20 maio, 2012

1212 - 2012 - VIII CENTENÁRIO DO PRIMEIRO FORAL DE ALENQUER

A NUMÁRIA DO FORAL (II)
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Como já referimos, para além dos maravedis, objecto do post anterior, também os dinheiros, as mealhas e os soldos são mencionados no Foral da Rainha D. Sancha. dinheiro surgiu em Portugal logo no alvor da nacionalidade mandado cunhar pelo nosso primeiro rei D. Afonso Henriques, tendo sido, aliás, a única moeda cunhada no seu reinado.

- DINHEIRO de D. Afonso Henriques
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Por vezes os nossos numismatas interrogam-se sobre as razões porque não teria D. Afonso Henriques cunhado moeda em ouro. Maria José Ferro Tavares, sobre tal motivo, dá-nos esta explicação convincente:
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O dinheiro foi a primeira e única moeda cunhada por D. Afonso Henriques no usufruto do seu direito de soberania. Podendo ter lavrado ouro, não o fez, limitando-se ao uso das espécies cristãs em circulação, quer na Península, quer no resto da Europa, e das muçulmanas. É um facto bem patente no seu testamento, que o soberano possuía ouro, proveniente dos saques e dos resgates, pagos em moeda áurea muçulmana. No entanto não cunhou neste metal por não existir, entre os reinos cristãos do Ocidente seus contemporâneos, uma tradição de emissão própria em ouro. Esta foi lançada por Afonso VIII de Castela em 1173 (...) Era uma moeda de combate que procurava criar um efeito psicológico destruidor nos inimigos da fé cristã, com quem se encontrava em guerra. Alguns anos mais tarde, este monarca [Afonso VIII] emitia o chamado morabitino alfonsim, com busto real e a legenda em latim, o qual iria influenciar as cunhagens áureas portuguesas.(1)
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Teria, assim, D. Afonso Henriques seguido a tradição carolíngia da amoedação em prata, melhor dizendo, em bolhão liga de prata e cobre. Mas teria sido, também, carolíngio - libra, soldo e dinheiro - o sistema monetário vigente até D. Afonso III, período este que abarca a época em que foi dada a Alenquer esta carta de foral? Embora a mesma Maria José Ferro Tavares haja encontrado abundante referência a libras (moeda de conta) nos manuscritos alcobacenses, acaba por se inclinar para a existência de outro  - que considera híbrido - de morabitino-soldos-dinheiros, já que, tal como no nosso foral, as referências a soldos (também eles moeda de conta) são abundantes.
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DINHEIRO de D. Sancho I
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O dinheiro, moeda de bolhão ou bilhão «peça negra de 15mm de módulo e de 1 g de peso», exibindo numa das face as armas reais e no reverso uma cruz, símbolos que irão assumindo nuances no seu desenho à medida que vai sendo cunhada nos reinados seguintes de D.Sancho I, D. Afonso II e de D. Sancho II, viria a ser a moeda mais numerosa destes primeiros reinados da nossa primeira dinastia.
Já no que diz respeito à mealha, peça também ela referida no nosso foral, tratava-se de um sub-múltiplo do dinheiro, daí também ser chamada meio dinheiro, sendo cunhada na mesma liga de bolhão.
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Acima apresentamos a imagem de uma mealha, todavia, acerca desta peça monetária, muitas dúvidas pairam por esclarecer. A autora que temos vindo a seguir, sobre este assunto, escreveu:
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Julgamos que D. Sancho I nunca emitiu esta ultima peça, se a tentarmos encontrar a partir das espécies conhecidas. De facto, as moedas até agora designadas pelos numismatas como mealhas são, no peso e no tipo, semelhantes ao seu múltiplo e algumas delas, inclusive, chegam a ultrapassar ponderalmente algumas das peças designadas por dinheiros. É pois mais convincente, até outro dado mais seguro, pensarmos que a mealha era obtida partindo, com os dentes ou com uma tesoura, o dinheiro, tal como no-lo descreve Fernão Lopes.(2)
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Consultando dois ilustres numismatas, verificamos que Batalha Reis no seu «Preçário das Moedas Portuguesas de 1140 a 1960», relativamente ao reinado de D. Sanho I, inventaria três tipos de mealhas. O mesmo autor, no que respeita ao reinado de D. Sancho II, inventaria dois tipos, enquanto Ferraro Vaz, autor de «Numária Medieval Portuguesa», no que concerne a este reinado, não refere nenhuma. (3)
Quanto aos soldos, cujo nome nos remete para os solidus romanos, começaram estes por serem moeda corrente, antes de se tornarem moeda de conta. Sobre estes, escreveu o Dr. Raúl Gonçalves:
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O leitor, dado à consulta de velhos documentos, se tiver passado pela Torre do Tombo ou por qualquer biblioteca antiga ou arquivo, especialmente por aqueles concernentes aos espólios de extintas ordens monásticas, ao interpretar a documentação relativa a transacções respeitantes ao condado portucalense e primeiros reinados da monarquia portuguesa encontrará citações a solidus(...).
A complicar mais as coisas ainda, destes, uns eram novos, outros velhos, estes últimos, por via de regra, com melhor aceitação.
A multiplicidade de valores era regra geral. Falar num soldo não bastava; necessário se tornava especificá-lo pois havia-os de muitas procedências e valores:(...)desde os soldos kazimios até aos burgalezes (de Burgos)passando romanos galeganos, maometanos, leoneses e pepiones.
(...)
Inicialmente moeda corrente, em circulação, com o decorrer dos tempos passaram estas moedas a ser de Conta, moeda imaginária ou convencional, destinada a facilitar as transacções.(4)
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Por último, para que tenhamos uma idéia do valor do soldo relativamente às moedas correntes no reinado de D. Sancho I, segundo Ferraro Vaz, o morabitino áureo valeria, provavelmente, 15 soldos ou 180 dinheiros. Já no reinado de D. Afonso III, o morabitino de D. Sancho II valeria 22 soldos ou 264 dinheiros.
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- Oficina de Moedeiro

(1) - Tavares, Maria José Ferro, "A moeda portuguesa durante a primeira disnastia (1128-1245), in História de Portugal, Vol.II; Edições Alfa, Lisboa, 1983, pág. 300.
(2) - Ibidem, pág. 301.
(3) - Gonçalves, Dr. Raúl, "A Numária Afonsina", Revista Selos & Moedas, n.ºs 26, 29, 30, Aveiro, 1969/70.
(4) - Idem, Ibidem, n.º 23, pág.115.