26 outubro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - III


O CASTELO DE ALENQUER - AS SUAS PORTAS E POSTIGOS
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Na gravura abaixo que datamos do séc. XVI por lá estar, em 14, o moinho de papel de Manuel Teixeira(1), poderá o nosso leitor verificar que, esquematicamente, o recinto amuralhado tinha a forma de um semicírculo ou crescente (algo imperfeito), sendo visíveis em 2 e 3 as duas principais portas da vila que, por assim o serem, denominavam-se portas de armas. Uma conhecida como "da Vila" assinalada com 2. Outra, conhecida como"do Carvalho", mais tarde como de "Santo António" e mais modernamente, "da Conceição", assinalada com 3. 
Quanto a postigos, o mais importante, assinalado em 4, situava-se mais ou menos por cima do local onde na actualidade se monta pelo Natal o monumental Presépio e dava acesso a um íngreme carreiro que conduzia ao rio. Um outro situava-se em 6, frente à já desaparecida igreja de S. Tiago. Este último, talvez não fosse bem um simples postigo, mas sim a chamada porta da traição, nome dado num castelo à porta com menor tamanho, na medida do possível dissimulada e situada distante da(s) portas  principais e em sentido oposto ao da localização daquelas,  aberta na muralha à medida de uma qualquer emergência (de notar que estes pressupostos nem sempre se verificavam cumulativamente).
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- Alenquer medieval - Desenho de Mestre João Mário para uma publicação da C.M.A.


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A implantação da fortaleza neste local tornava-a, como se verificou mais de uma vez, praticamente inexpugnável(2). De facto, as suas duas principais vertentes eram bastante íngremes e facilmente defensáveis para os sitiados. Também o acesso às suas principais portas era, como o lembra Guilherme João Carlos Henriques na sua obra A Vila de Alenquer, bastante mais acentuado e difícil do que o é hoje.
A porta da "Vila", abaixo representada, situava-se (o que dela restava desapareceu quando da construção dos actuais Paços do Concelho, nos finais do séc. XIX) no local onde hoje termina a Igreja da Misericórdia, na Rua Maria Milne Carmo que dá acesso ao bairro da Judiaria. A ela se acedia subindo do rio pela hoje chamada Calçada Francisco Carmo, vulgo "Calçadinha". Para quem já experimentou, uma subida longa e difícil, actualmente um pouco suavizada em relação aos tempos a que nos reportamos.
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- Porta da "Vila"- Aqui a preto e branco, mas, na realidade, trata-se de uma aguarela do artista Ribeiro Cristino.
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- Fotografia de autor desconhecido publicada por Luís Venâncio em Alenquer, Concelho Multissecular e Monumental - Vila Alta de Alenquer (último quartel do séc. XIX), antigo largo medieval, hoje denominado Praça Luís de Camões, vulgo "Largo da Câmara".
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Na fotografia acima referida identificamos:
1 - A porta da "Vila" ou o que nos finais do séc. XIX dela restava (demolida);
2 - As antigas Casas da Câmara (demolidas);
3 - O Celeiro das Jugadas, que foi, também quartel e teatro (demolido);
4 - A Igreja de S. Pedro;
5 - O largo medieval, com o seu pelourinho e onde se situava a ermida de Nossa Senhora do Monte Carmo (demolida);
6 - A sacristia da Igreja da Misericórdia, cuja empena se vê na gravura abaixo (demolida);
7 - A Igreja da Misericórdia;
8 - O antigo Hospital da Misericórdia, prédio onde hoje se encontram os serviços administrativos da Misericórdia (antiga Tipografia A Central), a Liga dos Amigos de Alenquer e o Teatro Ana Pereira.
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- Antigas Casas da Câmara, e, em primeiro plano a Sacristia da Igreja da Misericórdia - Gravura publicada por Luís Venâncio em Alenquer, Concelho Multissecular e Monumental.
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Falemos agora da Porta do "Carvalho", de "Santo António" ou da "Conceição", hoje simplesmente "Arco da Conceição". Esta era a porta que se situava mais próximo do rio, e, sendo este navegável, pelo menos durante os primeiros reinados da I Dinastia, seria por aqui que entravam e saiam as mercadorias  transportadas por barco.
A teoria é minha e necessita, obviamente, de confirmação, mas como em tudo impera a lógica... 
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  - Arco da Conceição - Fotografia sem indicação de autor publicada na "Revista dos Centenários" (nº.24 de 31/12/1940), logo anterior à intervenção havida que lhe deu os actuais contornos arquitectónicos.

