31 dezembro, 2009

Nós por cá, todos bem...

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SOBRE A FIGURA DO "PROCURADOR DO MUNÍCIPE"

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É um facto que o munícipe, na sua relação com os serviços disponibilizados pela autarquia, nem sempre encontra plena satisfação. Por vezes as coisas emperram, por vezes há um serviço que não é prestado de modo satisfatório, outras é o agente municipal que em dia não (todos os temos...) nos despacha em grande velocidade para onde não queríamos ir, enfim poderemos imaginar uma série de situações susceptíveis de nos colocarem de candeias às avessas com a nossa estimável Câmara.
Prevendo isso mesmo, o legislador consagrou na lei que rege o funcionamento dos órgãos autárquicos - Câmara e Assembleia Municipal - um período para audição do público, ficando registadas em acta as intervenções (queixas, reparos, denúncias, etc.) dos munícipes, resultando obrigado o órgão responsável a dar-lhes merecida resposta.
Para além disto, existe na nossa Câmara uma excelente tradição de «presidência de portas abertas», da qual ouvimos tantas vezes ( e com inteira verdade ) vangloriar-se o ex-Presidente sr. Álvaro Pedro. Tanto assim era que, no decorrer da sua longa carreira presidencial, se alguém ou alguma força política se tivesse lembrado de criar esta figura, tal iniciativa teria sido por si tomada, assim o julgamos, como um grosseiro insulto...
Bom, pelo que já disse, a recente preocupação em criar este cargo no concelho de Alenquer, não sei porquê, cheira-me a tacho, a poleiro para outros cacarejares, tanto mais conhecendo eu os actuais eleitos a tempo inteiro ( e não só ) como conheço, não vejo neles pessoas para fecharem as portas dos seus gabinetes a sete chaves, e, no que concerne à oposição, não reconheço nos seus autarcas menos vontade para ouvirem as queixas e dar-lhes voz nos órgãos onde exercem o seu mandato.
Vem isto a propósito de ter tomado conhecimento da 'ordem de trabalhos' da última sessão da Assembleia Municipal onde o assunto foi presente.
Realmente isto do "Procurador do Munícipe" é algo que fica bem, ornamenta a gosto qualquer programa eleitoral que se preze, mas depois, na passagem à prática é que são o elas... De tal modo que são raros, raríssimos, os concelhos onde o lugar foi criado, sendo Cascais, praticamente, o único exemplo visível. Em muitos outros concelhos onde este assunto foi discutido e até mesmo aprovado, tudo continua à espera de melhores dias. Porque será?
Pensamos que tal se fica a dever ao seguinte:
1.º Ao que já acima dissemos. A sua criação não passaria de um atestado de incompetência ( e desconfiança ) passado aos eleitos autárquicos, cuja obrigação, afinal, é ouvir os munícipes, tarefa que nos concelhos de pequena ou média dimensão como o nosso não se afigura difícil.
2.º Porque a criação de tal lugar acarretaria despesas consideráveis. Em Cascais o "Procurador do Munícipe" é pago como um Vereador a tempo inteiro. Depois, porque, certamente, a sua criação traria consigo um gabinete composto por um técnico jurista e um administrativo, coisa pouca, para aí uns 50.000 € por ano, se a isto não juntarmos viatura para as deslocações, telemóvel, etc.
3.º Talvez o mais importante, a dificuldade em encontrar alguém com o perfil adequado ao cargo, ou seja, alguém com indiscutível prestígio social, com conhecimentos jurídicos e dos serviços camarários e sem ligações partidárias, abolutamente equidistante das forças políticas representadas e verdadeiramente independente para que a sua actuação não possa ser tomada como politiqueira e comprometida. A independência, meus amigos, será a pedra de toque para a figura de qualquer Procurador, seja ele judicial ( como ultimamente a propósito de outros carnavais temos ouvido ) ou municipal.
Um jornal local avançou como nomes possíveis para o futuro exercício do cargo os do ex-Presidente sr. Álvaro Pedro ou do ex-Vereador da oposição sr. Eurico Borlido. Pelo que atrás foi dito, uma só reacção: uma sonora gargalhada!
Avante camaradas, amigos e companheiros, que, nós por cá todos bem...
Nota: Muitas Câmaras criaram um balcão de «apoio ao munícipe» ou de «acolhimento ao munícipe» inserido ou não no seu mais amplo «balcão de atendimento único», privilegiando assim o tratamento do assunto, isto principalmente nos municípios de maior dimensão.




30 dezembro, 2009

História Local e da Região

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PEDRO VAI, PEDRO VEM...
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Sob a epígrafe "Alenquer... n'outros tempos" publicou o jornal «O Alemquerense», a partir do seu nº 192, de 15 de Novembro de 1891, as memórias de alguém que, simplesmente, assinava Um Velho. E, de facto, deveria sê-lo, pois muitas dessas interessantes memórias remontam aos primeiros tempos do liberalismo.
De uma delas, intitulada O Januário, transcrevemos o seguinte episódio ocorrido nos últimos tempos da guerra civil travada entre os liberais e os realistas:
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«Os emigrados [políticos] desta vila foram bastantes e permaneceram em Lisboa até que as tropas de D. Miguel levantaram o cerco e foram fortificar-se em Santarém. Ali procuraram pelo seu trabalho, em diferentes misteres, os meios da sua subsistência e de suas famílias, empregando-se à noite em fazerem a polícia da cidade com os voluntários dos batalhões nacionais compostos na sua quase totalidade de empregados do comércio, por isso que a tropa regular estava toda na defesa das linhas.
Levantado, pois o cerco, regressaram a esta vila, não sem receio pela proximidade das forças de D. Miguel e pelo muito tempo que estas demoraram em Santarém cercadas pelo exército constitucionalista que ansioso aguardava ordem para os atacar e dasalojar daquela vila, hoje cidade.
Por esse tempo D. Pedro IV ia amiudadas vezes ao Cartaxo, aonde estava o quartel-general, vendo um dia escrito na parede deste quartel o seguinte:
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Pedro acima, Pedro abaixo,
Nunca passa do Cartaxo.
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D. Pedro tira da carteira o lápis e escreveu o seguinte:
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Pedro vai e Pedro vem,
Há-de entrar em Santarém.
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Entrou com efeito em Santarém sem perda de soldados, porque o exército de D. Miguel retirou para Évoramonte, onde capitulou.»

25 outubro, 2009

CHEMINA - PATRIMÓNIO A PRESERVAR?

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«Cabe então proteger só o que é "antigo"? Proteger o que é antigo e só ou sobretudo porque é antigo? De modo algum. O critério de preservação há-de ser sempre o da qualidade da peça. Nem tudo o que é antigo no domínio do património histórico-artístico merece ser conservado - há que dizê-lo definitiva e corajosamente
- Pais da Silva in Pretérito Presente, pp. 24-25.
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Quanto à "qualidade da peça" diga-se desde já que, infelizmente, não é a melhor, pois o bonito edifício que se vê acima ardeu por completo há nove anos atrás e, ao contrário do da fábrica da Romeira, classificado como "Imóvel de interesse público", nunca ele mereceu essa distinção.

Este edificio onde laborou uma fábrica de lanifícios começou a ser construído em 1889 com projecto traçado por José Juvêncio da Silva, um autodidacta alenquerense a quem se ficou igualmente a dever o projecto do edifício dos Paços do Concelho. A 31 de Agosto desse mesmo ano, festejou-se rijamente o "pau-de-fileira" e, em Junho do ano seguinte, seria inaugurado.

Por obra do destino e de apertos financeiros dos sócios-gerentes, a Chemina foi adquirida pelo Município por volta do ano 2000, porque o seu executivo, com clarividência e savoir fair, viu na antiga fábrica utilidade para qualquer coisa, mas do mesmo modo que viu essa utilidade, também facilmente dela se esqueceu, como o indicia o facto de ter decorrido uma década sem que lhe haja dado qualquer destino, sem que lhe tivesse traçado projecto ( houve um, mas foi para inglês ver e benefício de quem o fez...).

Mas deixemos por agora isto de lado e olhemos para a Chemina como peça de património, para formularmos uma pergunta: Estando ela no estado em que está e atendendo ao que ela representa, valerá a pena preservar o que resta do antigo edifício industrial?

Esta mesma pergunta tenho-a eu feito directamente a algumas pessoas que invariavelmente respondem: Deitar aquilo abaixo? Nem pensar! Um edifício tão antigo...

Bom. Há coisas que felizmente os portugueses vão aprendendo, como reciclar o lixo, poupar água e... também a dar valor a tudo o que é velho, mas só porque é velho, pois ainda lhes falta mais qualquer coisa para um juízo crítico da questão. Mas convenhamos que já não é mau... Entretanto vejamos o que escreveu o Prof. Doutor Pedro Gomes Barbosa sobre esta matéria:

«(...) a realidade não se compadece com o "ideal", e não é humana e economicamente possível tudo conservar, por vários motivos que facilmente poderão ser entendidos. Desde logo, a falta de meios humanos qualificados para exercerem essas tarefas. Em seguida, as verbas sempre escassas para empreendimentos que exigem, por vezes somas vultuosas. Por fim, como um dos pontos principais, a necessidade de sacrificar parte do que Foi para construir aquilo que Será».

