20 janeiro, 2009

ANA PEREIRA - UMA ACTRIZ, UM TEATRO




Ana Pereira nasceu na freguesia de Cadafais a 27 de Julho de 1845 e era irmã de Margarida Clementina, também artista de renome, falecendo em Lisboa no dia 24 de Julho de 1921.
No seu tempo, foi uma das mais importantes e consagradas actrizes. Da sua impressionante biografia, transcrevemos, ao acaso:
«Em 1868, no teatro da Trindade, vive a época mais brilhante da sua vida artística distinguindo-se, particularmente, na opereta Barba Azul.
O público começou a adorá-la e, todas as noites, logo à sua entrada, no primeiro acto, era recebida com entusiásticos aplausos». (In O Concelho de Alenquer de António de Oliveira Melo e outros)
O cartão ao lado reproduzido é da autoria de Francisco Valencia e faz parte do acervo iconográfico da Biblioteca Nacional.
Em reconhecimento do mérito artístico desta actriz nossa conterrânea, foi dado o seu nome a uma sala de teatro que se construiu no Club Alenquerense, hoje Liga dos Amigos de Alenquer, colectividade de Bairro, logo importante para aqueles que nela procuram um lugar de encontro e convívio.
Acontece que o edifício pertence à Misericórdia e, não tecendo quaisquer juízos por absoluto desconhecimento das razões que assistem às partes, esse facto tem vindo a dificultar a sua recuperação.
A sala é preciosa, merece ser recuperada, e, apesar da sua pequena dimensão ( mais ou menos cem espectadores, na plateia e na galeria superior ), reune excelentes condições para o teatro, em especial pelas condições que o seu palco oferece, com um magnífico fosso para instalação dos maquinismos de cena. Daria uma excelente "oficina" de Teatro.
Todavia essa recuperação caíu num impasse. É caso para dizer: Em Alenquer, nada anda, tudo emperra ( não olhem só para autarquia, por favor )... Hipólito Cabaço costumava dizer que, algures por aí, está uma cabeça de burro enterrada e, enquanto não a encontrarem, é escusado...
Mas, nisto do Teatro, não deixa de ser curioso como a História, de algum modo, se repete: Leiam o que nos diz Guilherme J. C. Henriques no seu A Vila de Alenquer, publicado em 1902, a propósito do Celeiro das Jugadas ( demolido para a construção do edifício dos Paços do Concelho ):
«Pelo que diz o douto alenquerense ( Bento Pereira do Carmo ) parece que já em 1842, o antigo celeiro servia de teatro; mas é certo que em 1863 se construiu aí um lindo teatrinho que embora nunca tivesse cenário efectivo, nem maquinismo, serviu durante alguns anos para a representação de peças de grande merecimento e que, até exigiam estes acessórios, cuja falta era suprida segundo a habilidade de cada um».
Mas, uns anos antes, quando escreveu uma outra obra intitulada Alenquer e o seu Concelho, Henriques havia acrescentado mais este período:
«É para lamentar que possuindo Alenquer uma filarmónica e orquestra mais que sofrível, não possua também uma sociedade dramática para nas noites do inverno entreter os seus patrícios com tão instrutivo recreio».
Pois bem, quando não é do ... é das calças. O melhor mesmo é partirmos, todos, à procura dessa tal caveira ou «cabeça de Burro»!

