01 março, 2015

AINDA O "ALENQUER E O SEU CONCELHO" DE GUILHERME JOÃO CARLOS HENRIQUES




A ESTRUTURA DA OBRA

Em 1873, o historiador Guilherme João Carlos Henriques publicou  a obra "Alenquer e o seu Concelho", que, tal como o seu nome indicia, é uma monografia do nosso concelho. O êxito desse livro foi enorme, valendo-lhe, mesmo, uma comenda, a da Ordem de Cristo, que lhe foi imposta pelo rei D. Luís I.
Para os alenquerenses este livro tornou-se a sua "bíblia" da história local, e, como tal, guardada em muitos lares como se de um tesouro se tratasse, sendo transmitida de geração em geração como algo de verdadeiramente precioso. Na casa de meus avós também havia um exemplar, mas alguém o pediu emprestado e não o devolveu... Azar o meu. Mas hoje, já nem tanto, pois em boa hora a "Arruda Editora" colocou à disposição de todos a sua edição fac-similada.
Mas "Alenquer e o seu Concelho" foi mais do que um só livro, foi um conjunto de edições que podemos, assim, enumerar

1873 - "Alemquer e o seu Concelho" - Obra organizada em VIII Capítulos ou "Partes", tal como são tratadas nas edições que se seguiram;

1901 - Parte IX - Fascículo II - "Relação de Duarte Correia" - 2ª Edição, Tip. H Campeão, Alemquer;

                        - Fascículo III - "As Obras de Manoel de Mesquita Perestrello: 1º O Naufrágio da Nao S. Bento e 2º O Roteiro" - 2.ª Edição Correcta e Augmentada, Typ. e Pap. H. campeão  C.ª, Alemquer;

1902 - Parte X - "A Vila de Alemquer", 2º Edição Correcta e Augmentada, A Liberal, Lisboa;

1901 - Parte XI - "A Freguesia de Santo Estêvão - Fascículo II "O Ex-Convento da Carnota", A Liberal, Lisboa. São conhecidas mais duas edições, a 3ª de 1914, impressa na Tip. José Assis  A. Coelho Dias, Lisboa e 4ª de 1946, com prefácio de Luciano Ribeiro.

Com base no que acima se  diz, suponho que, no que respeita às "partes" IX, X e XI, nunca houve primeiras edições. Como fazem parte do "Alenquer e o seu Concelho" essa obra é considerada pelo autor a sua 1ª Edição. O primeiro fascículo da "Parte XI" nunca terá sido editado.
Se algum dos leitores deste post tiver algo de novo a dizer ou a acrescentar ao que aqui se diz, muito agradecíamos que nos fizesse chegar a sua opinião.

"AS OBRAS DE MANOEL DE MESQUITA PERESTRELO




Este "fascículo" de 140 páginas era o último que me faltava, pelo que, ao adquiri-lo, de imediato procurei saber a razão pela qual Guilherme João Carlos Henriques acrescentava ao "Alenquer e o seu Concelho" estas duas obras de Manoel de Mesquita Perestrelo.
Razões bem simples, afinal. A primeira porque o autor nasceu Alenquer, filho de Pero Sobrinho de Mesquita e de sua mulher Francisca Perestrello, moradores que foram na então quinta (hoje casal) da Cabreira, freguesia de Santo Estêvão. Pelo lado da mãe tinha ele parentes muito chegados nos navegadores com o apelido Perestrelo, assim como outros vínculos familiares mais longínquos com a esposa de Cristóvão Colombo. 
Outra razão, a raridade da obra «O Naufrágio da Nao S. Bento» que terá sido ainda impressa em vida do autor, mas da qual Henriques afirma que «não consta que haja exemplar algum d'este livro existente hoje». Quanto ao "Roteiro" também não consta a Henriques que tenha sido alguma vez impresso, nem tão pouco terá sido para isso escrito, todavia, logo em 1668, esse texto terá saído na "Arte Pratica de Navegar" de Luíz Serrão Pimentel.


-Ilustração de Carlos Marreiros para a obra "Peregrinação".