Realmente lendo isto e olhando para o nosso imponente e belo edifício dos Paços do Concelho, cuja construção foi acompanhada da construção da Variante que pela Vila Alta passou a ligar a estrada que vinha do Carregado à que ia para a Merceana, dou comigo a pensar quanto tudo isso custou em património que se foi: A medieval porta de Santo António ou da Vila, a Casa Velha da Câmara do século XVII, o Celeiro das Jugadas do séc. XVIII, o Largo do Pelourinho com a sua capela, o que restava da muralha até ao Arco da Conceição...

Mas a verdade é que então ninguém se preocupou muito com isso ( os jornais da época o confirmam), as coisas eram mesmo assim, o progresso não se detinha perante as pedras antigas que, no que respeita ao atrás citado, lá estão por debaixo do alcatrão que hoje forra a estrada para Torres ou em paredes e muros da velha Judiaria ou mesmo na muralha de suporte ao Largo Luís de Camões e à Rua dos Muros. Se assim não fosse, por debaixo da Lisboa actual não estaria a Lisboa setecentista caída com a Terramoto, a Medieval, a Moura, a Romana, a Fenícia... estratos e mais estratos dos quais qualquer arqueólogo em perfeito juízo foge a sete pés.

Portanto esta preocupação com o antigo é uma preocupação actual e a ela voltaremos para continuarmos a falar da Chemina.






18 setembro, 2009

ALENQUER, VILA "DONUT"?



O que é que todos os Donuts têm em comum? O Buraco! Por isso mesmo eu digo que o centro da vila de Alenquer transformou-se num grande Donut, um imenso buraco onde já ninguém vive! Os habitantes foram centrifugados para a periferia, para as novas urbanizações. Por aqui ficou o que resta da população, idosa como não podia deixar de ser, alguns serviços e um comércio tradicional decadente, um comércio que sendo por natureza de proximidade, não encontra a quem vender, porque a proximidade é... o vazio.

Como isto aconteceu? Como ninguém deu por isso?

«O que me choca, enquanto ambientalista e socialista, é o Governo do meu partido falar de ordenamento do território quando ao manipular a péssima legislação urbanística que temos, sinistra nas suas omissões sobre a economia imobiliária, mais não faz do que distribuir mais-valias urbanísticas por quem entende».

-Eugénio Sequeira - "Ordenamento e urbanismo: política, ambiente e corrupção" In Ops!, n.º4 (28 de Julho de 2009), p. 17

Foi isso, essa distribuição de "mais-valias urbanísticas" aos agentes imobiliários, aos patos-bravos do cimento, que fez nascer na periferia das cidades e vilas urbanizações e mais urbanizações onde se escoou a população que vivia nos Centros. Como?

«A legislação urbanística portuguesa de hoje em dia, em contrapartida, é uma verdadeira obra-prima da corrupção sistemática do aparelho do Estado e das Autarquias. Pode dizer-se que um especulador não teria escrito melhores leis para si mesmo. Desde que foi publicado o Decreto-Lei n.º 46/673, fazendo da privatização de loteamentos e mais-valias urbanísticas o estribo da política nacional de solos(1), uma minoria de políticos e funcionários públicos que controlam a emissão de alvarás urbanísticos e a revisão de planos de ordenamento detêm o poder quase soberano de redistribuir a riqueza nacional a favor de quem lhes aprouver, sem necessidade de prestarem quaisquer contas perante os restantes cidadãos. A perspectiva de conquistar essas "fortunas trazidas pelo vento" ( ganhos económicos não resultantes de actividades económicas produtivas da parte do beneficário ) a que se chama mais-valias urbanísticas, graças ao controlo de certos cargos políticos e administrativos atrai para a vida partidária não poucos oportunistas ansiosos por sobraçar pastas e pelouros ligados ao urbanismo. Quem paga este jogo? Quem ganha com ele?

- Pedro Bingre, "A bolha imobiliária: duas faces da mesma (falsa) moeda" in Ops! , n.º 4, p.9

Quem paga é sempre o mesmo: o Zé. Mas também as nossas vilas e cidades. Veja-se o que aconteceu à cidade de Lisboa, a capital:

«De acordo com um estudo recente (...) que visa caracterizar o mercado residencial de Lisboa, nas suas nuances, este concelho perdeu cerca de 10,7 mil residentes/ano entre 2001 e 2008, o que se traduz em termos absolutos em menos de 75.000 residentes. "Este decréscimo teve na sua origem o designado fenómeno denominado por periurbanização, caracterizado pelo aumento populacional das periferias (...).

O decréscimo populacional, influenciado entre outros factores pelo aumento da idade da vida activa, por diminuição do índice de fecundidade e de natalidade e o aumento da proporção de famílias unipessoais ( maioritáriamente constituídas por idosos ), são alguns dos aspectos apontados pela APEMIP como justificativo da diminuição do número de habitantes por fogo, tanto em Lisboa como no resto do País.).

- In Expresso Imobiliário, 13 de Setembro de 2009.

Pelo menos nisto Alenquer assemelha-se a Lisboa. Quem como eu anda por aqui há 62 anos, conhecia/conhece cada casa e quem lá morava. Cada fogo uma família! Hoje o deserto instalou-se ( não é preciso atravessar o Tejo...). A Rua Triana aquela que um dia foi a principal rua da vila, a rua mais comercial da urbe, à excepção de um moderno bloco de apartamentos, apresenta as suas casas de habitação 2/3 devolutas, as que o não estão, têm como morador(a) um idoso. Quanto às que estão habitadas, se achássemos a média etária dos que lá vivem, certamente que ficariamos (ou não) admirados ao verificarmos que os escalões etários largamente maioritários seriam os dos 50/60 e +70, portanto população idosa, por natureza com hábitos e necessidades de consumo modestos. Por isso o comércio definhou, pelo que apontar o dedo ás «grandes superfícies» é ver nelas «moinhos de vento» como adversários ( que também o são) implacáveis.

Estamos à beira das eleições legislativas e autárquicas. Quanto às primeiras, espero que o José Sócrates ainda se lembre da promessa de há quatro anos de «tornar o poder local menos dependente do imobiliário» e a retome, desta vez para a concretizar caso seja eleito. Também se não se lembrar não será por isso que deixarei de votar nele, mas terei pena.

Quanto às segundas, espero que os programas eleitorais locais acolham no se ponto «Políticas de Habitação» esta questão como uma das suas preocupações, nem que seja para as respectivas forças políticas manifestarem a vontade de procederem, quando eleitas, a um rigoroso inquérito, «porta-a-porta», que nos dê uma radiografia nítida do estado a que a vila chegou. Pelo menos era um princípio...

Nota: Ainda ficou por referir as casas degradadas, as casas de habitação que o deixaram de ser para passarem a ser de serviços, os factores desmotivadores de fixação populacional como os ilegais ( assim nasceram, assim continuam, não ponham lá moeda porque ninguém vos poderá multar ) parquímetros, supostamente a favor do comércio, objectivamente contra os moradores, em função do Regulamento que a Assembleia Municipal ainda não aprovou, isto com a soberana indiferença ( ou incompetência?) de TODA a Câmara, mesmo quando os juristas da CCDR-LVT já emitiram parecer político esclarecedor.

(1) - A Política de Solos instituída pelo Decreto-Lei n.º 794/76 de 24 de Novembro sempre foi, para todos os efeitos práticos, letra morta. O Código de Expropriações (DL 168/99), o Regime Jurídico de Loteamentos Urbanos (DL 448/91 e o Regime JUrídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (DL 380/99) configuram, na sua substância, a real política de solos do nosso país e limitam-se a seguir o espírito do diploma de 1965.

09 setembro, 2009

VAMOS ROUBAR CABRITOS AO "CHINA"?

Cidade da Nacala, no Norte de Moçambique, onde se situava o A. B. 5 ( a 15 K.)

Passaram-se agora 40 anos, e... por isso, hoje apetece-me falar desses tempos em Mueda, quando servi no Aeródromo de Manobra n.º 51, a unidade mais operacional de toda a Força Aérea Portuguesa em todos os tempos! Este Aeródromo dependia do Aeródromo Base N.º 5 em Nacala, essa "cidade" que acima vos apresento num postal de 1969.

Cheguei a Nacala em 1968, a partir de Nampula, trazido por um comboio tipicamente do séc. XIX, da boa era colonial, um comboio com máquina a lenha que, nas subidas, tinha que fazer marcha-atrás para recuperar forças que o habilitassem a ultrapassar a dificuldade. Em alternativa, circulavam umas pequenas ( quase do tamanho de um autocarro ) automotoras a diesel que, volta não volta, tinham furos... Aí todos desciam e iam ajudar a mudar a roda.

Após o meu primeiro acordar no A.B. 5, dirigi-me na companhia de outros camaradas mais antigos na unidade para o refeitório. Este refeitório era já de "paredes levantadas", mas tanto ele como a cozinha deixavam muito a desejar. Aliás, parte da cozinha funcionava ainda ao ar livre, num terreiro anexo, com panelões fervendo em cima de fogueiras. Era aí que se misturava o leite em pó à água em ebulição, após o que se adicionava o café, e, "voilá", aí tinhamos o belo café com leite que, acompanhado de pequenos pães - duríssimos porque eram de farinha de mandioca misturada com alguma de trigo - barrados com margarina, constituia a nossa primeira refeição.