14 janeiro, 2009

REGIÕES E REGIONALIZAÇÃO (II) - AS COMARCAS DE D.DINIS

Quando D. Dinis se senta no trono, não havia mais território a conquistar, os contornos do Portugal continental que hoje habitamos estavam praticamente delineados. Ele é, de facto, o primeiro monarca que tem um País para governar e fê-lo nos termos que, por demais, são conhecidos, com competência e visão.
Não admira por isso que as cartas de Foral pré-existentes tenham sido em muitos casos revistas e aquelas que se ficaram a dever à sua "magnanimidade" sejam consideradas exigentes e rigorosas: era o centralismo que se afirmava na real figura do monarca, era a necessidade de mais dinheiro para construir um País.
Atrás escrevemos "magnanimidade" ( entre comas ). Não, o Rei não era magnânimo, o Rei precisava de dinheiro e de afirmar a sua autoridade e a carta de Foral era o veículo ideal para a concretização destas suas necessidades.
Acerca dos Forais existe, aliás, um equívoco no qual, de quando em vez, incorrem muitos municípios que, com pompa e circunstância, festejam os centenários destes instrumentos que eles parecem desconhecer não serem fundadores do município, nem tão pouco carta de "alforria". Eles foram, isso sim, instrumentos de sujeição ao poder real e, utilizando uma imagem actual, "código fiscal", pois tudo passava a ter um preço traduzível em moeda, até a morte "matada" de um homem. E com D. Dinis esse "tudo" torna-se muito mais abrangente.
Mas não se tratava, tão só, de limitar politicamente a autonomia dos concelhos. De facto, concluida a Reconquista desfaz-se certa cumplicidade que se havia estabelecido durante o anterior período entre o Rei e os municípios, os quais haviam funcionado - e sido utilizados - como contra-poder a opôr aos senhores feudais, e agora era chegado, também, o tempo do Rei limitar a sua autonomia administrativa.
Por isso «o poder central nomeia quer funcionários, que acompanham directamente a actividade municipal, quer magistrados, cuja actuação se estende por divisões regionais - meirinhos-móres que D. Dinis substitui pelos "corregedores das comarcas"»(1). Daí a carta que acima divulgamos, a primeira carta regional que o País teve, conhecida através de um codicilo de 1299.
Por ela se verifica que o rio Douro delimita 3 comarcas-regiões: a Norte a de Entre Douro e Minho, a Sul, as de Entre Douro e Mondego e Beira ( de beira serra). Mais a Sul ainda, a da Estremadura ( extrema dura do território quando a Reconquista galgara o Tejo ) e a de Entre o Tejo e Odiana, porque para lá do Guadiana, ficava a de Moura e Serpa. Esta última certamente ditada pelo receio de que se viesse aí a perder a soberania, por isso havia que colocar em evidência esse território. E o Algarve? Realmente não está lá. Território recém-conquistado era com o Alentejo um imenso contínuo, pouco povoado, não justificaria, provavelmente, uma diferenciação.


(1) - Claudino, Sérgio (2006). Portugal peninsular e os desafios regionais in Finisterra, 81, p.107

- Nesta como em mensagens seguintes, procuraremos seguir a lição do Prof. Doutor Sérgio Claudino, do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa a quem prestamos a nossa homenagem como docente, quer pelo seu saber, quer pela sua disponibilidade para nos transmitir esse saber.

06 janeiro, 2009

CARRETOS E QUADRILHAS A CAMINHO DE VILA NOVA


De muitos "carretos", ou carros puxados por bois, se compunha uma "quadrilha". Cada "carreto" era conduzido por um "carreteiro", como o postal bem ilustra. Mas uma "quadrilha" juntava ainda outras figuras: o "abegão" que coordenava os cuidados devidos aos animais, o "fiel" que superentendia nas cargas e até mesmo um "carpinteiro" que, munido das ferramentas próprias do ofício, ia ao longo da dura jornada resolvendo as avarias que os "carretos" apresentavam.
Foi assim, em "quadrilhas" que por vezes reuniam dezenas de "carretos", que as mercadorias circularam no nosso País até ao advento do combóio e, mais tarde, até á vulgarização dos veículos a motor.
Quando em meados do séc. XIX os lavradores de Ota, de Abrigada e dos concelhos de Cadaval e Alcoentre escoavam a sua produção vínicola pelo porto fluvial de Vila Nova da Rainha, estima-se que, só para esse efeito, anualmente 10.000 carretos alcançavam o Tejo em Vila Nova.
O caminho, esse era duríssimo para os homens que o percorriam, um caminho que em tempo de chuva os "engoliria com os bois, carros e carradas". Este problema fazia-se sentir com maior gravidade no Paul do Bunhal onde a estrada se tornava impraticável. Atento a essa calamitosa realidade, o então Administrador do concelho de Alenquer, Albino d'Abranches Freire de Figueiredo, chegaria a propor a navegabilidade do rio Ota desde a Ponte de S. Bartolomeu, onde chegavam as marés, até à zona do Bunhal, mediante a bertura de uma vala ou canal.
Mas o combóio em breve chegaria ao Carregado fazendo deslocar para aí e para o vizinho porto da Vala, muito do movimento que ao tempo procurava Vila Nova da Rainha. Para mais, a crónica falta de dinheiro foi sempre o principal obstáculo para que, no nosso País e à semelhança da Inglaterra ou da França quando das suas revoluções industriais, aqui também se investisse na via fluvial para um transporte mais rápido e barato das mercadorias.

Uma última chamada de atenção, esta para quem se interessa pelo traje. Atente-se no traje de trabalho ostentado pelos "carreteiros".