu em 1148 quando resistiu ao cerco de Miramolin de Marrocos após a batalha de Santarém; Depois quando do conflito que opôs D. Sancho II  as suas irmãs D. Teresa e D. Sancha, esta última senhora da vila; mais tarde, por várias ocasiões, quando da Revolução de 1383/85, sendo alcaide Vasco Perez de Camões e sua senhora D. Leonor Teles, o que muito enfureceu o Mestre de Avis que teria mandado abater os cunhais que sustentavam a Torre de Menagem; por fim teria o castelo sofrido obras de reparação quando nele se refugiou a sua senhora, a rainha víúva de D. Duarte, D. Leonor, com seu filho o futuro rei D. Afonso V, por temer que algum mal lhe viesse do regente, o príncipe D. Pedro.

10 outubro, 2012

No passado e no presente...

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O BRASÃO DE ARMAS DA VILA DE ALENQUER
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Um dia destes, perguntava-me um amigo se o brasão de Alenquer não teria que ser corrigido, uma vez que as freguesias eram agora 16 e não 14 conforme as rosas que lá se viam. Na verdade, muitos são os alenquerenses que associam as rosas às freguesias. Porém, elaboram em erro, uma vez que elas, heraldicamente, assumem um outro significado, como veremos.
Mas antes de lá chegarmos, recuemos um pouco para falarmos do anterior brasão de armas da vila, aquele que de seguida vos mostramos.
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Conforme nos dá a conhecer Affonso Dornellas em parecer apresentado à Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses «Ignacio de Vilhena Barbosa, na sua obra As cidades e vilas da Monarchia Portugueza que teem brazão d'armas, Lisboa, 1860, diz que as Armas de Alemquer constam do seguinte: - em campo de prata um cão pardo preso a uma árvore com um grilhão de ouro».
Temos pois uma árvore e um cão, e, ao que parece, a presença de ambos os motivos não é pacífica...
Voltando ao mesmo documento, logo aí diz o autor do parecer que «Aqui é o castelo substituído por uma árvore, o que é difícil de explicar, pois se no ofício a que acima me refiro, em 1855, não se faz referência à árvore, como é que em 1860, cinco anos depois, aparece a torre substituída pela árvore?
Enfim, acontece em Alemquer, sobre a heraldica que a simbolisa, o que acontece em muitos outros municipios da mesma antiguidade, pois que no decorrer dos séculos tudo evoluciona».
No que diz respeito ao cão - o Alão da lenda que entregou a chaves do castelo a D. Afonso Henriques - também algumas dúvidas se levantam. Ora vejamos: «Rodrigo Mendes Silva, na sua obra Poblacion General de España, sus trofeos, blasones, etc., Madrid, 1645, diz que Alemquer - Haze por armas, en escudo un alano pardo, aludiendo al nombre-. Este autor é considerado uma autoridade.
Em 26 de Outubro de 1855 a Câmara Municipal de Alemquer escreveu um oficio à Câmara Municipal de Lisboa (...). Por este ofício se verifica que tanto no arco de Santo António [ que alguns querem que seja "do Carvalho" mas não é, nem nunca foi...] como no arco da Conceição existiam cães esculpidos e parece que isolados. Também no mesmo ofício ha referências a que as antigas armas da vila consistiam numa torre guardada por um cão com as chaves da praça na bôca, razão porque no tempo de D. Sebasteão, quando da construção da Ponte do Espirito Santo, foi mandada esculpir à entrada da mesma, uma torre guardada por um cão [está, actualmente no Parque Vaz Monteiro, com a pedra, literalmente, a desfazer-se. Já aqui dissemos que este marco deveria daí ser retirado e preservado para uma futura musealização, mas ninguém leu, e se leu está borrifando-se...].
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Acima, o texto citado fala-nos dos "cães" esculpidos que estavam nas duas principais portas da vila amuralhada. Cães ou gatos? O artista não era muito hábil e o tempo já desgastara as formas. Ainda conheci um deles, cuja origem poderá remontar à presença dos Alanos na vila, povo que tinha como animal sagrado o gato, daí a dúvida. Esse exemplar fazia parte da colecção Hipólito Cabaço e, quando esta foi adquirida pela nossa Câmara, o "Museu do Calhau" (nome dado pelos alunos do antigo Externato Damião de Góis) por lá ficou encaixotado [destino a que não foge...] na antiga Casa da Torre reconvertida em estabelecimento de ensino. Daí que, desses tempos, outros antigos alunos como eu se possam recordar de mais esse "calhau" com forma de cão ou de gato.
Mais tarde, quando de um arranjo do Parque Vaz Monteiro, alguém, bem intencionado certamente, achou que essa e outras pedras, algumas com a forma de pedras de armas, seriam interessantes para ornamentarem os canteiros. Assim, o gato, provavelmente alano, pastou na relva tenrinha por alguns anos... até que um amigo do alheio se apaixonou pela sua antiguidade e o levou.
