10 outubro, 2012

No passado e no presente...

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O BRASÃO DE ARMAS DA VILA DE ALENQUER
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Um dia destes, perguntava-me um amigo se o brasão de Alenquer não teria que ser corrigido, uma vez que as freguesias eram agora 16 e não 14 conforme as rosas que lá se viam. Na verdade, muitos são os alenquerenses que associam as rosas às freguesias. Porém, elaboram em erro, uma vez que elas, heraldicamente, assumem um outro significado, como veremos.
Mas antes de lá chegarmos, recuemos um pouco para falarmos do anterior brasão de armas da vila, aquele que de seguida vos mostramos.
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Conforme nos dá a conhecer Affonso Dornellas em parecer apresentado à Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos Portugueses «Ignacio de Vilhena Barbosa, na sua obra As cidades e vilas da Monarchia Portugueza que teem brazão d'armas, Lisboa, 1860, diz que as Armas de Alemquer constam do seguinte: - em campo de prata um cão pardo preso a uma árvore com um grilhão de ouro».
Temos pois uma árvore e um cão, e, ao que parece, a presença de ambos os motivos não é pacífica...
Voltando ao mesmo documento, logo aí diz o autor do parecer que «Aqui é o castelo substituído por uma árvore, o que é difícil de explicar, pois se no ofício a que acima me refiro, em 1855, não se faz referência à árvore, como é que em 1860, cinco anos depois, aparece a torre substituída pela árvore?
Enfim, acontece em Alemquer, sobre a heraldica que a simbolisa, o que acontece em muitos outros municipios da mesma antiguidade, pois que no decorrer dos séculos tudo evoluciona».
No que diz respeito ao cão - o Alão da lenda que entregou a chaves do castelo a D. Afonso Henriques - também algumas dúvidas se levantam. Ora vejamos: «Rodrigo Mendes Silva, na sua obra Poblacion General de España, sus trofeos, blasones, etc., Madrid, 1645, diz que Alemquer - Haze por armas, en escudo un alano pardo, aludiendo al nombre-. Este autor é considerado uma autoridade.
Em 26 de Outubro de 1855 a Câmara Municipal de Alemquer escreveu um oficio à Câmara Municipal de Lisboa (...). Por este ofício se verifica que tanto no arco de Santo António [ que alguns querem que seja "do Carvalho" mas não é, nem nunca foi...] como no arco da Conceição existiam cães esculpidos e parece que isolados. Também no mesmo ofício ha referências a que as antigas armas da vila consistiam numa torre guardada por um cão com as chaves da praça na bôca, razão porque no tempo de D. Sebasteão, quando da construção da Ponte do Espirito Santo, foi mandada esculpir à entrada da mesma, uma torre guardada por um cão [está, actualmente no Parque Vaz Monteiro, com a pedra, literalmente, a desfazer-se. Já aqui dissemos que este marco deveria daí ser retirado e preservado para uma futura musealização, mas ninguém leu, e se leu está borrifando-se...].
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Acima, o texto citado fala-nos dos "cães" esculpidos que estavam nas duas principais portas da vila amuralhada. Cães ou gatos? O artista não era muito hábil e o tempo já desgastara as formas. Ainda conheci um deles, cuja origem poderá remontar à presença dos Alanos na vila, povo que tinha como animal sagrado o gato, daí a dúvida. Esse exemplar fazia parte da colecção Hipólito Cabaço e, quando esta foi adquirida pela nossa Câmara, o "Museu do Calhau" (nome dado pelos alunos do antigo Externato Damião de Góis) por lá ficou encaixotado [destino a que não foge...] na antiga Casa da Torre reconvertida em estabelecimento de ensino. Daí que, desses tempos, outros antigos alunos como eu se possam recordar de mais esse "calhau" com forma de cão ou de gato.
Mais tarde, quando de um arranjo do Parque Vaz Monteiro, alguém, bem intencionado certamente, achou que essa e outras pedras, algumas com a forma de pedras de armas, seriam interessantes para ornamentarem os canteiros. Assim, o gato, provavelmente alano, pastou na relva tenrinha por alguns anos... até que um amigo do alheio se apaixonou pela sua antiguidade e o levou.
Esta é hoje a infeliz realidade deste País: tudo se rouba, daí que, quem publicamente exerce o mando, tenha que ter isso em atenção e de proceder em conformidade colocando a bom recato o que é antigo e tem valor, valor esse mais que não seja valor sentimental para uma população determinada em preservar o que as gerações passadas lhe deixaram como herança patrimonial. Fica aqui o alerta, será ele ouvido ou teremos que chorar num futuro próximo outros desaparecimentos?
