Que me seja desculpado o trocadilho em título, pois com o nosso hino não se deve brincar, nem foi essa a minha intenção, antes pelo contrário...
São de todos conhecidas as circunstâncias em que surgiu a Portuguesa, marcha que, com o advento da República, foi elevada a hino nacional, sofrendo então uns retoques na sua letra original dedicada aos Bretões que haviam «deitado o olho» às nossas [descuidadas] colónias africanas.
O que talvez seja menos conhecido é o facto de a Portuguesa ter estado na base de uma ordem ditada pelo governo regenerador subserviente ao rei D. Carlos, a qual veio proibir as bandas ou filarmónicas de sairem à rua, tocando.
É do jornal «O Alemquerense» a transcrição que se segue:
«A autoridade proibiu, em nome da ordem, que as filarmónicas tocassem pelas ruas.
Esta medida provocou vários protestos de alguns jornais e causou sensação no seio das sociedades musicais.
De hoje em diante os filarmónicos não poderão atroar os ares com as suas notas nem sempre afinadas que faziam chegar as mulheres às janelas e os caixeiros às portas das lojas e só poderão tocar em família nas casas das respectivas sociedades.
Um desgosto para as famílias ... e para os vizinhos!».
Mas qual a causa de tal sanha anti-filarmónica?
«Esta guerra contra os figles [?] e trombones tem por fim evitar que se toque o hino A Portuguesa que, segundo parece, está fazendo arrepios a muita gente, principalmente desde que foi tocado na praça de Cintra diante de suas magestades, no meio de grande entusiasmo, levantando-se todos os espectadores e descobrindo-se, quando pouco antes se tinha feito o contrário ao hino da carta.».
Gostam os monárquicos pilha-bandeiras de apelar a um referendo à República, mas, como se pode verificar pelo que se transcreveu, esse referendo decorreu di-a-dia, País fora, sempre que a monarquia surgia aos olhos do Povo na pessoa desse rei caça-perdizes que ignorava soberanamente, como não podia deixar de ser, o Portugal assim retratado por Guerra Junqueiro no seu poema Finis Patrie:
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Faminto, nu, sem mãe e, sem leito,
Roubei um pão.
Quem vai além de farda e grã-cruz ao peito?
- Um ladrão!
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Todos os crimes da Desgraça
em mim reúno.
Quem vai além tirado a cavalos de raça?
- Um gatuno!
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Pela miséria crapulosa
eu fui traído.
Que esplêndido palácio em festa! Quem o goza?
- Um bandido!
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Viola, seduz, furta, assassina.
Milhão! És rei!
Que prostituta está cantando àquela esquina?
- A Lei!
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( Excerto de um poemeto que Guerra Junqueiro publicou dedicando-o à mocidade académica, «um canto de indignação e protesto, um grito de veemência contra os que arrastaram a pátria à beira do abismo, expondo-a aos insultos da Inglaterra »).
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Mas o mais desesperante de isto tudo é que, entre finais do século XIX e princípios do século XXI, o País não parece ter mudado tanto quanto isso, mantendo-se actual muito do que então os nossos poetas e escritores produziram... O que temos hoje? Portugal a saque, os partidos [mesmo os mais novos!] esclerosados, o futuro incerto!
É pois necessário reagir, não contra os políticos eternos bodes expiatórios do mau povo que somos, mas contra nós próprios. Por mais cidadania, contra os ladrões, marchar, marchar!