Só que este café com leite, depois de confeccionado, ali ficava destapado, à espera de ser levado para dentro, para o refeitório, logo à mão de semear de qualquer comensal inoportuno. E, foi assim, que vi vir na minha direcção um alentado bode com as suas longas barbas escorrendo café com leite!!! Um dos camaradas mais antigos que me acompanhava, perante o meu ar de incredulidade, deu-me uma "tapa" nas costas e disse:

«Primeira lição: Se um dia o bode não te aparecer, não tomes o pequeno almoço pois o café com leite está envenenado!».

Pensavam que vos ia falar de guerra? Não. Vou falar-vos de comida, pois ao vinte anos a guerra não era a nossa preocupação maior, mas sim a comida. Aos vinte anos temos um estômago do tamanho do mundo!

Antes de vos levar para Mueda ainda vos quero deixar um pequeno apontamento sobre o nosso refeitório em Nacala. Havia tantas, tantas moscas, que não se conseguia comer um prato de sopa sem que antes não"aterrassem" lá dentro meia dúzia de exemplares! Mas um dia o refeitório foi modernizado e foi instalada uma cozinha a vapor. Então não é que quase não havia moscas?! Foi quando dei com um camarada de mesa esforçando-se por alcançar em pleno voo uma solitária mosquita que por ali esvoaçava. Logrado o feito, lançou-a de imediato dentro do seu prato fervente. Reacção dos companheiros de mesa: «Eh pá! Que porcaria vem a ser essa?». Ao que ele respondeu: «Desculpem lá, mas a sopa até nem me sabe bem se não tiver pelo menos uma mosca lá dentro».

Mueda... Bom, Mueda era a capital do Planalto dos Macondes e aí, a uma ponta dessa elevação, ligeiramente distanciado do Exército, ficava o nosso modesto A.M.51. Meia dúzia de aviões e hélis, pouco mais do que meia centena de homens. Também por lá a comida era pouco abundante...

Na natureza tentámos encontrar um qualquer suplemento alimentar, mas, o que por mais lá havia, a jeito de levar um tiraço, eram... corujas! Corujas? «Eh pá sabe-se lá se não darão um bom guizado?». E deram! Mas confesso que o meu atrevimento não foi além de, timidamente, ensopar o pão naquele molho tentador...

Até que um dia alguém fez um reparo: «Hoje vi o rebanho de cabras do "China" a pastar aqui perto». Houve olhares entrecruzados e um pronto: «Está feito! Vamos aos cabritos!». Alguém se lembrou dos meios: «Mas como? A pé?». Resposta do Mariano: «Falamos com o "Fittipaldi" e ele leva a Bedford».

Chegados aqui perguntarão: « Mas quem eram o "China" e o "Fittipaldi"? O "China" que por acaso era indiano, era o proprietário de uma cantina que atendia os militares portugueses pela porta da frente e os da Frelimo pela porta das trazeiras. Assim ganhava a vida e nada mal, ao que constava... O "China" tinha uma filha, que não cheguei a conhecer pois estudava na Beira ou em LM. Dizia-se que era tão feia, tão feia, que se morria de susto só de olhá-la e, talvez por isso, um jornal do "Continente" publicou uma reportagem onde se anunciava que o seu pai oferecia um Mercedes a quem se oferecesse para noivo dela. Penso que não deve ter ficado solteira...

Já o "Fittipaldi" era um nosso camarada soldado-condutor. Dizia-se que o epíteto lhe adveio do seguinte feito: Certo dia ele e a sua Bedford azul terão ido numa coluna do Exército a Mocímboa da Praia, que ficava na costa, fazer abastecimento. À vinda para cá, carregado de bombas, o "Fittipaldi" terá abandonado a coluna porque achava que ela vinha demasiado devagar, e chegou a Mueda umas boas horas antes da referida coluna. Isto não seria nada de espantar, não se desse o caso dessa "picada" não se percorrer sem emboscadas e rebentamentos de minas!

E o golpe deu-se! Escolhido o cabrito, o Paulo de faca de mato na mão saltou da Bedford em andamento e enterrou-a no tenro pescoço do dito cujo (custou-lhe um pé partido e mais alguns dias e Mueda). Pediu-se um grande tabuleiro na cozinha e os respectivos condimentos. Depois, de boleia, fez-se a viagem ao Exército e lá se assou o bicho na padaria. Foi um lauto banquete, uma festa até às tantas!

Sei que, até ao fim da guerra, tornou-se tradição «roubar cabritos ao "China"» mas reivindico, para o grupo abaixo, onde falta o "Fittipaldi", a "honra" de ter sido ele a dar início a essa «praxe»! Quanto ao "China.... Nunca deve ter dado pela falta dos cabritos, tão preocupado que andava em casar a filha!

Da esquerda para a direita: Mariano (Mec. Electricista), o vocalista dos "5 Latinos" de Setúbal que cantava bem em todas as línguas menos em português, Paulo, do Montijo, um "doente" da companhia do Sagal em tratamento em Mueda, Lucas (Comunicações), o "Maravilhas", assim chamado por andar sempre bem disposto, e, o quarto, eu próprio ( Mec. de Rádio).

30 agosto, 2009

CONTRA OS LADRÕES, MARCHAR, MARCHAR...


Que me seja desculpado o trocadilho em título, pois com o nosso hino não se deve brincar, nem foi essa a minha intenção, antes pelo contrário...
São de todos conhecidas as circunstâncias em que surgiu a Portuguesa, marcha que, com o advento da República, foi elevada a hino nacional, sofrendo então uns retoques na sua letra original dedicada aos Bretões que haviam «deitado o olho» às nossas [descuidadas] colónias africanas.
O que talvez seja menos conhecido é o facto de a Portuguesa ter estado na base de uma ordem ditada pelo governo regenerador subserviente ao rei D. Carlos, a qual veio proibir as bandas ou filarmónicas de sairem à rua, tocando.
É do jornal «O Alemquerense» a transcrição que se segue:
«A autoridade proibiu, em nome da ordem, que as filarmónicas tocassem pelas ruas.
Esta medida provocou vários protestos de alguns jornais e causou sensação no seio das sociedades musicais.
De hoje em diante os filarmónicos não poderão atroar os ares com as suas notas nem sempre afinadas que faziam chegar as mulheres às janelas e os caixeiros às portas das lojas e só poderão tocar em família nas casas das respectivas sociedades.
Um desgosto para as famílias ... e para os vizinhos!».
Mas qual a causa de tal sanha anti-filarmónica?
«Esta guerra contra os figles [?] e trombones tem por fim evitar que se toque o hino A Portuguesa que, segundo parece, está fazendo arrepios a muita gente, principalmente desde que foi tocado na praça de Cintra diante de suas magestades, no meio de grande entusiasmo, levantando-se todos os espectadores e descobrindo-se, quando pouco antes se tinha feito o contrário ao hino da carta.».
Gostam os monárquicos pilha-bandeiras de apelar a um referendo à República, mas, como se pode verificar pelo que se transcreveu, esse referendo decorreu di-a-dia, País fora, sempre que a monarquia surgia aos olhos do Povo na pessoa desse rei caça-perdizes que ignorava soberanamente, como não podia deixar de ser, o Portugal assim retratado por Guerra Junqueiro no seu poema Finis Patrie:
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Faminto, nu, sem mãe e, sem leito,
Roubei um pão.
Quem vai além de farda e grã-cruz ao peito?
- Um ladrão!
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Todos os crimes da Desgraça
em mim reúno.
Quem vai além tirado a cavalos de raça?
- Um gatuno!
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Pela miséria crapulosa
eu fui traído.
Que esplêndido palácio em festa! Quem o goza?
- Um bandido!
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Viola, seduz, furta, assassina.
Milhão! És rei!
Que prostituta está cantando àquela esquina?
- A Lei!
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( Excerto de um poemeto que Guerra Junqueiro publicou dedicando-o à mocidade académica, «um canto de indignação e protesto, um grito de veemência contra os que arrastaram a pátria à beira do abismo, expondo-a aos insultos da Inglaterra »).
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Mas o mais desesperante de isto tudo é que, entre finais do século XIX e princípios do século XXI, o País não parece ter mudado tanto quanto isso, mantendo-se actual muito do que então os nossos poetas e escritores produziram... O que temos hoje? Portugal a saque, os partidos [mesmo os mais novos!] esclerosados, o futuro incerto!
É pois necessário reagir, não contra os políticos eternos bodes expiatórios do mau povo que somos, mas contra nós próprios. Por mais cidadania, contra os ladrões, marchar, marchar!

20 agosto, 2009

JORNAIS QUE SE PUBLICARAM NO CONCELHO DE ALENQUER - (I) ATÉ AO "ESTADO NOVO"

Jornal d'Alenquer - 1913-1928

O século XIX foi o grande século da imprensa em Portugal. Os desenvolvimentos havidos na indústria tipográfica e na indústria papeleira permitiram que tal tivesse acontecido. Não fugindo à regra, também a vila de Alenquer e o seu concelho assistiram a esse fenómeno. O jornal O Alemquerense, tanto quanto o sabemos, foi o primeiro que por aqui circulou e o Jornal d'Alenquer que acima se mostra, com a implementação da Censura, marca o fim de um período.

