12 dezembro, 2010

AS PALAVRAS CERTAS EM TEMPO INCERTO

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QUE TERRÍVEL TEMPO ESTE...
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São de José Manuel dos Santos e foram publicadas na sua crónica intitulada «Miséria», revista "Actual" do jornal Expresso, de 11 de Dezembro, as palavras que de seguida transcrevo e perante as quais me curvo respeitosamente em face da sua qualidade, fazendo-as minhas, esperando que o autor me desculpe o atrevimento:
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Que terrível tempo este, a que somos obrigados a chamar nosso! Sobre este tempo e os seus males, sobre estes dias e os seus medos, as vozes erguem-se para proclamar o óbvio e baixam-se para murmurar o absurdo. As palavras levantam-se para afirmar o injusto e caem para gaguejar o inútil. Lemos o que escrevem sobre esta crise e reparamos que a sua escrita está sempre do lado da morte. A monstruosidade quer mais monstruosidade e a avidez exige mais avidez. Todos apontam o dedo a todos, todos desviam o olhar de todos, mas todos se fazem com todos. Os culpados de ontem são os inocentes de hoje e os inocentes de hoje serão os culpados de amanhã. Como o ladrão que grita "Agarra que é ladrão!", todos acusam os outros de terem feito o que eles fazem. Todos cheios de virtudes. Todos cheios de valores. Todos cheios de verdades.(...)
O pior é ouvir os que são réus a falarem como juízes. Ouvir dizer o horror com alegria sádica ("É preciso acabar com o Estado providência"). Ouvir dizer a esperança com tristeza masoquista ("É preciso mudar de vida"). Ouvir dizer a palavra 'mercados' como se a rezassem. Os que ajoelhavam perante os ameaçados donos de hoje erguem-se agora para os insultar - e ajoelham-se já em frente dos anunciados donos do amanhã que lhes canta aos ouvidos. São sempre os mesmos a fazer o mesmo para obter o mesmo.
E, aqui, da política sobra alguma coisa? Sobra sempre este poema de Sophia, na sua anacrónica actualidade justa:
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Nestes últimos tempos é certo a esquerda fez erros
caiu em desmandos confusões praticou injustiças.
Mas que diremos da longa tenebrosa e perita
degradação das coisas que a direita pratica?
Que diremos do lixo do seu luxo - de seu
viscoso gozo da nata da vida - que diremos
da sua feroz ganância e fria possessão?
Que diremos da sua sábia e tácita injustiça
que diremos de seus conluios e negócios
e do utilitário uso dos seus ócios?
Que diremos de suas máscaras álibis e pretextos
de suas fintas labirintos e contextos?
Nestes últimos tempos é certo a esquerda muita vez
desfigurou as linhas de seu rosto
mas que diremos da meticulosa eficaz expedita
degradação da vida que a direita pratica?