30 maio, 2011

MOMENTOS MÁGICOS

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Com o avançar da idade, percebemos que houve momentos vividos, sem dúvida mágicos, que nos acompanham por toda a vida. Todos os temos, todos os recordamos, e, quando menos se espera, eles emergem vindos de um qualquer ficheiro desse complexo sistema de armazenagem de recordações a que chamamos memória.
No que me diz respeito, recordo com particular saudade as noites do 1 de Dezembro da minha infância, quando a nossa Banda saía à rua, comemorando a data duplamente histórica da recuperação da independência nacional e do seu nascimento em 1890. Na noite calma e geralmente fria, ela fazia-se anunciar ainda ao longe e à medida que se aproximava, os acordes do Hino da Carta tornavam-se cada vez mais perceptíveis, enchendo a rua. Depois, parava em frente à tipografia, do outro lado daquele onde a uma janela eu espreitava, e, tocando, apresentava cumprimentos ao jornal da terra, «A Verdade», na pessoa do seu editor, o meu tio Renato Lourenço. Cumprido o ritual, lá ia ela, vila fora, enquanto entre cobertores eu adormecia no aconchego da cena vivida.
Vem isto a propósito de um poema de Manuel da Fonseca intitulado «Mataram a Tuna», a Tuna do Zé Jacinto que tornava mágicos os domingos de uma vila alentejana sacudida ao som da Marcha Almadanim:
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MATARAM A TUNA 
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Nos Domingos antigos do bibe e pião saía a Tuna do Zé Jacinto
tangendo violas e bandolins
tocando a marcha Almadanim.
Abriam janelas meninas sorrindo
parava o comércio pelas portas
e os campaniços de vir à vila
tolhendo os passos escutando em grupo.
Moços da rua tinham o pé leve.
O burro da nora da Quinta Nova
espetava as orelhas apreensivo
Manuel da Água punha gravata!
Tudo mexia como acordado
ao som da marcha Almadanim
cantando a marcha Almadanim.
Quem não sabia aquilo de cor?
A gente cantava assobiava aquilo de cor...
(só a Marianita se enganava
ai só a Marianita se enganava
e eu matava-me a ensinar...)
que eu sabia de cor
inteirinha de cor
e para mim domingo não era domingo
era a marcha Almadanim!
Entanto as senhoras não gostavam
faziam troça dizendo coisas
e os senhores também não gostavam
faziam má cara para a Tuna:
-que era indecente aquela marcha
parecia até coisa de doidos:
não era música era raiva
aquela marcha Almadanim.
Mas Zé Jacinto não desistia.
Vinha domingo e a Tuna na rua
enchendo a rua enchendo casas.
Voavam fitas coloridas
raspavam notas violentas
rasgava a Tuna o quebranto da vila
tangendo nas violas e bandolins
a heróica marcha Almadanim!
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Meus companheiros antigos do bibe e pião
agora empregados no comércio
desenrolando fazenda medindo chita
agora sentados
dobrados nas secretarias do comércio.
Cabeças pendidas jovens-velhinhos
escrevendo Deve e Haver somando somando
na vila quieta
sem vida
sem nada
mais que o sossego das falas brandas...
- onde estão os domingos amarelos verdes azuis encarnados
vibrantes tangidos bandolins fitas violas gritos
da heróica marcha Almadanim?!
Ó meus amigos desgraçados
se a vida é curta e a morte infinita
despertemos e vamos!
Vamos fazer qualquer coisa de louco e heróico
como era a Tuna do Zé Jacinto
tocando a marcha Almadanim!
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E por falarmos de Música e de Tunas, aqui fica um CONVITE:
Façam qualquer coisa de «louco e heróico» e, QUARTA-FEIRA, pelas 22,00 H, venham ao Auditório Damião de Góis, ouvir o Grupo Cantar de Amigos e a Tuna da «Vida Activa» que homenageará a inesquecível Amália interpretando parte substancial do seu reportório de música de raiz popular. É a «FEIRA DA ASCENSÃO» que  começa e eu lá estarei à vossa espera, com o meu cavaquinho e a minha bragueza, tal como os meus companheiros/as de Tuna, para os divertir e para os convencer que a juventude ou a velhice são, antes de mais, um estado de espírito.

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21 maio, 2011

OUTRO ALENQUERENSE (QUASE ESQUECIDO...)



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LUSO SOARES - HOMEM DO DIREITO E DA CULTURA


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As minhas deambulações pelos leilões on line levaram-me a tropeçar (e a licitar) na obra cujo rosto acima reproduzo. O seu autor, já desaparecido, Fernando Augusto de Freitas Mota Luso Soares, nasceu em Alenquer no dia 2 de Março de 1924, na casa que seus pais habitavam na Calçada Francisco Carmo, logo abaixo do mirante e à esquerda de quem desce.


Seu pai, alto funcionário público, ocupava nesta Vila um dos lugares de Conservador. Foi ainda em Alenquer que Fernando Luso Soares fez a sua instrução primária, após o que a família se retiraria para a capital. Não deixa por isso de ser curioso que a primeira obra por si produzida, em 1941, tivesse sido precisamente esta monografia sobre a sua terra natal, obra que eu já havia consultado na BN e que, embora bem escrita, para o investigador mais exigente, diga-se em abono da verdade, nada trás de novo ou surpreendente.


Quis o acaso que ao frequentar a faculdade de Direito viesse a ser aluno de Processo Civil deste ilustre alenquerense que aí leccionava em busca do doutoramento que, na minha perspectiva, injustamente lhe viria a ser negado quando o júri recusou a sua tese por a considerar «demasiado filosófica». Uma treta, os motivos foram outros e bem mais mesquinhos, pois ao tempo era a extrema-direita que imperava entre o doutoral corpo da Faculdade e Luso Soares era da área do PCP, amigo íntimo do General Vasco Gonçalves (pois é amigos, e olhem que isto não foi há muito tempo...).