Aliás, este número cuja primeira página reproduzimos, insere já ( p.3 ) o ignominioso aviso «Este número foi visado pela comissão de censura». De facto ela vigorava desde 1926, ano em que se deu o golpe nacionalista de Gomes da Costa e teria contribuído para a extinção deste semanário que teve, então, como Director e redactor principal Guilherme Rubim e como editor Heitor P. Soares Corrêa, nomes visíveis de « ... grupo de republicanos representados por Guilherme Rubim» que detinha a sua propriedade.

Passamos a divulgar uma lista dos títulos que ao longo desse período por aqui se publicaram:

1 - O Alemquerense (I) - 1878/1880 - O primeiro com este nome;

2 - Damião de Goes - 1886/1925 - O de mais longa duração;

3 - O Rapaz - 1887 - Número único;

4 - O Alemquerense (II) - 1888/1893 - O primeiro jornal republicano;

5 - O Petiz - 1889 - Número único;

6 - O 17 de Dezembro (I) - 1889 - Número único saído nessa data;

7 - O 17 de Dezembro (II) - 1890 - Número único saído nesta data;

8 - O Cacete - 1891 - Número único;

9 - A Cooperativa - 1895 - Publicaram-se 6 números deste jornal muito ligado ao movimento operário;

10 - Commercio de Alemquer - 1897/1899 (121 números) - Ligado ao Partido Progressista;

11 - O Rapioca - 1897 - Número único;

12 - O Cofre ou O Cafre (?) - 1898 - A primeira designação é de Esteves Pereira e a segunda de Guilherme João Carlos Henriques. Acreditamos tratar-se do mesmo jornal, mas só com alguma investigação isso será esclarecido;

13 - O Alemquerense (III) - 1901/? - O terceiro com a mesma designação;

14 - O Sol - Por enquanto desconhecemos as datas em que se publicou;

15 - O Povo d'Alemquer - 1906/1907 (?) - Ele próprio se intitulava «semanário Progressista»;

16 - Jornal d'Alemquer - 1913/1928 - «Semanário Republicano Independente;

17 - A Razão - 1923/1924 - Defendia a ideologia republicana conservadora;

18 - Gazeta de Alemquer - Tido como regenerador-liberal;

19 - O Merceanense - 1917/? - Afecto ao Partido Unionista de Brito Camacho;

20 - O Saraça - Jornal humorístico;

21 - A Verdade - 1919/1975 - Nasceu ainda na primeira República mas viria a ser o jornal do "Estado Novo" em Alenquer. Por esse motivo o consideramos desse período, embora aqui lhe seja feita referência.

Este é um tema a que, certamente, voltaremos num futuro próximo.


08 agosto, 2009

ALENQUER - EVOCANDO OUTROS VERÕES

O sítio das Águas, pela sua beleza à beira-rio e pela frescura das águas que perenemente brotavam das suas nascentes, foi desde sempre utilizado pelos alenquerenses como zona de lazer e descanso. Ainda hoje o é, muito embora as nascentes estejam há muito encanadas para Lisboa ( crime de lesa-terra praticado pelo Machado, então presidente da Câmara, e nunca perdoado pelos conterrâneos mais idosos ) e o Parque das Tílias aguarde, eternamente, requalificação ( jargão do vocabulário camarária ). O arranjo deste Parque é, porventura, a obra há mais tempo por aqui falada e também, por isso mesmo, há mais tempo esquecida.
Nos anos cinquenta, quando ainda vestia calções, lembro-nos de assistir a verbenas organizadas, salvo erro pelo Sporting local, no terreno onde depois foram edificados os lavadouros públicos hoje adaptados a tanatório. Também por aí teve o Sporting o seu campo de basquetebol, modalidade onde alcançou, nos anos 30/40 notável sucesso. Se agora relembro estes factos, é para arriscar, com alguma probabilidade de sucesso, o palpite de ter sido este o local onde nos finais do século XIX, se realizaram notáveis verbenas, aí e no espaço onde se situa o jardim.
Particularmente, evocarei hoje a que se realizou no ano de 1893 em benefício da Caixa Económica Operária Alenquerense recém-criada. Referindo-se a essa iniciativa estival, noticiou «O Alemquerense»:
«Este ano atentos os planos, será mais brilhante e de mais belo efeito que a do ano passado. Pensa-se em construir grande número de barracas, elegantes e de bom gosto, segundo o desenho do sr. Manuel Viana (...) As duas filrmónicas da vila tocarão aos domingos, e parece que a fanfarra 1.º de Maio, de Vila Franca de Xira, também virá abrilhantar esta festa. A iluminação à moda do Minho e à Veneziana será de grande efeito. Pensa-se também organizar um torneio à antiga portuguesa».
Depois, no seu número publicado no dia 2 de Junho, o mesmo jornal noticiou a inauguração da «Kermesse nas Águas», nestes termos:
«Eram 5 horas da tarde quando se abriu a kermesse com a chegada da filarmónica Operária e pouco depois a filarmónica União dava também entrada no recinto. A concorrência do povo ainda era diminuta.
Ao pôr do sol é que começou a afluir grande quantidade de povo, de volta da festa de Meca, chegando a haver dentro do recinto mais de 900 pessoas.
As barracas, desenho do sr. Viana que gostosamente tomou a direcção dos trabalhos, são de construção simples mas elegante, sobressaindo a barraca do bazar que é linda e revela um bom gosto da parte do artista que a delineou (...) O interior da barraca é forrado de panos de diversas cores, assim como o tecto que é todo em gomos simetricamente dispostos, que dão um tom alegre à barraca.
Os coretos são altos, cobertos de motano [rama de pinheiro] e destoam do estilo da construção das barracas, pois são feitos com pinheiros toscos, havendo no espaço que medeia entre eles um cercle para as crianças dançarem.
Atravessando a ponte que há num lado do recinto fica o restaurant que se está concluindo.
A iluminação não deu o efeito que se esperava apesar da grande quantidade de lumes(...).
O barco pouco ou nada fez por causa da brisa que havia, temendo-se de alguma constipação os habitués daquele divertimento, que é sem dúvida o mais agradável por uma noite de calma, navegar rio acima até à Redonda ou Barnabé, ouvindo ao longe os sons deliciosos das músicas; e quando regressamos, ao passar a ponte, ver de chofre as luzes reflectirem-se nas águas, serpeando, torcendo-se em caprichosos zigues-zagues, e por entre os eucaliptos e plátanos perpassando gentis vultos femininos envoltos em garridas toilettes, pondo uma nota alegre no meio da multidão que se agita, que ondula... Lindo!».
O barco de que aqui se fala chamava-se Pero de Alenquer, podia transportar uma dúzia de passageiros e havia sido trazido para a vila um ano antes, quando de um evento semelhante.
Voltaremos a esta kermesse e a este Verão de 1893 ...

31 julho, 2009

QUANDO O HILÁRIO DEIXOU DE CANTAR À NOITE NO CHOUPAL

Sinceramente. Custa-me a acreditar que haja alguém que, em noitada de «boa disposição», não tenha intentado cantar o fado coimbrão que nos diz que Quando o Hilário cantava/à noite no choupal/toda a tricana escutava/ai, a sua voz de cristal. Cantou-o sim senhor, pelo menos para concluir que poderia ter muito jeito para os copos, mas nenhum para cantar...
Confesso que quando o fiz lá pensei que o tal Hilário era uma figura imaginária, um estudante sem rosto, nem identidade. Mas não. Augusto Hilário Costa Alves foi, de facto, estudante de Medicina em Coimbra.
Em 1896, quando nessa cidade frequentava o terceiro ano de um curso que, assim o desejava, o deveria conduzir à carreira de médico naval, foi a Viseu, à casa da família, passar as férias da Páscoa e aí faleceu vítima de uma doença fatal à época, a tuberculose.

Um Cancioneiro de Músicas Populares, 3 Vol., 1893/1899 - guardado na Biblioteca Nacional - «colecção recolhida e escrupulosamente trasladada para canto e piano por César A. das Neves / coord. a parte poética por Gualdino de Campos; pref. pelo Exm.º Dr. Teófilo Braga», acolheu os últimos versos escritos pelo estudante Hilário, com a seguinte nota: «Quando nas férias de 1895, Hilário se hospedou em uma dependência do escritório da nossa empresa, ofereceu-nos esta composição dizendo-nos que era o seu último fado, mas que tencionava adicionar-lhe algumas variações e que reservássemos a publicação para quando ele as tivessse composto definitivamente. A morte acaba de surpreender este simpático académico, que se tornou célebre em todo o país pelos seus fados, dos quais este é o terceiro e último que publicamos»:


Á porta do Infinito
A traços largos, profundos
A mão de Deus tinha escrito:
Os teus olhos são dois mundos
...
O mar também tem amante,
O mar também tem mulher,
É casado com a areia,
Dá-lhe beijos quando quer.
...
A minha capa velhinha
Tem a cor da noite escura;
Não a quero por mortalha
Quando fôr p'ra sepultura.
...
Eu quero que o meu caixão
Tenha uma forma bizarra,
A forma de um coração,
A forma de uma guitarra.
...
Guitarra, minha guitarra,
Solta os teus ais, minhas queixas,
És tú a única amante
Que por outro me não deixas!
...
Vai alta a lua, vai alta,
Brilha nos céus, branca lua;
Vem tu vê-la, minha amada,
Iluminando esta rua.

