OS VINHEDOS DO SR. VISCONDE DE CHANCELLEIROS
NUM ARTIGO DO
VISCONDE DE VILARINHO DE S. ROMÃO
- Sebastião José de Carvalho, Visconde de Chancelleiros (1835-1905)
O artigo que se transcreve foi publicado pelo Visconde de Vilarinho de São Romão (3º do mesmo título), Luís António Ferreira Teixeira de Vasconcelos Girão, descendente de uma geração de vinhateiros do Alto Douro, no periódico Agricultura Portuguesa e dado a conhecer, localmente, pelo O Alemquerense, n.º 236 de 9 de Setembro de 1892 (pág. 2).
A terrível praga da filoxera havia atingido gravemente os vinhedos nacionais e Sebastião José de Carvalho, político e grande proprietário alenquerense, havia sido dos que maior luta dera pela erradicação da praga, daí a visita de que resultou o artigo do Visconde de Vilarinho de São Romão.
«Visitando há dias os vinhedos que
o sr. Visconde de Chancelleiros possui na Cortegana, prazer que devemos à
penhorante amizade deste ilustre titular, julgamos muitos sermos úteis
descrevendo o muito que neles vimos e aprendemos.
Não nos referimos ao senhorial chateau, residência deste importante
domínio, a suas arruadas matas, primorosos parques e cuidadosos pomares, por
isso que nosso intento bem diverso se reduz a citarmos o exemplo mais eloquente
e frisante, que na Península conhecemos, de quanto pode e deve esperar das
videiras americanas, a viticultura pátria.
Abrange este domínio diversas
propriedades, entre as quais percorremos as do Rocio, Bichinha e Monte de Ouro,
qual delas a mais extensa e cuidadosamente granjeada e, em muito, superiores às
que em países estranhos vemos frequentes vezes citadas e que de visu conhecemos.
Este extenso domínio vitícola,
que antes da invasão filoxérica produzia mais de 4:500 pipas do mais fino vinho
da afamada região de Torres (1), foi em 3 anos por completo destruído, salvando-se
apenas as várzeas e as suaves encostas que as circundavam, as primeiras pela
submersão e as segundas pelo sulfureto de carbono, processos ainda hoje
adoptados pelo ilustre proprietário, para a defesa desses seus antigos
vinhedos.
Reconhecendo em sua ilustrada
prática o pequeno resultado obtido pelo sulfureto, para os restantes vinhedos
pela constituição de seus terrenos em excesso argilosos e pela falta de braços
e tempo para adoptar este único tratamento, para tão extensos vinhedos,
resolveu reconstitui-los pelo único processo prático que reconheceu, qual era a
adopção das videiras resistentes.
Estudadas e ensaiadas as
americanas mais convenientes para os seus terrenos pela sua maior resistência e
maior afinidade com as preciosas variedades da região, adoptou as Riparias,
Solonis, Rupestris e Jacquez, constituindo no entanto as primeiras a maioria
dos cavalos(2) preferidos.
Com a inteligência e ilustração
que todo o país reconhece neste notável estadista e com a persistência e
energia que constitui o apanágio de tão ilustre família, resolveu replantar as
suas devassadas propriedades, no mais curto espaço de tempo, adoptando o
seguinte processo que reúne todas as novas regras de cultura.
Arrancada a velha vinha, foi
efectuada uma aprofunda surriba(3) a todo o terreno, por meio da charrua Vernette
tirada por 12 ou 14 possantes animais, sendo em seguida o terreno arrasado e
nivelado com auxílio de apropriadas grades; seguindo-se a este preliminar
trabalho a determinação no terreno da nova plantação, o que fácil e rapidamente
foi conseguido por meio de riscadores.
A plantação foi feita em covatos,
colocando-se os barbados à profundidade média de 36 milímetros ,
distanciando-se as plantas entre si 1,50 m , possuindo já por este processo mais de 150 hectares perfeita
e regularmente plantados e alinhados, do que grandes vantagens económicas
principiam a ser obtidas.