Esta é hoje a infeliz realidade deste País: tudo se rouba, daí que, quem publicamente exerce o mando, tenha que ter isso em atenção e de proceder em conformidade colocando a bom recato o que é antigo e tem valor, valor esse mais que não seja valor sentimental para uma população determinada em preservar o que as gerações passadas lhe deixaram como herança patrimonial. Fica aqui o alerta, será ele ouvido ou teremos que chorar num futuro próximo outros desaparecimentos?
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Estas são as actuais armas municipais e datam de 1935, desenhadas pela Procuradoria Geral dos Municípios que tinha pessoal especializado para executar os desenhos das bandeiras e selos, com o rigor heráldico determinado pelo então Ministério do Interior.
Após alguns trâmites foi este o parecer do já citado Affonso Dornellas, datado de Outubro de 1935:
«Em 26 de Janeiro deste ano, a pedido da Câmara Municipal de Alemquer, foi deliberado que o cão que figura nas Armas Municipais fosse andante em vez de deitado, conforme se tinha proposto no parecer inicial de 20 de Novembro de 1934.
Reconsiderou a Câmara Municipal em que, de facto, o cão deve estar deitado, não lhe aceitando a Direcção Geral da Administração Política e Civil do Ministério do Interior essa alteração sem que a Comissão de Heráldica desse o seu parecer nesse sentidos.
Ora, esta Comissão não tem mais do que renovar a sua proposta, formulada no parecer que foi aprovado em 20 de Novembro de 1934, que é o seguinte:
- ARMAS - De ouro, com um castelo de azul aberto e iluminado do campo. Em contra-chefe, um cão de negro deitado tendo a mão direita sobre a esquerda. Orla de catorze rosas [no projecto inicial eram 5] naturais de vermelho folhadas de verde. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres "Vila de Alemquer" de negro».
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No primeiro documento, o de 1934, as Armas são objecto da seguinte explicação: «É indicado o ouro para o campo das Armas por ser o metal que na heráldica significa nobreza, fidelidade, constância, poder e liberalidade.
O castelo é de azul, porque este esmalte significa zelo, caridade e lealdade.
O cão é de negro porque este metal significa firmeza, obediência, honestidade e cortesia.
As rosas são de vermelho porque este esmalte significa vitórias, vida e alegria. o verde do folhado significa heraldicamente, esperança e fé.
O castelo representa força.
O cão representa a fidelidade, a amizade e a bondade.
As rosas representam a caridade e a pureza.
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- BANDEIRA - De azul. Cordões e borlas de ouro e azul. Haste e lança douradas.
- SELO - Circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres "Câmara Municipal de Alemquer".».
Este parecer é ainda explícito quanto à tramitação processual para oficialização do novo brasão:
«Deverá, na acta da Câmara, que aprove este parecer, ser transcrita a descrição das armas, bandeira e selo, e enviada ao Sr. Governador Civil uma cópia autenticada dessa acata juntamente com os desenhos da bandeira e selo, com o pedido de tudo remeter à Direcção Geral de Administração Política e Civil, para, no caso do Sr. Ministro aprovar, ser publicada uma nova portaria».
De fora, ficaria uma outra pretensão camarária, a de que na bandeira fosse inscrito "Leal Vila de Alemquer»: «Quanto à inclusão da designação "Leal" como título conferido à Vila, poderá ser, se de facto existe qualquer diploma que confira essa distinção. Não tendo havido em qualquer época essa distinção conferida oficialmente, a Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos não aconselha que a Câmara Municipal de Alemquer a adopte».
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Muito recentemente, após concurso público a nossa Câmara aprovou o logotipo acima, da autoria de Carmen Luísa Teixeira Marques e Samuel Nogueira Nunes, dois designers de Lagos.
O logotipo é tido como uma «assinatura institucional», «uma representação gráfica  de uma marca», por isso no Regulamento então aprovado e divulgado se dizia que se tratava de «uma iniciativa da Câmara Municipal no âmbito do processo de criação da marca Alenquer Presépio de Portugal e que procura conferir maior visibilidade e dinâmica aos recursos socioeconómicos, patrimoniais, históricos e naturais do concelho».
Refira-se que estes logotipos começaram a ser adoptados pelos órgãos "Câmara" (e até Assembleias Municipais, Serviços Mucipalizados e outros serviços camarários), quando estas entenderam imprimir uma dinâmica tendencialmente empresarial à sua actividade. O Brasão identifica a Vila e o Concelho, o logotipo identifica o órgão autárquico. Em Portugal o Concelho é uma divisão territorial administrada por um Município sendo este uma autarquia local (tal como a Freguesia) que reúne os órgãos autárquicos Presidente da Câmara, Câmara Muinicipal e Assembleia Municipal. Quem vai utilizar, segundo a lógica e o direito, o logotipo acima?

