12 dezembro, 2008

QUANDO A CÂMARA DE ALENQUER OLHAVA MADRID DE CIMA PARA BAIXO

Bento Pereira do Carmo (1777-1845), esse notável vulto do liberalismo, único alenquerense a atingir o posto mais alto da governação - Ministro do Reino em 1834 - notabilizou-se também como parlamentar brilhante, dotado de um invulgar dom da palavra.
Deputado às Cortes Constituintes, no dia 13 de Julho de 1821 proferiu no hemiciclo um discurso que a história do parlamentarismo guardou, tendo então evocado uma corajosa reacção da Câmara de Alenquer à prepotência real que preparava novo assalto aos seus depauperados recursos.
Em causa estavam as finanças públicas e a legitimidade para o lançamento de impostos: "Pelo nosso direito público as Cortes da nação eram as competentes para concederem os pedidos e contribuições necessárias às despesas públicas (...) Esqueceu-se este princípio da nossa lei fundamental; e a nação ficou abismada numa dívida enorme, que sem dúvida custará grandes sacrifícios à geração presente"
Como se pode verificar, "crise" é para este nosso pobre País um estado quase natural e com profundas raízes no passado, mas, continuando... o ilustre parlamentar declarou que "a perda desta prerrogativa [de serem os legítimos representantes do Povo a decidirem em tal matéria] foi a que mais custou aos povos, que sempre protestaram e patentearam a sua desaprovação por todos os meios que se lhes ofereceram. De muitos exemplos que poderia apontar estremarei um só porventura, muito pouco sabido. Um dos Filipes tentou aumentar o cabeção das sisas a despeito das solenes promessas feitas em Tomar por Filipe II; e uma das câmaras deste reino ( a da vila de Alenquer ), a quem fez a proposta, respondeu:".
Antes de tomarmos conhecimento dessa resposta, refira-se que Alenquer conviveu muito mal com o domínio filipino, tendo o "caldo" ficado completamente entornado quando Filipe II desanexou a vila da Casa das Rainhas e a entregou a D. Diogo da Silva de Mendonça, conde de Salinas e Governador de Portugal, então feito Marquês de Alenquer.
Mas voltemos à resposta da Câmara de Alenquer que é o que agora efectivamente nos interessa: «que sonegar sizas não era pecado, porque sem consentimento das Cortes foram estendidas além do prazo, porque as Cortes as concederam; e que se não convinham [concordavam] na legalidade das que estavam pagando, como era possível convir no seu aumento?»
Prosseguindo, Bento Pereira do Carmo deu a conhecer a douta conclusão dos corajosos alenquerenses de seiscentos : "Rematavam esta resposta singular com uma sentença, que muito folgaria ver gravada com letras de ouro nos pórticos dos palácios de todos os reis «Não há rei rico de vassalos pobres, nem amado de vassalos oprimidos».
Pensamos que, por via das dúvidas, também não ficaria mal se fosse gravada a letras de ouro no pórtico do nosso "palácio municipal". E porque não foi ela gravada em S. Bento, lá bem onde todos os deputados a tivessem sob vista?