São ainda de Hilário, mas recolhidos por Fausto Guedes Teixeira, estes últimos versos:

Ouvi dizer ao luar
Com trinados na garganta:
- Quem canta seu mal espanta...
E pus-me então a cantar.
...
As minhas canções vermelhas
Rimá-las-hei com martírios,
Ao ritmo das abelhas
Nas folhas roxas dos lírios.
....
E no País das Quimeras
mil vozes d'anjos dispersos,
A música das esferas,
Hão-de cantar-te os meus versos.
...
Mas é tão fria a luz calma
Do teu olhar...que flagelo!
Se a tua Alma é um mar de gelo
E o olhar é o espelho da alma...
....
Serve-te a madeixa negra
De moldura ao rosto franco,
Como se uma toutinegra
Pousasse num lírio branco,
...
E as minhas quadras singelas,
Feitas de crenças e anelos,
São pequeninas estrelas
Que atiro p'ra os teus cabelos.
....
Nesse teu lábio vermelho
Há risos do sol d'Agosto:
A Alvorada é um espelho,
Onde se mira o teu rosto.
...
A Lua, onde os olhos fito,
A face em nuvens recata,
Como lágrima de prata
Na pálpebra do Infinito...
...
Ás vezes, quando indiciso
Me curvo p'ra o teu olhar.
Vem n'uma lágrima um riso:
-Raio de sol sobre o Mar!
...
E passo a vida tristonho
A cantar, por não saber
Se a Vida está só no Sonho
E a Realidade em morrer...
...
Pequenas da minha terra,
Dou-vos canções; dai-me beijos!
A quem sua alma descerra,
Vai-se-lhe a Alma em desejos!
...
Tenho já seca a garganta:
E como é que isto é, não sei!
-Quem canta seu mal espanta...
pus-me a cantar...e chorei!
















29 julho, 2009

"Ops!" - BOA E DE BORLA!


Leiam:

«Contemplando a crise mundial, os governantes portugueses apressaram-se a dizer que se tratava de um problema "exógeno", que Portugal "não estavava exposto às hipotecas subprime" americanas nem tinha sofrido de "especulação imobiliária". A nossa crise, disseram, tinha causas distintas e só se agravou por força desta crise alheia.
Sucede que, na verdade, Portugal sofreu uma bolha imobiliária mais grave que os Estados Unidos: enquanto a americana começou a crescer em 2001, a portuguesa vinha inchando-se desde 1986. As diferenças quantitativas estão à vista: naquele país existem 60 casas vazias ou "secundárias" por cada 1000 habitantes; no nosso, esse número ultrapassa as 140; a habitação média estado-unidense custa cerca de 2,5 orçamentos anuais brutos da família, ao passo que a sua equivalente portuguesa custa 9,5 vezes o respectivo orçamento. Acresce ainda o facto de a maioria das hipotecas contraídas em Portugal serem exemplos acabados de subprime: as suas prestações consomem mais de 40% do orçamento mensal da família, cobrem mais de 80% do valor do imóvel, são amortizadas a três ou mais décadas, e estão indexadas a taxas de juro variável. Por fim, o preço absoluto dos fogos residenciais portugueses raia o incongruente: em Lisboa ultrapassa os 2500 euros/m2, quando em Berlim ronda os 1500 euros/m2. A rematar o panorama imobiliário português encontram-se assombrosos números de costruções erguidas desde 1986: mais de 50% do parque residencial hoje existente tem menos de duas décadas, e presume-se que entre este se encontre mais de um milhão de fogos desabitados.».

- Pedro Bingre, "A bolha imobiliária: duas faces da mesma (falsa) moeda" in Ops!, n.º 4 de Julho de 2009

Gostaram? A revista é a "Ops! - Revista de Opinião Socialista" da qual, entre outros, é redactor Manuel Alegre que dela diz em editorial:
«Em apenas um ano, a CORRENTE DE OPINIÃO SOCIALISTA publicou 4 números da Revista online OPS! dedicados a outros tantos temas essenciais: TRABALHO E SINDICALISMO, EDUCAÇÃO, ECONOMIA e agora URBANISMO E CORRUPÇÃO (...)
Nenhuma outra corrente política, nem o próprio PS, através das suas fundações ou iniciativas criadas para o efeito, conseguiu realizar trabalho semelhante, apesar dos escassíssimos meios de que dispomos. Isto mostra que, mais do que o marketing ou os aparelhos logísticos, o que importa são as idéias, a participação, o espírito cívico e desinteressado na busca de novas políticas para o país e para a democracia. Sem sectarismo nem dogmatismo, no respeito pela pluralidade que é timbre de quem se reclama do socialismo democrático. Seguindo a lição do grande António Sérgio a "Ops!" tem procurado "abrir as largas avenidas da discussão", num tempo dominado pela moda, pelo politicamente correcto e pela ditadura do imediato e do mediático».
A "Ops!" pode ser lida ou descarregada gratuitamente em PDF em http://www.opiniaosocialista.org/. Espero que gostem.

27 julho, 2009

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS - FRANKFURT «A IRREVERENTE»

A cidade alemã de Frankfurt, a dos «arranha-céus» e dos parques verdes, dos banqueiros e dos filósofos, das putas e dos crentes, das finanças e da cultura, a das avenidas «abertas à bomba» na II Guerra, a das «catedrais que não são catedrais» e das «igrejas que não são igrejas», impressiona pela sua juventude e irreverência, atributos que contrabalançam o título de maior centro financeiro da toda poderosa Alemanha.

Logo nos arredores surgem-nos as hortas citadinas, a exemplo de outras cidades alemãs, suiças ou francesas. É aí, em terrenos públicos postos à sua disposição, que os habitantes da cidade se desenfastiam dela enfiando as mãos na terra e fazendo crescer todos as plantas hortícolas que depois levam à sua mesa com o prazer suplementar de terem sido eles a produzi-las. Um exemplo a seguir nos municípios portugueses.


Mas em breve surgem-nos imponentes os «arranha-céus» onde se alojam os Bancos. Bancos alemães? Não. De todo o mundo!

Caminhar nas suas ruas movimentadas é um divertimento. Por vezes deparamo-nos com o imprevisto, o insólito ou o inesperado. Olhem só o que este camarada inventou... Uma loja de cachorros ambulante, repousando sobre os seus ombros. Juro que não tinha mãos a medir, aquilo era só vender cachorros quentes a 1 Euro por unidade. Aqui fica de borla a idéia. Copiem-na e depois é só ir para a 24 de Julho, para Alvalade ou para a Luz em dia de jogo e verão o sucesso e o lucro!






Aposto que não advinham qual o combustível que fazia mover este veículo que, na ocasião, atravessava o centro histórico. Electricidade? Frio... Era Cerveja! A cerveja que bebiam enquanto davam aos pedais. E por ali circularam divertidos e cantando!



Frankfurt tem também uma arte de rua espectacular. Alegrando os modernos e por vezes frios edifícios, lá está ela, irreverente, divertida e desconcertante como a própria cidade...


Esta cidade é também aquela que no país acolhe o maior número de estrangeiros, os quais aí trabalham ou estudam. Aqui eram iranianos que exibiam as fotografias da repressão que o regime tenta que o Mundo não veja.

Mais adiante, era uma manifestação de «educadores de infância» em luta por melhores salários, manifestação essa organizada pelos Verdes e pelos Sociais-Democatras. O meu alemão não deu para perceber quanto ganhavam, nem quanto gostariam de ganhar. Mas garanto-vos que a manifestação era alegre, tinha boa música, um dos senhores no palco cantava bem e o ambiente entusiasmava à participação. Que diferença... Ali não se descarregava bílis nem arremessava bonés. Fez-me lembrar as nossas manifestações dos primeiros tempos após Abril e até apetecia saltar lá para dentro e...saltei!













16 julho, 2009

FOI HÁ 40 ANOS E NO ENTANTO PARECE QUE FOI ONTEM...

( Selos da minha colecção )


Faz hoje 40 anos que, pelas 13,32 UTC, arrancou de Cape Canevaral a missão "Apollo XI". Num foguetão "Saturmo V" seguia o módulo "Eagle" e a bordo deste os astronautas Neil Amstrong, Edwin "Buzz" Aldrin e Michael Collins. Quando no dia 20. 7.1969 Amstrong deu o primeiro passo na Lua, o Presidente Kennedy diria: Um pequeno passo para o Homem, um grande passo para a Humanidade.

Onde estava eu nesse dia? Não propriamente na «face desconhecida da Lua», mas em algo semelhante... Estava em Mueda, Planalto dos Macondes, no norte de Moçambique e posso garantir-vos que por lá ninguém deu por nada, porque nada lá chegava... Quando em 1970 cheguei ao «Continente», então apercebi-me de toda a euforia que por aqui girava em torno das transmissões em directo das missões lunares.
Parece que foi ontem... ( Psst! Nunca digam isto, porque podem pensar que estão a ficar velhos!).
...








( Mueda " Terra da Guerra" - "Aqui trabalha-se, luta-se e morre-se"- 1969 - Apresenta-se o 1.º Cabo Especialista, Mecânico de Rádio, Lourenço!)