08 outubro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - II


A ALCÁÇOVA E A VILA AMURALHADA
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Numa descrição do IGESPAR (nota Histórica-Artística) pode ler-se: «O castelo gótico de Alenquer organizava-se em dois recintos diferenciados: no nível superior, ajustando-se à topografia do terreno, localizava-se a alcáçova (1); no inferior, abrangendo uma área mais vasta, desenvolvia-se a cerca que protegia o primitivo aglomerado urbano».
Bom, este era o «castelo gótico», porque, como confessa o autor da ficha, «sobre a configuração das anteriores fases da fortaleza nada sabemos». Olhando a gravura abaixo, verificamos que o castelo se situava na colina ao lado duma outra encimada pela igreja e convento de S. Francisco, aquela mesma onde hoje se situa o edifício dos Paços do Concelho e onde é montado o tradicional Presépio que em Dezembro se ilumina e é objecto de divulgação televisiva. Com esta explicação pensamos que quem nos lê e não é natural daqui, ficou melhor elucidado quanto ao local objecto deste escrito.
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- Gravura editada pela C.M.A. (encarte de postais) que sabemos ser da autoria de Mestre João Mário. Uma tentativa (séria) de reconstituição histórica da vila medieval (séc. XIV) com base em escritos antigos, no que terá tido a colaboração do historiador local Rodrigues Guapo.
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Quanto a «antigas configurações», elas são bem prováveis, pois trabalhos arqueológicos efectuados no espaço ocupado pelo castelo e respectivos achados, permitiram concluir que, desde tempos remotos, por aí se estabeleceram outros povos, beneficiando das óptimas condições estratégicas que esta elevação sobranceira ao rio oferecia.
Segundo Maria Gertrudes Azinheira Branco (2) no Castelo/Porta da Conceição «elevação sobranceira dominando o meandro do rio» terá existido um povoado castrejo, fortificado ou não, como os dos vizinhos castros da Ota, Pedra de Ouro e Alto do Pedregal.
Os romanos também por aqui estiveram. Sem querermos entrar na polémica que ora coloca a cidade de Jerabriga, ou Ierabriga, nas proximidades de Alenquer (bairro de Paredes), ora em Povos, mencionaremos os escritos de Bento Pereira do Carmo, citado por Guilherme J. Carlos Henriques em A Vila de Alenquer, que referem terem sido encontradas, no alto da colina, muitas moedas dos imperadores Trajano, Adriano e António Pio, quando aí se fizeram «algumas obras com que se pensou fazer rosto à invasão francesa», para concluirmos que aí terá existido um posto de vigilância ou um castrum (castelo) romano.
Recuando na fita do tempo, indiscutível foi, também, a presença dos Alanos (Alan Kerk - castelo dos alanos?), e, em tempos mais próximos, a presença mourisca cujo castelo foi tomado por D. Afonso Henriques em 1148.
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- Traçado publicado por Luís Venâncio em Alenquer - Concelho Multissecular e Monumental - Este traçado mereceu a concordância de João Pedro Ferro na sua Alenquer Medieval (salvo erro, o desenhador foi Isidoro Guerra).
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Portanto, terá sido a partir da primitiva acrópole, depois alcáçova de alanos, mouros e cristãos que o povoado foi crescendo. Primeiro intra-muralhas, projectando-se para Norte, zona mais agreste onde se fixaria a Judiaria (curiosamente, quase toda a área que corresponde à antiga vila amuralhada é conhecida como Bairro da Judiaria, mas esta só ocupava a zona mais a Norte, espaço ainda mal definido...), acabando por preencher a cerca do castelo até aos seus limites. Depois, após a Reconquista, a vila «saltaria»  as muralhas e esparramar-se-ia monte abaixo a partir de uma eminência coroada pela Igreja e Convento de S. Francisco.
E foi a partir destes «dois núcleos geradores», a «acrópole castreja e o agregado conventual de S. Francisco» que a vila partiu ao encontro do rio, ocupando primeiro a sua margem direita, para mais tarde se fixar trans amnem, além do rio, dando origem ao Bairro de Triana.
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- Gravura de Ribeiro Cristino que eu dato como anterior a 1870, uma vez que ainda não representa a Aula Conde Ferreira. Nesta gravura pode observar-se que a muralha já quase não existia, mas bem lá no alto ainda sobressaia um pedaço significativo da alcáçova.
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(1) - Alcáçova - Do árabe al-qasbah (cidadela). Em arquitectura militar é a zona situada na cota mais elevada e mais protegida dentro do castelo medieval ibérico (em árabe alcácer), com funções de defesa e onde residiam as autoridades. Mais tarde passou a designar o complexo residencial do castelo medieval onde, habitualmente, residia o alcaide ou governador.
(2)- BRANCO, Maria Gertrudes de Azinheira, A Pedra de Ouro (Alenquer): Uma leitura actual da Colecção Hipólito Cabaço, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2007, Dissertação de Mestrado em Arqueologia.