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Estas são as actuais armas municipais e datam de 1935, desenhadas pela Procuradoria Geral dos Municípios que tinha pessoal especializado para executar os desenhos das bandeiras e selos, com o rigor heráldico determinado pelo então Ministério do Interior.
Após alguns trâmites foi este o parecer do já citado Affonso Dornellas, datado de Outubro de 1935:
«Em 26 de Janeiro deste ano, a pedido da Câmara Municipal de Alemquer, foi deliberado que o cão que figura nas Armas Municipais fosse andante em vez de deitado, conforme se tinha proposto no parecer inicial de 20 de Novembro de 1934.
Reconsiderou a Câmara Municipal em que, de facto, o cão deve estar deitado, não lhe aceitando a Direcção Geral da Administração Política e Civil do Ministério do Interior essa alteração sem que a Comissão de Heráldica desse o seu parecer nesse sentidos.
Ora, esta Comissão não tem mais do que renovar a sua proposta, formulada no parecer que foi aprovado em 20 de Novembro de 1934, que é o seguinte:
- ARMAS - De ouro, com um castelo de azul aberto e iluminado do campo. Em contra-chefe, um cão de negro deitado tendo a mão direita sobre a esquerda. Orla de catorze rosas [no projecto inicial eram 5] naturais de vermelho folhadas de verde. Coroa mural de prata de quatro torres. Listel branco com os dizeres "Vila de Alemquer" de negro».
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No primeiro documento, o de 1934, as Armas são objecto da seguinte explicação: «É indicado o ouro para o campo das Armas por ser o metal que na heráldica significa nobreza, fidelidade, constância, poder e liberalidade.
O castelo é de azul, porque este esmalte significa zelo, caridade e lealdade.
O cão é de negro porque este metal significa firmeza, obediência, honestidade e cortesia.
As rosas são de vermelho porque este esmalte significa vitórias, vida e alegria. o verde do folhado significa heraldicamente, esperança e fé.
O castelo representa força.
O cão representa a fidelidade, a amizade e a bondade.
As rosas representam a caridade e a pureza.
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- BANDEIRA - De azul. Cordões e borlas de ouro e azul. Haste e lança douradas.
- SELO - Circular, tendo ao centro as peças das armas sem indicação dos esmaltes. Em volta, dentro de círculos concêntricos, os dizeres "Câmara Municipal de Alemquer".».
Este parecer é ainda explícito quanto à tramitação processual para oficialização do novo brasão:
«Deverá, na acta da Câmara, que aprove este parecer, ser transcrita a descrição das armas, bandeira e selo, e enviada ao Sr. Governador Civil uma cópia autenticada dessa acata juntamente com os desenhos da bandeira e selo, com o pedido de tudo remeter à Direcção Geral de Administração Política e Civil, para, no caso do Sr. Ministro aprovar, ser publicada uma nova portaria».
De fora, ficaria uma outra pretensão camarária, a de que na bandeira fosse inscrito "Leal Vila de Alemquer»: «Quanto à inclusão da designação "Leal" como título conferido à Vila, poderá ser, se de facto existe qualquer diploma que confira essa distinção. Não tendo havido em qualquer época essa distinção conferida oficialmente, a Comissão de Heráldica da Associação dos Arqueólogos não aconselha que a Câmara Municipal de Alemquer a adopte».
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Muito recentemente, após concurso público a nossa Câmara aprovou o logotipo acima, da autoria de Carmen Luísa Teixeira Marques e Samuel Nogueira Nunes, dois designers de Lagos.
O logotipo é tido como uma «assinatura institucional», «uma representação gráfica  de uma marca», por isso no Regulamento então aprovado e divulgado se dizia que se tratava de «uma iniciativa da Câmara Municipal no âmbito do processo de criação da marca Alenquer Presépio de Portugal e que procura conferir maior visibilidade e dinâmica aos recursos socioeconómicos, patrimoniais, históricos e naturais do concelho».
Refira-se que estes logotipos começaram a ser adoptados pelos órgãos "Câmara" (e até Assembleias Municipais, Serviços Mucipalizados e outros serviços camarários), quando estas entenderam imprimir uma dinâmica tendencialmente empresarial à sua actividade. O Brasão identifica a Vila e o Concelho, o logotipo identifica o órgão autárquico. Em Portugal o Concelho é uma divisão territorial administrada por um Município sendo este uma autarquia local (tal como a Freguesia) que reúne os órgãos autárquicos Presidente da Câmara, Câmara Muinicipal e Assembleia Municipal. Quem vai utilizar, segundo a lógica e o direito, o logotipo acima?