13 julho, 2009

D. THOMAZ DE NORONHA - UM POETA ALENQUERENSE


Da sua biografia consta que nasceu em Alenquer, «em data incerta, e terá falecido em 1651. Era filho de um fidalgo escudeiro de D. Sebastião. Casou com uma prima e, tendo enviuvado, casou pela segunda vez. Jacinto Cordeiro, no seu Elogio dos Poetas Lusitanos (1631), coloca-o entre os mais célebres poetas do seu tempo. Devido ao carácter satírico das suas composições poéticas, era conhecido como o «Marcial de Alenquer». Foi um dos primeiros poetas barrocos a sentir o ridículo do artificialismo e a reagir contra ele».
Num dicionário de Literatura colhemos mais esta informação: «Fidalgo de boa estirpe, levou uma vida algo aventurosa e veio a dissipar bens e fazenda, acabando na miséria. Cantou muitas vezes a pobreza em que vivia, e não se envergonhava de pedinchar, em papéis diversos, sustento e outras esmolas.
A sua obra poética é a dum caricaturista desbocado que não receia as desvergonhas e obscenidades. Às vezes, num retrato sóbrio, manifesta-nos, aqui ou além, os caracteres da sociedade do seu tempo. Uma ironia quase subtil insinua-se nos seus poemas, muito ricos de alusões ao mundo concreto e circunstancial que o rodeava.».
O poema que se segue é seu e foi retirado «...de um cancioneiro do século XVII». Na adaptação ao português de hoje os erros são meus e farão o favor de os perdoar:
...
A um Fernando do Pó, moleiro de Alenquer, que andando de amores com a filha de um barqueiro pescador, o achou uma noite em sua casa, e lhe deu muita pancada com um remo.
..
DÉCIMAS
Se acaso o que tenho ouvido
por esta terra assim é
senhor Pó, vossa mercê
cuido que o tem sacudido;
pelo que, tenho entendido
que, de hoje em diante, já
vossa mercê não será
Fernando do Pó, mas só
Fernando que não tem Pó
pois tão sacudido está.
...
Colhe-vos o velho mau
(ó velhice desumana!)
que, de pescador de cana,
se fez pescador de pão;
com um remo por varapau
vos colheu, e em tal extremo
que, errando com a porta, temo
saísseis pela janela;
vós entrastes à vela
porém saístes ao remo.
...
Quando em vossa casa agora
mói todo este lugar
ides vós na alheia buscar
quem vos moa lá por fora!
Ó quanto melhor vos fora
e fora melhor partido
não terdes, senhor, sabido
como agora tendes já
a diferença que há
de moer a ser moído!

29 junho, 2009

ELAS ESTÃO LÁ, PROCUREM-NAS....







Na vizinha Galiza, nas Rias Baixas, mesmo na Península de O Grove - a de todas as excursões aos mexilhónes - mesmo aí, existem segredos bem guardados de praias paradisíacas, com água à temperatura algarvia ( partidas da Corrente Quente do Golfo.... ).
É tempo, pois, de rumar ao Norte e deixarmo-nos ir pela auto-estrada até às imediações de Pontevedra. Chegados aí, apanha-se a carretera para a península de O Grove, aquela que passa por Sanxenxo e Portonovo. Quando lerem esses nomes, olhem para o lado e sigam em frente, porque não tardará muito estarão a deslizar pela língua de areia de A Lanzada que tem praia do mesmo nome.
Depois dessa imensa recta, uma enorme rotunda. Pela direita vão ter à cidade piscatória de O Grove, vizinha de La Toja, com marisqueiras «porta sim, porta sim». Se tomarem o caminho da esquerda passarão por San Vicente del Mar. Continuando, estarão no pinhal e, depois, por alturas do Reboredo, começarão a surgir tabuletas indicando praias. Façam favor de se atreverem e não se arrependerão por terem metido o rico carrinho na terra batida.
Boa praia, e, ao fim do dia, numa esplanada fresquinha, mexilhões com Alvarinho. Divirtam-se.













19 junho, 2009

AS INVASÕES FRANCESAS E O COMBATE DE ALENQUER, NO DIA 10 DE OUTUBRO DE 1810


Por vezes é assim. Vamos para a Biblioteca Nacional com um programa de pesquisa bem definido e depois... é uma desgraça. Vem à rede de tudo um pouco, menos o que lá nos levou. E tudo piora quando por obra e graça do Espírito Santo ( por isso ele "soprou" tanto, aqui em Alenquer, sua terra de eleição ) lográmos conseguir que nos viessem à mão 10 anos de jornais antigos com o título «Damião de Goes»! Então a perdição é completa... Irei partilhando convosco algumas descobertas.
É de Guilherme Henriques esta achega ao combate de 10 de Outubro travado em Alenquer, combate a que ele havia já feito referência, evocando uma descrição do seu padrinho General Duque Saldanha que do mesmo foi testemunha em primeira mão a partir do QG instalado na "Arcada" do Espírito Santo:
...
«Há dias tive a oferta de uma obra inglesa sobre a Guerra Peninsular, intitulada Adventures in the Rifle Brigade pelo capitão Sir John Rincaid. Nele encontrei as seguintes referências:
...
Na manhã de um dia de muita chuva e vento retirámos até Alenquer, pequena vila, ao cimo de um monte, cercado de outros mais elevados; e como o inimigo não se tinha mostrado na véspera, tomámos posse das casas ( pobres alenquerenses...), com razoável probalidade de nos ser permitido o prazer, pouco usual de comermos um jantar debaixo de telha.
Mas quando o arrátel ( cerca de meio quilo ) de vaca - que era a ração diária de cada praça - estava talvez meio cozido, e no momento em que um oficial de dragões estava narrando que tinha patrulhado seis léguas para a frente sem encontrar sinais do inimigo, vimos aqueles indefatigáveis (sic) mariolas, no monte em frente das nossas janelas, começando a cercar-nos com uma mistura de cavalaria e infantaria; soprando um vento de tal forma que a cauda comprida de cada cavalo estava estendida, em recta, e tocava o focinho do cavalo que o seguia, fazendo o efeito de todos estarem enfiados num cabo e rebocados pelo que vinha na frente.
Umas poucas de companhias formaram e contiveram o inimigo enquanto o resto da Divisão se estava reunindo. Deitámos fora o caldo como era normal e metemos os sólidos fumegantes, nos sacos, para serem mastigados oportunamente, e continuámos a nossa retirada.».
...
- Conclui Henriques: « Concorda isto exactamente com o que me contou o Marechal Duque de Saldanha que fazia parte da mesma Brigada.
- Damião de Goes, n.º 253, 2 de Janeiro de 1910, p. 3.
...
Para o próximo ano, no dia 10 de Outubro, completar-se-ão 200 anos sobre este acontecimento histórico que a nossa Vila testemunhou. Esperamos que a data venha a ser dignamente comemorada, como, aliás, tem vindo a acontecer um pouco por todo a País, nas vilas e cidades que foram palco destas ocorrências.

12 junho, 2009

AO MANUEL GÍRIO

NA LINHA DO OESTE
Não tenho tempo a perder
Nem truques a ganhar
Nem frases para entreter
Nem promessas de embalar
...
Levo o meu rumo traçado
E um caminho para andar:
Deixar p'ra trás o passado
E só p'rá frente avançar.
...
-Quem hesita na partida
Ficará a hesitar
o resto da sua vida....
...
Eu quero seguir a rota
que o bom senso me indicou
ser tal qual como a gaivota
que pr'a trás nunca ficou.
...
- Vou embarcar no comboio
que a vida me destinou...
...
Vou p'la linha do Oeste
atrás da minha vontade
já num azul-celeste
vi o sol da Liberdade!...
...
Onde é que ficou a esp'rança
naquele Maio projectada?
quando é que de Abril se alcança
a promissora alvorada?
...
-E é do comboio que avança
esta lembrança mordaz;
«Ficou p'ra trás, ficou p'ra trás, ficou p'ra trás...»
...
Mesmo se o combóio parar
eu hei-de seguir viagem.
Aqui não me quero ficar
Não me falte a coragem!
Sozinho ou acompanhado
devagar ou a correr
não hei-de ficar parado
porque parar...é morrer!
...
O Manel não morreu, prosseguiu viagem. Porque só tardiamente tive notícia da sua partida, não estive lá, nesse derradeiro cais onde embarcou, só com bilhete de ida como sempre acontece, para dele me despedir com a promessa de que ainda um dia nos haveremos de encontrar para longas conversas sobre teatro e música.
Até lá fica a lembrança desse homem afável e educado, culto e sonhador, companheiro de Abril e de outras jornadas, como a do inesquecível Jornal de Alenquer onde saíu o belíssimo poema de que acima transcrevemos alguns excertos em sua homenagem. Esse poema havia sido dito no Sporting Clube de Alenquer num aniversário do jornal (1979) e toda a sala o apaludiu de pé.
O Manuel Gírio escreveu e encenou teatro. No teatro de Revista atingiu alturas que o levaram a ser representado por companhias profissionais. E quem não se lembra de todos esses espectáculos que puseram Alenquer a rir e a chorar? O Manel era igualmente um excelente letrista.
E é situando-o no palco, à boca de cena, agradecendo os aplausos pelo sucesso de uma vida, enquanto as cortinas lentamente se fecham e as luzes se apagam, a última imagem com que quero ficar dele. Até sempre Manel.