13 setembro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - I

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DOIS ESCLARECIMENTOS PRÉVIOS
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O Castelo de Alenquer é uma não evidência. Como assim? Porque durante séculos existiu, mas vicissitudes históricas várias, sobre as quais falaremos oportunamente, conduziram ao seu desaparecimento. Assim sendo, quem lhe quiser apanhar o rasto terá que procurar bem, até encontrar as últimas pedras que por aí sobraram. 
O visitante que sobe à vila alta pela Calçada Damião de Góis, ao chegar ao alto depara-se com o trecho amuralhado que abaixo reproduzimos e que os alenquerenses conhecem como Arco da Conceição. Então, julga ter encontrado o Castelo, mas... Puro engano e primeiro esclarecimento: Trata-se de uma reconstituição (mais ou menos correcta...), das muitas que ocorreram na primeira metade do século passado, tão ao gosto do Estado Novo salazarista que não concebia vila sem o seu castelo altaneiro.
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O contexto em que tais obras avançaram, foi o das comemorações do «duplo centenário», o da fundação da nacionalidade (1140) e o da independência (1640). Com pompa e circunstância o País comemorou a dupla efeméride e, a Alenquer, como nos conta o Dr. Luciano Cordeiro em artigo publicado na Revista dos Centenários (n.º24 de 31/12/1940), couberam as seguintes obras que dignificariam e imortalizariam o nosso passado histórico:
« (...) as suas ruínas evocativas da fundação da nacionalidade vão ser restauradas. O arco da Conceição, por onde D. Afonso Henriques entrou quando da tomada da vila e que ainda ostenta restos de frescos pintados na sua volta, vai ser desobstruído, ficando a ver-se na sua sobriedade hercúlea justificativa do longo cerco que o nosso primeiro Rei teve de manter à vila e que por fim foi por ele próprio comandado.
A célebre casa da Torre - Torre da Couraça- sobre a qual o mau gosto utilitarista do século passado foi construir uma casita em substituição do seu terraço ameiado [outro mito, este o das ameias, mas, esteticamente, podia lá conceber-se uma torre sem ameias...], vai ser restituída à sua foram original [ não o foi, a casa já caíu e um qualquer dia cai o resto...].
Segundo o Dr. Filipe Rogeiro em Alenquer Desaparecida «Em Maio de 1940 iniciaram-se  os trabalhos de demolição destas casas [fotografia abaixo], com o objectivo da reconstituição da Porta e antiga Ermida de Nossa Senhora da Conceição e muralha adjacente, por forma a dar-lhes o aspecto que teriam na Idade Média»
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Ainda segundo o mesmo autor: «Os trabalhos são executados pela Direcção dos Monumentos Nacionais, sob a orientação local do Dr. Luciano Ribeiro e de Hipólito Cabaço. (...) uma casa de habitação é demolida para que esta parte da antiga muralha da vila seja reconstituída. Os últimos ocupantes são José Mouguelas e sua mulher, a «Chica do Arco».
Ainda sobre este assunto (e, já agora), aqui fica, também, o que Guilherme João Carlos Henriques deixou escrito no seu A Vila de Alenquer (pág. 37):
«Anterior ao anno de 1740 havia sobre este arco um quadro representando Nossa Senhora da Conceição, bastante antigo, porém pouco notável. Próximo áquelle anno, alguns devotos recorreram a esta Senhora nas suas aflicções, e achando bom resultado da sua intercessão, espalharam a fama dos benefícios recebidos. Acudiram mais fieis; e pouco a pouco se juntou uma grande porção de objectos promettidos, que os devotos penduravam na parede em redor do painel. O dr. Domingos Ribeiro Pimentel, então prior da Varzea, vendo que a devoção augmentava, mandou fazer sobre o arco uma capella, na qual collocou o quadro, e uma casa de residencia, importando tudo em 400$000 réis. A capella está profanada [deixou de estar ao culto] há muitos annos, e, bem como a casa, pertence á junta de parochia de Triana [correspondia às actuais Juntas de Freguesia].
