«Cabe então proteger só o que é "antigo"? Proteger o que é antigo e só ou sobretudo porque é antigo? De modo algum. O critério de preservação há-de ser sempre o da qualidade da peça. Nem tudo o que é antigo no domínio do património histórico-artístico merece ser conservado - há que dizê-lo definitiva e corajosamente
- Pais da Silva in Pretérito Presente, pp. 24-25.
Quanto à "qualidade da peça" diga-se desde já que, infelizmente, não é a melhor, pois o bonito edifício que se vê acima ardeu por completo há nove anos atrás e, ao contrário do da fábrica da Romeira, classificado como "Imóvel de interesse público", nunca ele mereceu essa distinção.
Este edificio onde laborou uma fábrica de lanifícios começou a ser construído em 1889 com projecto traçado por José Juvêncio da Silva, um autodidacta alenquerense a quem se ficou igualmente a dever o projecto do edifício dos Paços do Concelho. A 31 de Agosto desse mesmo ano, festejou-se rijamente o "pau-de-fileira" e, em Junho do ano seguinte, seria inaugurado.
Por obra do destino e de apertos financeiros dos sócios-gerentes, a Chemina foi adquirida pelo Município por volta do ano 2000, porque o seu executivo, com clarividência e savoir fair, viu na antiga fábrica utilidade para qualquer coisa, mas do mesmo modo que viu essa utilidade, também facilmente dela se esqueceu, como o indicia o facto de ter decorrido uma década sem que lhe haja dado qualquer destino, sem que lhe tivesse traçado projecto ( houve um, mas foi para inglês ver e benefício de quem o fez...).
Mas deixemos por agora isto de lado e olhemos para a Chemina como peça de património, para formularmos uma pergunta: Estando ela no estado em que está e atendendo ao que ela representa, valerá a pena preservar o que resta do antigo edifício industrial?
Esta mesma pergunta tenho-a eu feito directamente a algumas pessoas que invariavelmente respondem: Deitar aquilo abaixo? Nem pensar! Um edifício tão antigo...
Bom. Há coisas que felizmente os portugueses vão aprendendo, como reciclar o lixo, poupar água e... também a dar valor a tudo o que é velho, mas só porque é velho, pois ainda lhes falta mais qualquer coisa para um juízo crítico da questão. Mas convenhamos que já não é mau... Entretanto vejamos o que escreveu o Prof. Doutor Pedro Gomes Barbosa sobre esta matéria:
«(...) a realidade não se compadece com o "ideal", e não é humana e economicamente possível tudo conservar, por vários motivos que facilmente poderão ser entendidos. Desde logo, a falta de meios humanos qualificados para exercerem essas tarefas. Em seguida, as verbas sempre escassas para empreendimentos que exigem, por vezes somas vultuosas. Por fim, como um dos pontos principais, a necessidade de sacrificar parte do que Foi para construir aquilo que Será».
Realmente lendo isto e olhando para o nosso imponente e belo edifício dos Paços do Concelho, cuja construção foi acompanhada da construção da Variante que pela Vila Alta passou a ligar a estrada que vinha do Carregado à que ia para a Merceana, dou comigo a pensar quanto tudo isso custou em património que se foi: A medieval porta de Santo António ou da Vila, a Casa Velha da Câmara do século XVII, o Celeiro das Jugadas do séc. XVIII, o Largo do Pelourinho com a sua capela, o que restava da muralha até ao Arco da Conceição...
Mas a verdade é que então ninguém se preocupou muito com isso ( os jornais da época o confirmam), as coisas eram mesmo assim, o progresso não se detinha perante as pedras antigas que, no que respeita ao atrás citado, lá estão por debaixo do alcatrão que hoje forra a estrada para Torres ou em paredes e muros da velha Judiaria ou mesmo na muralha de suporte ao Largo Luís de Camões e à Rua dos Muros. Se assim não fosse, por debaixo da Lisboa actual não estaria a Lisboa setecentista caída com a Terramoto, a Medieval, a Moura, a Romana, a Fenícia... estratos e mais estratos dos quais qualquer arqueólogo em perfeito juízo foge a sete pés.
Portanto esta preocupação com o antigo é uma preocupação actual e a ela voltaremos para continuarmos a falar da Chemina.