05 junho, 2009

AS FREGUESIAS DA VILA (II)

Não, não foi, mas a isso já lá iremos. Antes disso voltemos a 1851 e a Albino de Figueiredo que escreveu na sua «Memória»:
«Das cinco freguesias já não existem senão três; a de S. Tiago uniu-se à de Santo Estêvão, a da Vargem à de Triana. Subsiste ainda, pelo menos de facto, a de S. Pedro. Esta porém, parece ter contados os dias de existência, havendo o prelado aceitado a desistência que pediu o respectivo pároco e mandado que a curasse o prior de Santo Estêvão. Logo que esta resolução se verifique completamente estão as cinco freguesias reduzidas a duas, e, ainda assim uma é de mais, porque só uma freguesia convém que haja nesta vila.».
Certamente que quem acabou de ler o período anterior estranhará que estando nós aqui a falarmos de freguesias surjam nele tantas referências religiosas, tanto clero ligado à sua administração, mas a verdade é que com a subida de Costa Cabral em 1842 a Ministro do Reino e com a promulgação do Código Administrativo de 18 de Março de 1842, a freguesia foi excluída do sistema administrativo.
Em consequência disso o Pároco passou a ser, por inerência, o presidente da Junta de Paróquia e o Regedor o executor. Esta foi uma situação que conheceria poucas alterações até à República e ao Código Administrativo de 7 de Agosto de 1913 (Provisório) que criaria as paróquias civis.
Um pouco mais tarde, com o Código (também provisório de 1916) as Freguesias substituiriam, finalmente as paróquias civis. Também seria com a República que nasceriam os Registos Civis, porque até aí os assentos dos nascimentos, dos casamentos e dos óbitos, pertenciam à Igreja e, estas atribuições quase inocentes, davam à intituição religiosa um poder sobre a sociedade civil muito maior do que aquilo que se possa imaginar.
Penso que não estou errado ao afirmar que muito do anticlericalismo de que a República é acusada, não lhe advém dos excessos que todas as Revoluções, todos os momentos de ruptura com o passado, trazem inevitavelmente consigo, mas sim por ter subtraído à Igreja instrumentos de domínio que lhe eram preciosos. A Igreja trata das questões da alma, mas desde Constantino, nunca mais desprezou o poder temporal pelo que a mensagem de Cristo, imperador dos pobres, ficou algo esquecida.
Voltando às freguesias, de facto elas ficariam reduzidas a duas, Triana e Santo Estêvão, situação que ainda hoje se mantêm. Mas fará isso sentido? Penso que não, que não faz sentido nenhum ter a vila dividida administrativamente pelo rio. Uma única freguesia daria maior dimensão e importância a essa autarquia, ajudá-la-ia a sair «debaixo da asa da Senhora Câmara». e isso era importante que acontecesse, para que os fregueses melhor sentissem a sua existência, melhor pudessem avaliar o seu desempenho. Tanto mais que isso criaria condições para a celebração de protocolos com a Câmara que regulassem transferências de competências que justificassem, de facto, a existência desses escalão autárquico na área urbana da vila.
Todavia, seria importante a criação simultânea de uma outra freguesia, a de Paredes que herdaria da de Santo Estêvão o território que vai dos Casais de Santo António aos Cabeços. De facto o Bairro das Paredes - ligado à vila, mas separado da vila - ganhou importância e população, constitui uma realidade autónoma da vila, pelo que justifica uma gestão autárquica de maior proximidade, ao nível de Freguesia.

01 junho, 2009

AS FREGUESIAS DA VILA (I)


Como será lógico deduzir, os tempos que se seguiram à Reconquista não terão sido nada fáceis nesta «extrema dura» do território, zona de charneira entre as terras ocupadas a Norte pelos cristãos do Portugal que crescia e a Sul pelos «mouros» que iam resistindo como podiam aos ímpetos da Reconquista.
Por isso mesmo o nosso rei D. Sancho I teve que entregar aos francos as terras de Vila Verde e aos monges de Alcobaça o Paúl de Ota, por exemplo, para que estas terras se enchessem de gentes e os campos fossem cultivados. Depois, com o crescimento demográfico alcançado no século XIII tudo começaria a levar novo rumo.
Como disse Albino de Figueiredo que no século XIX foi administrador do concelho de Alenquer, «à proporção que a riqueza crescia se multiplicavam as freguesias filiais». Um historiador já desaparecido, João Pedro Ferro, autor de uma obra intitulada Alenquer Medieval, de acordo com as mais antigas referências encontradas, assinala o aparecimento da freguesia de Santo Estêvão em 1190 ( esta na cerca do castelo que hoje corresponde, mais ou menos, ao nosso bairro da Judiaria ), da de Santiago em 1221 ( não tinha fregueses na vila mas tão só no termo), da de Santa Maria de Triana em 1226 ( veja-se como bem cedo a vila galgou o rio ), da de Santa Maria da Várzea em 1239, e por último da de S. Pedro em 1242.
Curiosamente Santo Estêvão, Santa Maria e S. Pedro são nomes de freguesia que à época existiam praticamente em todas as terras importantes, Lisboa por exemplo, sendo de anotar que as freguesias ditas de S. Pedro geralmente estavam ligadas à existência aí de comunidades piscatorias. Havia ainda um outro nome muito comum, S. Miguel, que por acaso nunca existiu na vila de Alenquer. Todavia S. Miguel de Palhacana, com Aldeiagalega, Ventosa e Ota, são as primeiras freguesias assinaladas no termo da vila.
Regressando à vila, refira-se que estas cinco freguesias haviam de perdurar por bons anos, pois só no século XIX o assunto seria objecto de atenção, precisamente pelo já citado administrador Albino d'Abranches Freire de Figueiredo, autor de uma interessante Memória sobre alguns melhoramentos possíveis da vila e do concelho de Alemquer, escrita em 1851.
Nessa pequena obra diz o seu autor que «Cinco freguezias, quatro colegiadas, trinta e um beneficiados, e tudo isto rico, era o resultado dos importantes dízimos que pertenciam à igreja de Alenquer». Esclareça-se que «dízimo» era um importanto imposto cuja colecta revertia grosso modo a favor da Igreja, assim como o facto das freguesias, algo diferente do que hoje acontece, estarem sobre a alçada dessa instituição religiosa.
Prosseguindo, diz o mesmo autor que «a prudência aconselhava o governo a dividir por muitos eclesiásticos os ricos dízimos de que não podia dispôr plenamente. Mas depois que estes ( os dízimos ) foram extintos, a mesma prudência que aconselhou a criação de freguesias e colegiadas, exige que novamente se reunam as freguesias em uma só». Foi isso que aconteceu? Isso veremos numa segunda parte.

21 maio, 2009

A FEIRA DA ASCENSÃO - FAÇAM FAVOR GUARDEM A REVISTA


Como aqueles faraós que ao morrerem levavam para o túmulo toda a «tralha» que os rodeava em vida, assim Álvaro Pedro levará consigo para a reforma muitas coisas, entre elas a Feira da Ascensão que, coitadinha, deu o que tinha a dar.
Hoje, feriado municipal, ao fim da manhã atravessei este «deserto» que era a vila de Alenquer em festa (quem o diria?). Por fim parei frente a um restaurante e interpelei o desconsolado proprietário. Então? Como vai o negócio com a Feira? A resposta não poderia ser outra: «Não brinque comigo...Veja lá que hoje, ainda tenho menos clientes do que num dia normal». Olhei à volta e Alenquer, toda ela, dormia o «sono dos justos». Nem viv'alma! Quem entrasse na vila nunca diria que ela vivia a sua festa anual. Uma tristeza.
A Feira consumiu-se nela própria, desgastou-se na rotina, estiolou na falta de imaginação. Quando se anuncia que a ela preside uma Comissão formada pela Câmara e pela Assembleia Municipal, conta-se uma anedota, porque a Comissão só reune para tomar conhecimento do programa já elaborado. Interrogo-me se essa Comissão de tão longa vida alguma vez deu uma sugestão, formulou uma alteração, fez um balanço, meditou sobre um qualquer plano de rejuvenescimento. Se o fez, fê-lo para o «boneco».
Pode-se apontar o dedo a alguém? Sim e não, porque neste como noutros assuntos, a «oposição» foi sempre igual á «situação» sendo o vice-verso igual ao direito. Também não é justo que se aponte o dedo a qualquer funcionário, pois é certo que os mesmos sempre procuraram fazer o melhor, num cenário em que os políticos apostaram, ( certamente por terem mais com que se preocuparam ), na repetição de um modelo ( qualquer coisa como uma missa ), até as peças, por desgaste, falirem e o cenário se desconjuntar. Quando os políticos se demitem ou se revelam ausentes poder-se-à acusar algum funcionário? Claro que não!
Enfim, um desafio para os próximos governantes locais que deverão repensar tudo isto, não deixando a Vila de fora, porque para o comércio tradicional, um evento destes será sempre mais uma ajuda.
Mas a Feira teve a sua Revista editada pela «Nova Verdade» e «Rádio Voz de Alenquer» e que Revista! A qualidade é boa e o «prato principal» óptimo! «Prato principal»? Sim o artigo de Filipe Rogeiro intitulado «Alenquer e as suas empresas de há 100 anos». Parabéns caro Filipe. Que excelente «aperitivo» para a obra que gostaria de vê-lo produzir um dia, a história do comércio da vila e do concelho.
Penso que estas revistas são coleccionáveis e, pela minha parte, tenho vindo a fazê-lo. Viva pois a Revista da Feira que já foi, mas que acreditamos que ainda venha a ser!