Debaixo de a capella está a antiga porta da praça. De um lado ainda se conhecia ha pouco tempo a cavidade onde trabalhava o couceiro da porta, e a abobada via-se que tinha sido ricamente pintada».
Passando ao segundo esclarecimento, ele surge aqui porque alguns amigos meus, não naturais da vila, mas que para aqui vieram residir há já algum tempo, em distintas ocasiões,  curiosos em saber qual o traçado das muralhas do antigo castelo, mostravam-se um pouco baralhados com aqueles «muralhas» que viam junto ao infantário da Misericórdia, na variante que conduz à vila alta.
Ora acontece que essas «muralhas» não o são, nem pertenceram ao castelo. São, isso sim a cerca do antigo Convento de Nossa Senhora da Conceição da Ordem de Santa Clara, casa religiosa fundada nesta vila por João Gomes de Carvalho, no séc. XVI, fidalgo da casa de D. João III e camareiro do Infante D. Henrique.
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- Travessa da Cerca no Bairro de Terreirinho, antiga freguesia de S. Pedro - Vila Alta de Alenquer
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- Estas deveriam ser as entradas principais do Convento, ao alto da Rua 1.º Sargento Arnaldo Mota, sítio da Cerca, Vila Alta de Alenquer
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Acima mostramos alguns troços que subsistem dessa imensa cerca que se oferece à vista de quem suba às alturas de S. Francisco para depois descer ao Bairro de Terreirinho e caminhar na direcção da Barroca (sobre o ribeiro de S. Benedito), ou, então, a partir da «Variante» (Rua Tenente Valadim) suba a Rua 1.º Sargento Arnaldo Mota, onde se situa o quartel da GNR.
Pouco sobra hoje deste Convento que, no ano de 1553 acolheu a «madre soror Anna do Espírito Santo, natural do Funchal» que «veio dar começo à casa» que viria a ser muito protegida pela Rainha viúva [de D. João III] D. Catarina, que «quando residiu n'esta villa por causa da peste, (naturalmente a de 1569), visitava-a diariamente, e projectava edificar uma enfermaria e dilatar mais as officinas». Também por esses anos, seu filho, o Rei D. Sebastião, de igual modo muito afeiçoado à vila de Alenquer, «deu ao convento uma propriedade vizinha que se chamava a Freiria por ter pertencido aos Freires de Cristo, e a mercê foi depois confirmada pelo cardeal rei D. Henrique», sendo curioso que a memória colectiva local ainda guarda hoje esse topónimo Freiria que corresponde a quintais e casas que se situam entre S. Pedro e S. Francisco. 
Consultando as memórias paroquiais de 1753, Inquérito às Paróquias ordenado pelo Marquês de Pombal pós-terramoto, verificamos que este Convento sofreu sérios danos com o Terramoto de 1755. Sobre isso escreveu o prior de S. Pedro, Pedro da Sylveira:
«A [igreja] de Sam Françisco, e parte dos dormitorios do convento tambem ficaram quazi destruidos, a do mosteiro das freyras [o de que falamos] tambem com perigo prinçipalmente no coro, e os dormitorios ameasando grave ruina(...)».
Mal saradas as feridas do grande terramoto conheceu a vila de Alenquer toda a brutalidade das invasões francesas. Sobre o que então aconteceu, escreveu Guilherme João Carlos Henriques:
«Na ocasião da invasão franceza, de 1810 e 1811, as freiras retiraram para o Convento de Santa Anna, em Lisboa, e a tropa invasora, alojando-se na casa, incendiou-a casual ou intencionalmente. Anos depois achando-se as religiosas reduzidas a duas, ambas de avançada idade, uma das quaes era a abbadessa, a Junta de Melhoramentos deu por extincto o convento das Freiras, em Alemquer, adjundicando as rendas d'elle ao Convento da Castanheira, e mandando proceder á venda do edifício».
Terminando, diremos que um dos proprietários do Convento foi o industrial Augusto Lafaurie (e depois sua filha Maria Carolina) que trouxe para esta vila a indústria dos lanifícios, aqui fundando a Fábrica do Meio, do Lafaurie ou da Companhia, nomes porque foi também conhecida. Sendo este e seu irmão praticantes da religião reformada, pediram e obtiveram licença para aí construírem mausoléus onde viriam a ser sepultados, já que o não poderiam ser em chão sagrado.