As plantações são enxertadas no
ano seguinte, adoptando-se os sistemas de fenda simples, cheia ou lateral (segundo
o diâmetro do cavalo); a poda é em talão, utilizando-se para os granjeios
culturais a charrua Vernette tirada por um único animal.
Na ocasião em que visitávamos a
quinta de Monte de Ouro procedia-se à redra de suas vinhas, sendo de admirar a
perfeição e precisão com que os possantes percherons(4)
conduzidos por adestrados condutores redravam os extensos alinhamentos dos
pujantes vinhedos.
Nas propriedades do Rocio e Monte
de Ouro possui o seu previdente proprietário extensos e cuidadosos viveiros das
americanas adoptadas para a substituição de falhas, replantações futuras e,
principalmente, fornecimento de plantas aos terceiros.
Constitui o sistema de terceiros(5) um dos mais suaves e
proveitosos métodos para o arroteamento destes terrenos, por isso que os pobres
operários plantando e cultivando os terrenos concedidos e reservando para si
2/3 das futuras novidades, adquirem amor à terra, fixam sua residência e
família, podendo quando diligentes e felizes, obter capitais para se tornarem
prestimosos proprietários.
Outro processo adoptado com
grande resultado pelo benemérito viticultor da Cortegana, e por nós já
infrutuosamente ensaiado em Vilarinho de S. Romão, consiste em enxertar com
americana as videiras europeias, reenxertando-as no ano seguinte com as europeias
mais adequadas à região, conservando as raízes emitidas pela americana, obtendo
por este processo, desde logo, produções normais, como vimos, e não
necessitando de mergulhar estas enxertias.
Os processos de replantação e
cultura que resumidamente acabamos de expor, constituem exemplo bem digno de
ser imitado, devendo estas propriedades modelo por todos serem visitadas, por
isso que nelas encontrarão os viticultores nos sucessivos trabalhos de 3 anos
as mais primorosas plantações, perfeitas enxertias e a vegetação pujante de
abundante frutificação que outrora admirávamos nos nossos mais cuidadosos
vinhedos.
O exemplo prático e benéfico que
acabamos de citar e que tão transcendente influência exercerá nas futuras
plantações do país, devido ao talento, ilustração e força de vontade do sr.
Visconde de Chancelleiros, constituiria em qualquer país, que não o nosso,
motivo para oficial e condignamente ter sido galardoado tão ilustre
vitivinicultor, que assim apenas será compensado de seus beneficentes esforços
pelos lucros que auferirá e por ter prestado à viticultura portuguesa o exemplo
mais prestimosos que era dado patentear».
Porto, 24 de Agosto de 1892
Visconde de Villarinho de S. Romão
(1) - Surge aqui citada "Torres", mas é evidente que se trata de Alenquer, concelho onde o Visconde de Chancelleiros residia e tinha as suas propriedades.
(2) - Cavalo é o termo comum do porta-enxerto. O sistema encontrado para combater a filoxera foi plantar um porta-enxerto (ou cavalo) de uma casta americana resistente à filoxera onde passado um ano se enxertava uma variedade local que se pretendia e achava adequada à viticultura local.
(3) - Escavar a terra profundamente, desbravar, lavrar em profundidade.
(2) - Cavalo é o termo comum do porta-enxerto. O sistema encontrado para combater a filoxera foi plantar um porta-enxerto (ou cavalo) de uma casta americana resistente à filoxera onde passado um ano se enxertava uma variedade local que se pretendia e achava adequada à viticultura local.
(3) - Escavar a terra profundamente, desbravar, lavrar em profundidade.
(4) - Raça de cavalos tidos como poderosos mas ágeis e dóceis, geralmente de cor negra ou cinza. O Percheron, originário de Perche, Normandia, França, foi largamente utilizado como animal de tracção antes do aparecimento do tractor. Penso que em Portugal nunca foi muito comum.
(5) - Sistema de cedência da propriedade a troco de um terço da produção. Ainda me recordo da existência aqui na vila e no concelho de muitos trabalhadores que amanhavam terços.
(5) - Sistema de cedência da propriedade a troco de um terço da produção. Ainda me recordo da existência aqui na vila e no concelho de muitos trabalhadores que amanhavam terços.