08 outubro, 2012

O CASTELO DE ALENQUER - II


A ALCÁÇOVA E A VILA AMURALHADA
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Numa descrição do IGESPAR (nota Histórica-Artística) pode ler-se: «O castelo gótico de Alenquer organizava-se em dois recintos diferenciados: no nível superior, ajustando-se à topografia do terreno, localizava-se a alcáçova (1); no inferior, abrangendo uma área mais vasta, desenvolvia-se a cerca que protegia o primitivo aglomerado urbano».
Bom, este era o «castelo gótico», porque, como confessa o autor da ficha, «sobre a configuração das anteriores fases da fortaleza nada sabemos». Olhando a gravura abaixo, verificamos que o castelo se situava na colina ao lado duma outra encimada pela igreja e convento de S. Francisco, aquela mesma onde hoje se situa o edifício dos Paços do Concelho e onde é montado o tradicional Presépio que em Dezembro se ilumina e é objecto de divulgação televisiva. Com esta explicação pensamos que quem nos lê e não é natural daqui, ficou melhor elucidado quanto ao local objecto deste escrito.
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- Gravura editada pela C.M.A. (encarte de postais) que sabemos ser da autoria de Mestre João Mário. Uma tentativa (séria) de reconstituição histórica da vila medieval (séc. XIV) com base em escritos antigos, no que terá tido a colaboração do historiador local Rodrigues Guapo.
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Quanto a «antigas configurações», elas são bem prováveis, pois trabalhos arqueológicos efectuados no espaço ocupado pelo castelo e respectivos achados, permitiram concluir que, desde tempos remotos, por aí se estabeleceram outros povos, beneficiando das óptimas condições estratégicas que esta elevação sobranceira ao rio oferecia.
Segundo Maria Gertrudes Azinheira Branco (2) no Castelo/Porta da Conceição «elevação sobranceira dominando o meandro do rio» terá existido um povoado castrejo, fortificado ou não, como os dos vizinhos castros da Ota, Pedra de Ouro e Alto do Pedregal.
Os romanos também por aqui estiveram. Sem querermos entrar na polémica que ora coloca a cidade de Jerabriga, ou Ierabriga, nas proximidades de Alenquer (bairro de Paredes), ora em Povos, mencionaremos os escritos de Bento Pereira do Carmo, citado por Guilherme J. Carlos Henriques em A Vila de Alenquer, que referem terem sido encontradas, no alto da colina, muitas moedas dos imperadores Trajano, Adriano e António Pio, quando aí se fizeram «algumas obras com que se pensou fazer rosto à invasão francesa», para concluirmos que aí terá existido um posto de vigilância ou um castrum (castelo) romano.
Recuando na fita do tempo, indiscutível foi, também, a presença dos Alanos (Alan Kerk - castelo dos alanos?), e, em tempos mais próximos, a presença mourisca cujo castelo foi tomado por D. Afonso Henriques em 1148.
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- Traçado publicado por Luís Venâncio em Alenquer - Concelho Multissecular e Monumental - Este traçado mereceu a concordância de João Pedro Ferro na sua Alenquer Medieval (salvo erro, o desenhador foi Isidoro Guerra).
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Portanto, terá sido a partir da primitiva acrópole, depois alcáçova de alanos, mouros e cristãos que o povoado foi crescendo. Primeiro intra-muralhas, projectando-se para Norte, zona mais agreste onde se fixaria a Judiaria (curiosamente, quase toda a área que corresponde à antiga vila amuralhada é conhecida como Bairro da Judiaria, mas esta só ocupava a zona mais a Norte, espaço ainda mal definido...), acabando por preencher a cerca do castelo até aos seus limites. Depois, após a Reconquista, a vila «saltaria»  as muralhas e esparramar-se-ia monte abaixo a partir de uma eminência coroada pela Igreja e Convento de S. Francisco.
E foi a partir destes «dois núcleos geradores», a «acrópole castreja e o agregado conventual de S. Francisco» que a vila partiu ao encontro do rio, ocupando primeiro a sua margem direita, para mais tarde se fixar trans amnem, além do rio, dando origem ao Bairro de Triana.
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- Gravura de Ribeiro Cristino que eu dato como anterior a 1870, uma vez que ainda não representa a Aula Conde Ferreira. Nesta gravura pode observar-se que a muralha já quase não existia, mas bem lá no alto ainda sobressaia um pedaço significativo da alcáçova.
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(1) - Alcáçova - Do árabe al-qasbah (cidadela). Em arquitectura militar é a zona situada na cota mais elevada e mais protegida dentro do castelo medieval ibérico (em árabe alcácer), com funções de defesa e onde residiam as autoridades. Mais tarde passou a designar o complexo residencial do castelo medieval onde, habitualmente, residia o alcaide ou governador.
(2)- BRANCO, Maria Gertrudes de Azinheira, A Pedra de Ouro (Alenquer): Uma leitura actual da Colecção Hipólito Cabaço, Lisboa, Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2007, Dissertação de Mestrado em Arqueologia.