09 setembro, 2012

FALECEU O PADRE ZÉ


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PADRE JOSÉ EDUARDO FERREIRA MARTINS
UM ALENQUERENSE POR ADOPÇÃO
A QUEM A NOSSA VILA MUITO FICOU A DEVER
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Não foi uma notícia que nos tenha apanhado de surpresa porque há muito que sabíamos do seu grave estado de saúde. Mas, quando estimamos alguém, tentamos acreditar que o pior nunca virá a acontecer, daí que, quando ontem à noite cheguei a casa após um curto período de férias e abri o computador, tenha ficado tristemente surpreendido com a notícia que circulava: O Padre Zé havia falecido nessa manhã de sábado.
José Eduardo Ferreira Martins, nasceu no dia 22 de Agosto de 1934 no lugar de Pé de Cão, freguesia de Olaia, concelho de Torres Novas. Alcançou o sacerdócio após estudos nos seminários de Santarém, Almada e Olivais, rezando «Missa Nova» no dia 24 de Agosto de 1958.
A sua vida sacerdotal iniciou-se com uma curta permanência em Tomar, após o que, no dia 1 de Outubro de 1961, tomou posse das paróquias de Aldeia Galega da Merceana e Aldeia Gavinha. Seis anos esteve na primeira e catorze na segunda, vindo a assumir as paróquias de Alenquer no dia 5 de Outubro de 1975, para aí permanecer até à sua substituição por limite de idade.
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-Meados dos anos 60 - Partida de futebol entre antigos e actuais alunos do Externato Damião de Góis - Em pé, penúltimo da fila.
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Mas um contacto mais próximo com a vila de Alenquer aconteceria mais cedo, pois logo em 1963 o Padre Zé viria para o Externato Damião de Góis ensinar, primeiro Religião e Moral, depois esta disciplina, História e  Geografia. Com a retirada do Padre Joaquim Maurício, em 1968, assumiria o Padre Zé as funções de Director que exerceria até 1973.
Ainda como professor de Religião e Moral, leccionou na Escola do Ciclo Preparatório desde a sua criação e, mais tarde, também na Escola Secundária até 1995, quando então se reformou como professor.
Escrevemos em título que a vila de Alenquer muito deve ao Padre Zé. Na realidade assim é, pois quando se tornou pároco desta vila, o estado de conservação do património religioso edificado não era nada brilhante, uma vez que tudo ou quase tudo ameaçava ruína.
O seu gosto pela reconstrução e restauro havia-o já exercido em Aldeia Galega com pequenas intervenções e em Aldeia Gavinha com uma obra de restauro de grande vulto. Em Alenquer, foram objecto de grandes intervenções a Igreja e Convento de S. Francisco, o Oratório de Santa Catarina, a Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Triana (esta uma autêntica ruína e servindo de armazém), a Igreja do Espírito Santo e Arcada anexa, bem como o Palácio dos Lobos, na Rua Triana, Centro Paroquial. Era ainda sua grande ambição e preocupação o restauro do tecto da Igreja da Misericórdia, obra que infelizmente já não chegou a promover.
