18 setembro, 2009

ALENQUER, VILA "DONUT"?



O que é que todos os Donuts têm em comum? O Buraco! Por isso mesmo eu digo que o centro da vila de Alenquer transformou-se num grande Donut, um imenso buraco onde já ninguém vive! Os habitantes foram centrifugados para a periferia, para as novas urbanizações. Por aqui ficou o que resta da população, idosa como não podia deixar de ser, alguns serviços e um comércio tradicional decadente, um comércio que sendo por natureza de proximidade, não encontra a quem vender, porque a proximidade é... o vazio.

Como isto aconteceu? Como ninguém deu por isso?

«O que me choca, enquanto ambientalista e socialista, é o Governo do meu partido falar de ordenamento do território quando ao manipular a péssima legislação urbanística que temos, sinistra nas suas omissões sobre a economia imobiliária, mais não faz do que distribuir mais-valias urbanísticas por quem entende».

-Eugénio Sequeira - "Ordenamento e urbanismo: política, ambiente e corrupção" In Ops!, n.º4 (28 de Julho de 2009), p. 17

Foi isso, essa distribuição de "mais-valias urbanísticas" aos agentes imobiliários, aos patos-bravos do cimento, que fez nascer na periferia das cidades e vilas urbanizações e mais urbanizações onde se escoou a população que vivia nos Centros. Como?

«A legislação urbanística portuguesa de hoje em dia, em contrapartida, é uma verdadeira obra-prima da corrupção sistemática do aparelho do Estado e das Autarquias. Pode dizer-se que um especulador não teria escrito melhores leis para si mesmo. Desde que foi publicado o Decreto-Lei n.º 46/673, fazendo da privatização de loteamentos e mais-valias urbanísticas o estribo da política nacional de solos(1), uma minoria de políticos e funcionários públicos que controlam a emissão de alvarás urbanísticos e a revisão de planos de ordenamento detêm o poder quase soberano de redistribuir a riqueza nacional a favor de quem lhes aprouver, sem necessidade de prestarem quaisquer contas perante os restantes cidadãos. A perspectiva de conquistar essas "fortunas trazidas pelo vento" ( ganhos económicos não resultantes de actividades económicas produtivas da parte do beneficário ) a que se chama mais-valias urbanísticas, graças ao controlo de certos cargos políticos e administrativos atrai para a vida partidária não poucos oportunistas ansiosos por sobraçar pastas e pelouros ligados ao urbanismo. Quem paga este jogo? Quem ganha com ele?

- Pedro Bingre, "A bolha imobiliária: duas faces da mesma (falsa) moeda" in Ops! , n.º 4, p.9

Quem paga é sempre o mesmo: o Zé. Mas também as nossas vilas e cidades. Veja-se o que aconteceu à cidade de Lisboa, a capital:

«De acordo com um estudo recente (...) que visa caracterizar o mercado residencial de Lisboa, nas suas nuances, este concelho perdeu cerca de 10,7 mil residentes/ano entre 2001 e 2008, o que se traduz em termos absolutos em menos de 75.000 residentes. "Este decréscimo teve na sua origem o designado fenómeno denominado por periurbanização, caracterizado pelo aumento populacional das periferias (...).

O decréscimo populacional, influenciado entre outros factores pelo aumento da idade da vida activa, por diminuição do índice de fecundidade e de natalidade e o aumento da proporção de famílias unipessoais ( maioritáriamente constituídas por idosos ), são alguns dos aspectos apontados pela APEMIP como justificativo da diminuição do número de habitantes por fogo, tanto em Lisboa como no resto do País.).

- In Expresso Imobiliário, 13 de Setembro de 2009.

Pelo menos nisto Alenquer assemelha-se a Lisboa. Quem como eu anda por aqui há 62 anos, conhecia/conhece cada casa e quem lá morava. Cada fogo uma família! Hoje o deserto instalou-se ( não é preciso atravessar o Tejo...). A Rua Triana aquela que um dia foi a principal rua da vila, a rua mais comercial da urbe, à excepção de um moderno bloco de apartamentos, apresenta as suas casas de habitação 2/3 devolutas, as que o não estão, têm como morador(a) um idoso. Quanto às que estão habitadas, se achássemos a média etária dos que lá vivem, certamente que ficariamos (ou não) admirados ao verificarmos que os escalões etários largamente maioritários seriam os dos 50/60 e +70, portanto população idosa, por natureza com hábitos e necessidades de consumo modestos. Por isso o comércio definhou, pelo que apontar o dedo ás «grandes superfícies» é ver nelas «moinhos de vento» como adversários ( que também o são) implacáveis.

Estamos à beira das eleições legislativas e autárquicas. Quanto às primeiras, espero que o José Sócrates ainda se lembre da promessa de há quatro anos de «tornar o poder local menos dependente do imobiliário» e a retome, desta vez para a concretizar caso seja eleito. Também se não se lembrar não será por isso que deixarei de votar nele, mas terei pena.

Quanto às segundas, espero que os programas eleitorais locais acolham no se ponto «Políticas de Habitação» esta questão como uma das suas preocupações, nem que seja para as respectivas forças políticas manifestarem a vontade de procederem, quando eleitas, a um rigoroso inquérito, «porta-a-porta», que nos dê uma radiografia nítida do estado a que a vila chegou. Pelo menos era um princípio...

Nota: Ainda ficou por referir as casas degradadas, as casas de habitação que o deixaram de ser para passarem a ser de serviços, os factores desmotivadores de fixação populacional como os ilegais ( assim nasceram, assim continuam, não ponham lá moeda porque ninguém vos poderá multar ) parquímetros, supostamente a favor do comércio, objectivamente contra os moradores, em função do Regulamento que a Assembleia Municipal ainda não aprovou, isto com a soberana indiferença ( ou incompetência?) de TODA a Câmara, mesmo quando os juristas da CCDR-LVT já emitiram parecer político esclarecedor.

(1) - A Política de Solos instituída pelo Decreto-Lei n.º 794/76 de 24 de Novembro sempre foi, para todos os efeitos práticos, letra morta. O Código de Expropriações (DL 168/99), o Regime Jurídico de Loteamentos Urbanos (DL 448/91 e o Regime JUrídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (DL 380/99) configuram, na sua substância, a real política de solos do nosso país e limitam-se a seguir o espírito do diploma de 1965.