Quando Luso Soares entrava ano Anfiteatro 1 da Faculdade para leccionar, a enorme sala tornava-se pequena. Era assim tão grande o interesse reinante pelo Processo Civil? Não. O motivo era outro. A enorme cultura do professor tornava estas aulas, onde o Processo Civil era só mais um tema, verdadeiramente apetecíveis. E, fruto de uma paixão pecadora (digo eu), por lá perpassava, sempre, uma inevitável alusão ao seu Sporting Clube de Portugal! Não há homens perfeitos...


Luso Soares foi um dos mais brilhantes advogados da praça lisboeta e, também, um dos poucos que em tempo de Ditadura advogou no famigerado Tribunal Plenário em defesa dos presos políticos. O glorioso «25 de Abril» encontra-o precisamente aí, ao lado de Salgada Zenha exercendo a defesa de militantes da«ARA-Acção Revolucionária Armada» (tida como o braço militar do PCP, a quem se deveram, entre outras acções, o atentado ao COMIBERLAN [NATO] em Oeiras, aos helicópteros de Tancos e às viaturas que no porto de Lisboa aguardavam embarque para a guerra colonial), entre eles de Carlos Coutinho.


Outra das grandes paixões de Luso Soares foi o Teatro. Para além de ficcionista, ensaísta, autor de compêndios jurídicos e tradutor (traduziu Maiakovski, Giradoux, Vitrac, entre outros) este alenquerense foi, também, autor dramático e crítico teatral.


Terminamos com a inserção de uma listagem das suas obras:




  • Crime a 3 Incógnitas (1953).


  • Notas para a Criação da Novela Policial em Fernando Pessoa (1954).


  • Crimes e Criminosos na Divina Comédia de Dante (1954).


  • O Crime de um Fantasma - Romance (1954).


  • O Mais Inteligente dos Estúpidos - Novelas (1956).


  • Tentação Escarlate com Eficácia em Cor de Burro Quando Foge (1960).


  • O Parque dos Camaleões - Contos (1962).


  • Os Cavalos Marinhos - Drama (1963).


  • O Banqueiro Anarquista e Outros Contos do raciocínio de Pessoa (1964).


  • Vontade de ser Ministro (1965).


  • Cadáver Adiado que Procria (1967).


  • Quando Menos se Espera (1967).


  • Grandezas e Misérias num Sonho de Maiorais de Gado (1967).


  • A Outra Morte de Inês (1968).


  • Literatura Dialéctica Estrutura - Ensaios (1971).


  • António Vieira (1973).


  • Teatro Vanguarda - Revolução e Segurança Burguesa (1973).


  • A Novela Dedutiva em Fernando Pessoa (1976).


  • A Teoria Geral do Direito Civil - Manual (1977).


  • Vasco Gonçalves - Perfil de um Homem (1979).


  • O Direito Processual Civil - Manual (1980).


  • Maria Pia, Duquesa de Bragança contra D. Duarte Pio, o senhor de Santar (1983).


  • A Decisão Judicial e o Raciocínio Tópico-Abdutivo do Juiz - Direito (1983).


  • Vontade de Ser Ministro (1999).


  • O Poeta era um Fingidor (1999).


  • O Agravo e o seu Regime de Subida - Direito.


  • PIDE(DGS - Um Estado dentro do Estado.


  • Ainda: Foi Co-Director de «Cronos: Cadernos de Literatura (1965-1970).

15 maio, 2011

A ANTIGA FÁBRICA DA «CHEMINA»

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FOTOGRAFIAS DE UMA MANHÃ DE DOMINGO

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Desde que ardeu num fatídico dia do ano 2000 (passaram-se onze anos?!!!), a «Chemina» tornou-se numa ruína que tem tendência para se eternizar, ainda por cima bem no centro da vila de Alenquer. Nestes 11 anos tem faltado de tudo um pouco: justiça, ideias, espírito de iniciativa, amor pela terra, e, por fim, dinheiro!

Não se poderá culpar o actual executivo seja do que for (eu, pelo menos, não o faço) pois sei das dificuldades financeiras com que tem lutado para cumprir com o inadiável, situação, pelos vistos e à luz de declarações recentes, herdada de algum extra-terrestre... mas adiante.

Entretanto, enquanto o dinheiro não regressa, fiquemos com a beleza do imóvel, beleza que nem o estado degradação a que chegou consegue ofuscar.

Mas também com algumas notas «biográficas»: A fábrica da «Chemina» nasceu por iniciativa dos irmãos José Joaquim e Salomão Guerra que exerciam na fábrica «do Meio» as funções, respectivamente, de chefe da secção de acabamentos e da de tecelagem, os quais para aqui vieram oriundos de um outro centro de lanifícios, a Arrentela, Seixal.

Foram estes que, de facto, reuniram junto de banqueiros e industriais portuenses, onde avultavam Cândido Ribeiro da Silva e Carlos José Alves, os capitais necessários à fundação do estabelecimento.

Enquanto Fábrica de Lanifícios da Chemina, SARL esta empresa teve sempre escritórios e sede na cidade do Porto, na Rua Formosa, n.º 376. Em 1948 foi vendida passando a ser pertença da firma Fábrica Barros, Lde assim se manteve, por breve lapso de tempo, até encerrar em 1949. Depois, em 1952, foi de novo trasaccionada, passando a designar-se Empresa de Lanifícios Tejo. Ld.ª. Encerraria, definitivamente, em 1994, sendo adquirida pela Câmara Municipal de Alenquer.

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