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A História Local foi desde sempre uma das suas grandes paixões, e, no que a tal respeita, deixou-nos um significativo legado, quer em colaboração com os seus amigos António de Oliveira e António Guapo  - "O Concelho de Alenquer" - 4 Volumes -, quer a título pessoal como é o caso do seu último livro "Alenquer 1758 - O Actual Concelho nas Memórias Paroquiais", por si transcritas e organizadas em precioso volume que a Arruda Editora deu à estampa para conforto de todos nós, amantes do passado alenquerense.
Pessoalmente sinto que perdi um amigo. Penso que eu e minha mulher fomos o primeiro casal de antigos alunos do velho Externato que ele uniu pelo sacramento do matrimónio, do mesmo modo que baptizou os nossos dois filhos, um acto de extrema generosidade, já que não somos assíduos da prática religiosa.
Nestas ocasiões costumamos desejar que quem partiu descanse em paz, mas sei que assim não vai acontecer, pois lá em cima, no lugar eterno que o acolheu, tudo vai andar em obras, ou de outro modo esse não seria o seu Paraíso. Até um dia Padre Zé, se Deus assim o quiser.
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A toda a sua família, em especial a seu irmão Álvaro meu amigo da música e de outras coisas, manifesto o meu mais sincero pesar.
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Para este escrito consultei a brochura editada pela "Presépio de Portugal" quando das Bodas de Ouro do seu sacerdócio.                                                                                    

03 setembro, 2012

POSTAIS À EDILIDADE - I


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«PODE HAVER FALTA DE DINHEIRO. O QUE NÃO PODE HAVER É FALTA DE AMOR PELA TERRA» - Jayme de Vasconcellos - Administrador do concelho de Alenquer em 1823.
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O ARCO DOS PINÉUS

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Cantado por poetas, imortalizado por pintores, o Arco dos Pinéus, um dos ex-libris da vila de Alenquer, está neste bonito estado que não se vê! 
No entanto, esta pitoresca travessa da Vila Alta é um daqueles recantos que ficam na retina do turista ocasional, não escapando, certamente, ao olhar dos muitos romeiros à capela da Sãozinha, que abandonando o autocarro no largo da Câmara calcorreiam as ruelas que os levam às alturas de S. Francisco.
Mas a casa em mau estado, à esquerda, é de um particular que não quer ou não pode cuidar melhor dela... Então a Câmara que dê uma mãozinha de cal ou de tinta, que providencie um jardineiro ou afim, que trate da calçada. Pode fazer tudo isso por pouco dinheiro e o Arco dos Pinéus passará a ficar bem na fotografia.
Pedindo desculpa pelo tempo roubado, solicito deferimento para esta sugestão, certo de que Alenquer merece o incómodo que vos estou a causar.
                                                          José Lourenço                                

07 agosto, 2012

FILATELANDO...