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Próximo desta porta, à distância de vinte passos fica a Torre da Couraça, monumento onde são reconhecidos dois níveis de construção: um, o superior, de finais do séc. XIV, outro que se supõe remontar à presença dos mouros na vila.
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- Acima, fotografia publicada na "Revista dos Centenários (n.º24 de 31/12/1940) sem indicação de autor. A habitação que se vê coroando o seu topo é do séc. XIX. Abaixo, ilustração da Wikimedia Commons onde se pode ver a "couraça" de um castelo medieval.
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Seria, inicialmente esta torre uma construção de apoio às actividades portuárias ou uma contrução para defesa do porto? Como no seu interior existia uma copiosa nascente, teria sido ela construída para sua defesa? Esta nascente era muito importante já que o castelo tinha como ponto fraco a inexistência de mananciais de água, pelo que, interiormente, só existia a que era recolhida nas cisternas. 
Vejamos o que sobre ela, a Torre, nos diz Guilherme Henriques na sua obra A Vila de Alenquer:
«Espalhadas pela parede ha diversas figuras [leia-se inscrições, uma delas com a data de construção], e nas pedras aparelhadas dos cunhaes ha muitos dos signaes mysticos que são tão frequentes nas obras de pedreiro d'aquella epoca. A era de 1421 corresponde ao anno de Crhisto de 1383, e, sendo aquella a verdadeira leitura, prova que esta parede da nascente foi feita por ordem da rainha D. Leonor Telles, quando retirou da capital para esta villa, depois da morte do conde d'Andeiro, sendo possível que as outras duas paredes, que diferem bastante na qualidade do material empregado e na mão d'obra, já estivessem feitas. Mas pode ser que haja mais duas unidades na era; e n'este caso, já seria obra de D. João I».
No que respeita a esta Torre da Couraça por aqui nos ficamos, pois não queremos terminar este post sem desfazer uma confusão criada por Guilherme João Carlos Henriques na obra que temos vindo a citar, ao trocar o nome às portas. A porta do "Carvalho" é efectivamente esta que depois veio a ser de "Santo António", depois ainda da "Conceição", e não a outra, lá em cima, junto às Casas da Câmara que, definitivamente, era a da "Vila"  e não do"Carvalho" como o escreveu o historiador da Carnota e a partir daí tem sido repetido como coisa certa.
E é assim porque é essa a denominação com que Fernão Lopes na sua Crónica de D. João I a referencia a propósito do episódio  do épico do cerco posto pelo Mestre de Avis em que viria a ser fatalmente atingido o seu jovem companheiro de armas Afonso Henriques. Mais, Fernão Lopes diz que esta porta se chamava do "Carvalho" por aí perto existir um soberbo exemplar de árvore desta espécie.
Mas outras referências encontrámos que corroboram a opinião do cronista: O Padre António Carvalho da Costa, na sua "Corographia Portugueza e Descripçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal», publicada em 1712, escreveu que a vila «He cercada de muros com duas portas principaes, a da Villa, q está na praça, e a de Santo Antonio, chamada antigamente do Carvalho, que vay para a ponte da Coyraça». O Padre Luiz Cardozo, por sua vez, escreveu no seu "Diccionario Geografico, publicado em 1747, referindo-se ao castelo, que era fortaleza «ja hoje com muitas ruinas; mas ainda com inteira fórma se conservão com Castello, torres, baluartes, e cortinas; e com cinco entradas, duas principaes entre torres, huma junto ao Castello, e duas em huma cortina. Pouco abaixo da porta chamada da Villa se demolio por industria um pedaço de cortina para passarem as carruagens com mais facilidade, e he hoje a mais frequentada passagem que ha de fóra para dentro dos muros. Por fóra da porta do Carvalho, e na sua barbacã, se levanta da margem do rio uma couraça(...)». Pinho Leal no seu "Portugal Antigo e Moderno" de 1873, sobre isto, escreveu (com toda a probabilidade baseado na leitura dos autores anteriormente citados, mas escreveu): «O castello, se não foi fundado pelos romanos, foi-o pelos alanos; pois já existia quando em 715 os árabes se apossaram da Luzitania. As muralhas que cingiam a villa foram edificadas pelos mesmos que edificaram o castello. Tinham tres portas, a da VIlla (na praça) a de Santo Antonio (que primeiro se chamou Carvalho, por ir para a ponte do Carvalho e a de S. Thiago; álem de alguns postigos». Por último, embora outras citações fossem possíveis, Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues, em 1904 no «Portugal, Diccionário Histórico, Chorographico, Heraldico (etc.)», escreveram: «As muralhas antiquissimas, que datavam do tempo da construcção do castello, e de que hoje restam apenas vestigios, tinham 3 portas e alguns postigos: a da Villa (na praça), a de Santo António (que primeiro se chamou Carvalho por ir para a ponte d'este nome), e a de S. Thiago [porta da traição?]» (teriam eles lido Pinho Leal?). Seja como for, parecem não subsistir dúvidas.
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(1) - Moinho de Manuel Teixeira, um dos primeiros moinhos para o fabrico de papel a laborar em Portugal, mediante alvará com força de carta datado de 22 de Maio de 1565, assinado por D. Sebastião.
(2) - Assim aconteceu em 1148 quando resistiu ao cerco de Miramolin de Marrocos após a batalha de Santarém; Depois quando do conflito que opôs D. Sancho II  as suas irmãs D. Teresa e D. Sancha, esta última senhora da vila; mais tarde, por várias ocasiões, quando da Revolução de 1383/85, sendo alcaide Vasco Perez de Camões e sua senhora D. Leonor Teles, o que muito enfureceu o Mestre de Avis que teria mandado abater os cunhais que sustentavam a Torre de Menagem; por fim teria o castelo sofrido obras de reparação quando nele se refugiou a sua senhora, a rainha víúva de D. Duarte, D. Leonor, com seu filho o futuro rei D. Afonso V, por temer que algum mal lhe viesse do regente, o príncipe D. Pedro.