29 abril, 2009

UMA FOTOGRAFIA CURIOSA E UMA LEGENDA AINDA MAIS


Trata-se de uma fotografia curiosa, esta que já publiquei no meu livro Memórias da Arcada. O seu estado de conservação não é dos melhores, mas nela reconhece-se a antiga sala da Arcada, quando ela era simultaneamente pequeno teatro - lá está, ao fundo, o palco - e sede da Sociedade Filarmónica d'Alemquer, dita a Formiga Branca.
Ela mostra-nos, ainda, uma mesa (bem) posta para uma refeição, que uma legenda impressa em rodapé esclarece ter sido um «...banquete oferecido no Teatro da Arcada por um grupo de republicanos de Alenquer aos oradores de um comício em 21 de Agosto de 1910». O momento histórico aproximava-se.
Mas esta fotografia tem no seu verso uma outra legenda manuscrita, da autoria de João Avellar, que nos chama a atenção para um outro pormenor quase imperceptível:
«...Na cadeira de espaldar (ao fundo) vê-se o barrete frígio (um dos símbolos da República) que Izidoro Guerra ostentava no quadro final de apoteose à República, na revista À procura do Ideal que foi representada nesta vila, no Teatro da Arcada, com geral agrado.».
Aqui fica, pois, este pequenino subsídio para a História do Teatro em Alenquer, uma obra que se torna urgente produzir, uma vez que essa arte teve fortes tradições na nossa vila e concelho, em especial o teatro de revista.
Foram inúmeras as casas onde em Alenquer se fez teatro, por aqui nasceram artistas de renome nacional como Ana Pereira, Adélia Soller e Palmira Bastos, o teatro de rua com as suas Cegadas e Enterros e Julgamentos do Bacalhau também esteve, desde sempre, fortemente enraízado nas tradições das nossas gentes e foram inúmeros os grupos amadores que fizeram subir à cena as mais variadas peças e revistas.
Esta é, sem margem para dúvidas, uma outra história local que merece ser preservada em forma de livro. Enquanto isso não acontece, por aqui vão ficando ligeiros apontantamentos...

24 abril, 2009

EM ABRIL, ESPERANÇAS MIL!


E em Lisboa capital
dos novos mestres de Aviz
o povo de Portugal
deu o poder a quem quis
Ouvi banqueiros fascistas
agiotas do lazer
latifundiários machistas
balofos verbos de encher
e outras coisas em istas
que não cabe dizer aqui
que aos capitães progressistas
o povo deu o poder!
E se esse poder um dia
o quiser roubar alguém
não fica na burguesia
volta à barriga da mãe!
Volta à barriga da terra
que em boa hora o pariu
agora ninguém mais cerra
as portas que Abril abriu!
( Ary dos Santos - "As portas que Abril Abriu" )
Passaram-se trinta e cinco anos...tanto tempo! E no entanto parece que foi ontem... Ia eu meio a dormir, meio acordado no autocarro para Vila Franca, quando me pareceu que alguma coisa de invulgar se passava...Que diabo, não é costume, o rádio vai a tocar e ainda por cima tão alto! Mas espera lá, este que está a cantar é o Fanhais, e esta canção estava proibida!? Foi então que se fez ouvir a voz grave do locutor: «Aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas...». Olhei em volta e as pessoas não iam de cabeça baixa e metidas consigo como era costume, antes pelo contrário, todas olhavam em volta trocando olhares cúmplices e exibiam o sorriso mais bonito que alguma vez haviam expressado... Acontecera Abril!
Um companheiro de Abril, o Américo Mosca, disse-me uma vez quando comentávamos que isto estava a andar para trás: «Deixa lá companheiro, eles podem levar tudo, mesmo tudo, mas há uma coisa que com toda a certeza nunca me roubarão e essa coisa é este privilégio imenso de ter vivido um dia tão bonito como o 25 de Abril e uma Revolução que tantos dias de Esperança me deu».
Lembrei-me hoje dele quando estive na Biblioteca da Escola EB de Alenquer para falar do 25 de Abril a duas turmas do 9.º ano, convite que surgiu porque sou deputado municipal com livro publicado. Aceitei, agradeci e acho que já tive o meu 25 de Abril de 2009, pois esse contacto com aqueles jovens e com os seus professores fez-me bem. Caramba! Quem diz mal da Juventude é porque nunca foi jovem!
Mas retomando o fio. Lembrei-me do Américo e às tantas disse que todas as gerações deviam ter o privilégio imenso de viverem um dia tão glorioso como aquele que me foi dado viver, porque sentiriam para sempre, para o resto das suas vidas que num determinado momento a História havia estado consigo, era algo vivido e não contado num manual escolar.
Abril cumpriu-se? De certo modo sim! Todavia ainda há coisas que me preocupam e uma delas é a justiça social. Vejam esta notícia: «Uma advogada, filha da jornalista da RTP "fulana tal", sobrinha de um deputado "excelência tal" e mulher do presidente da empresa pública "tacho tal"...( os "tais" são meus, deixemos lá os nomes...). Há famílias inteiras "repimpadas" e sem dificuldades de emprego, ou seja, o mérito não existe, basta o nascer-se feliz e na família certa.
Depois, porque raio o fosso entre os mais ricos e os mais pobres continua a aumentar? Porque raio a crise não chega aos ordenados milionários dos gestores, ordenados esses já de si escandalosamente altos quando comparados com os dos seus congéneres europeus? Porque raio os Impostos continuam a ser só para alguns? Porque raio não são chamados aos diversos escalões da governação ( das autarquias ao governo ) os mais competentes? Porque raio continuamos a ter um País interior pobre e desprezado e um País litoral rico e chamariz de atenções?
E por aqui podíamos continuar... Porque afinal ainda sobram muitas interrogações...
Mas por hoje deixo-vos com um poema meu, dedicado a quantos continuam a sonhar Abril:
PROMESSAS DE ABRIL, ESSA ÍNDIA POR ALCANÇAR
A viagem é difícil, é certo...
Mas ( mais uma vez! ),
Quem esperava facilidades?
Só não tolero
os ratos exibindo-se no porão,
afiando as garras no cavername,
mijando na água
e roendo o grão da dispensa comum.
Mas são ratos.
Jamais aprenderão a sonhar
e os seus membros desajeitados
nunca erguerão sobre as águas
o poema da glória e do futuro.
Avançaremos!
Por cada nau afundada,
outra emergirá no Tejo
saída desse pinhal imenso
que é o país de Abril que não desiste.
Aqui todos sabem que os Adamastores
fizeram-se para serem vencidos!
Continuaremos!
Para mais há estrelas no céu
balizando a rota,
e o farol da Liberdade não empalideceu
nem esmerece.
Deixai a sereia cantar...
Do convés ninguém arreda!
Venceremos!

07 abril, 2009

A COISA É ANTIGA...MAS TEM REMÉDIO!

A crise financeira mundial tem colocado muita coisa a descoberto, sendo uma delas a forma indecorosa como banqueiros e outros gestores, partem e repartem o bolo que têm entre mãos, ficando, é claro, com a parte"do leão". Os nossos políticos, esses vão olhando para o "bodo" com olhos de quem sabe que os próximos a comerem serão ( quem haveria de ser?) eles próprios.
E sabem o que mais me assusta quanto ao que se passa cá pelo "rectângulo"? É um certo cheiro a «espera-se que isto passe, para que tudo volte ao mesmo», pois não são tomadas medidas que nos levem a acreditar que as regras do jogo mudaram de uma vez por todas, que os verdadeiros culpados vão ter que apertar o cinto para que não sejam sempre os mesmos a fazê-lo ou que a justiça social prometida no já distante "Abril " não seja mais uma palavra vã.
Mas não pensem que a ganância dos administradores e outros que tais é de hoje! Ela tem, efectivamente, fortes raízes no passado. Senão, vejamos este exemplo:
Segundo o Relatório e Contas da Fábrica da Chemina respeitante ao ano de 1942, nesse ano foram pagos de salários, aos mais de cem operários, 68.467$80. Mas o Conselho de Administração, nesse mesmo ano embolsou 198.000$00(!) e o Conselho Fiscal, que reuniu uma vez, 9.600$.
Mas o "fartai vilanagem" não ficou por aqui, pois foram distríbuidos "Dividendos" no valor de 90.000$00. A quem? Bom, tratava-se de uma Sociedade Anónima, com o capital realizado de 1.500.000$00 muito disseminado, mas... só dois accionistas detinham, em partes iguais, 10.810 acções das 15.000 emitidas. Eram eles Manuel Alves Barreto e Manuel Alves Ceppas, sendo que, pelo menos este último era administrador.
Vejam bem meus amigos para quem andaram trabalhando os operários alenquerenses da Chemina, nesse já distante ano de 1942... Para uns senhores que, com toda a probalidade. eles nunca conheceram e estavam lá para cima, para o Porto.
Será que isto alguma vez vai mudar? Diz o Povo que a última a morrer é a Esperança...Espero que não se engane.