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UMA NEGOCIATA DE SELOS NO SÉC. XIX
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Lançado no dia 1 de Maio de 1840, o «penny black» inglês terá sido o primeiro selo adesivo do mundo. A este seguiram-se os das emissões cantonais  suiças em 1843 e o «olho de boi» brasileiro também em 1843 (série de 3 selos).


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Em Portugal, o primeiro selo a entrar em circulação foi o de 25 réis, azul, com a efígie da rainha D. Maria II em relevo, o que aconteceu no dia 1 de Julho de 1853. Para o efeito foi comprada em Inglaterra, na casa Dryden Brothers & Lambeth, uma máquina com os cilindros lisos, onde o gravador Francisco Borja Freire abriu a efígie da rainha. A sua produção foi iniciada em Maio de 1853 e os selos foram impressos em folhas de 24 selos.
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Muito rapidamente o selo postal apareceu na generalidade dos países, e, com ele, nasceram os  primeiros coleccionadores. Para muitos, John Edward Grey, um inglês que começou a sua colecção em 1840, é tido como o primeiro coleccionador. Para outros (Luís Eugénio Ferreira em "Um certo olhar pela Filatelia") o primeiro coleccionador terá sido Luís Vitzel que viveu em Lille, França, e que desde 10 de maio de 1841 recolheria «vinhetas inglesas criadas por Rowland Hill».
Em 1860 o número de coleccionadores de selos em França seria já tão numeroso que acabou por ser criada a Bolsa do Selo nos Jardins das Tulherias, e, em 1861, surgiria em Estrasburgo o primeiro «Catalogue de Timbres-Poste». No final do século XIX o coleccionamento de selos estava suficientemente difundido para que possamos entender a história da negociata que de seguida transcrevemos e veio publicada no Jornal de Alemquer, n.º 62 de 14 de Março de 1889, numa secção intitulada "Correio de Lisboa":
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«Alguns jornais da oposição têm-se referido à venda de cerca de 160 contos de selos do Ultramar, velhos e inutilizados, pela soma de 3.150$000 rs.
Este escândalo, como dizem os referidos jornais, veio provar mais uma vez o provérbio de: «quem não sabe ser mestre, fecha a loja».
O sr. Faustino Martins, com tabacaria na Praça de Camões, negoceia há muitos anos com a venda e compra de selos antigos, estando muito bem relacionado com os negociantes deste género em outros países.
Como este comércio rende menos mal, porque a mania de coleccionar selos velhos cada vez se desenvolve mais, os srs. Castello Branco e Oliveira, amanuenses da repartição do Correio, organizaram um sindicato [leia-se sociedade] para empalmarem o negócio ao sr. Faustino guerreando-o nas compras de selos, fazendo-lhe picardias, escrevendo aos negociantes estrangeiros oferecendo-lhes melhores vantagens, etc.
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No entanto, na Casa da Moeda havia uma grande porção de selos antigos que iam ser queimados e, o sr. Faustino, em vez de se entender com a direcção dos Correios para a compra dos referidos selos, onde sabia lhe levantariam mil dificuldades e chicanas, fez a proposta ao Ministério da Fazenda, que, depois de ouvir o director da Casa da Moeda, mandou vender por 3.150$000 os selos velhos que estavam condenados a serem queimados.
Mas o sr. Faustino andou tão habilmente com as negociações no Ministério da Fazenda, guardou tanto segredo, que o sindicato dos amanuenses do Correio só teve conhecimento da compra muito depois dos selos se acharem em poder do sr. Faustino.
Imagine-se a berrata do sindicato, berrata que passou dos corredores das repartições para as colunas dos jornais,
É caso para lhes dizer: - assobiem-lhe às botas!