Ainda sobre o autor, Manoel de Mesquita Perestrello, à semelhança de tantos outros portugueses de quinhentos, poder-se-à dizer que a sua vida dava um filme:
«Em 1549, conforme ele diz no Roteiro, fez a sua segunda viagem à Índia, e no regresso d'aquele Estado, em 1554, naufragou na foz do rio do Infante, chamado hoje Great Fish River, na nau S. Bento, com 472 pessoas, das quais se salvaram 322. Andaram estas pelo sertão quase sete meses, e ao cabo de um ano, chegaram a Moçambique [tão só] vinte portugueses e três escravos, resto de tão avultado número de gente que tinha saído de Goa naquela malfadada nau, vindo entre eles Manoel de Mesquita Perestrello.
Depois foi como capitão-mór de uma frota a S. Jorge da Mina, em 1562, e ficou lá durante um ano, como governador da fortaleza, de que resultou voltar para o reino prisioneiro, acusado de peculato e abuso de autoridade. Encarcerado no castelo de S. Jorge de Lisboa pediu para ser transferido para a cadeia da cidade, e de lá conseguiu fugir, homizidiando-se em Espanha até que obteve perdão, por carta de 27 de Maio de 1569, e pode voltar à pátria. (...)
Em 1575 Manoel de Mesquita foi, por ordem d'el-rei D. Sebastião, examinar a costa do continente africano do Cabo da Boa Esperança até ao Cabo das Correntes. No desempenho desta comissão esteve desde 2 de Novembro de 1575 atá 13 de março de 1576, e o resultado das suas observações foi consignado no Roteiro. que agora vai publicado em seguida à Relação do Naufrágio. (...) depois da viagem que deu os elementos para o Roteiro, não tenho notícia alguma da vida pública de Manoel de Mesquita Perestrello».

26 fevereiro, 2015

AS PONTES QUE ALENQUER TEVE (CONCLUSÃO)


- Fotografia tirada da Variante (sobre a Chemina) vendo-se o antigo campo de futebol do Sporting e, ao fundo deste, a ponte - Retirada da obra "Alenquer Desaparecida" de Filipe Rogeiro.

4) - A PONTE DE SANTA CATARINA

A ponte de Santa Catarina, à entrada da vila, é, porventura, aquela que na biografia alenquerense menos referências colheu. De igual modo, tanto quanto julgamos saber, será aquela que do passado menos imagens nos chegaram. Estamos em crer que, desde sempre, aí existiu uma qualquer passagem sobre o rio, a qual, com o decorrer dos séculos, viria a tornar-se ponte.
Guilherme J. C. Henriques, na sua obra "A Vila de Alenquer", a propósito de Damião de Goes, faz uma referência a uma escritura celebrada por este em 1560 onde consta uma relação «(...) de algumas cousas que mandei e dei a egrejas d'este reino (...)» e, entre elas, diz «fundou outra missa cantada em perpetuo, em dia de Ascenção, para a qual e para fabrica da capella-mór, deixou uma hypotetheca de 10 cruzados annuaes sobre uma horta que possuía á ponte de Santa Catharina». Acreditando aí constar esta referência à ponte, ela será, certamente uma das mais antigas.
Outra referência interessante a esta mesma ponte encontramo-la no livrinho de Albino Figueiredo (que foi administrador deste concelho em meados do século XIX) intitulado "Memória sobre alguns melhoramentos possíveis da vila e do concelho de Alenquer". Aí podemos ler na pág. 28: «Uma pessoa, verdadeira e proba d'esta villa, e que ainda não tem 70 annos, conheceu a ponte de Santa Catharina tão alta que daria passagem a um barco á vella».
A ponte que essa pessoa teria conhecido no início do século, então sobre um rio muito assoreado, seria a que abaixo podemos ver na bonita gravura que iluminou um postal editado por " Fernando Campeão  Saraiva" nos primeiros anos do séc. XX? Temos algumas dúvidas...



Qual terá sido, então, a data de construção desta ponte? Antes de arriscarmos uma data, lembramos que em Portugal as "estradas reais" foram construídas sobre as antigas estradas romanas, e, por sua vez, as estradas nacionais, já pensadas para o trânsito automóvel, seguiram, grosso modo, o traçado das estradas reais.
Dentro desta lógica, somos levados a pensar que esta ponte da antiga EN 1 (estrada hoje desclassificada entre a rotunda do Bravo e a da Boavista) será contemporânea da da "Couraça" à saída do Carregado, construída sobre o rio Grande da Pipa no reinado de D. Maria II (por volta de 1850), quando, efectivamente se conseguiu pôr a funcionar um serviço de correios e diligências entre Lisboa e o Porto.
É certo que no reinado da outra Maria, a primeira, muitas obras públicas foram lançadas e, por curto período, ainda funcionou um serviço de diligências e correio entre Lisboa e Coimbra, o qual, por dificuldades de toda a ordem, viria a ser interrompido. Voltando ao que atrás dissemos, só em meados do século seguinte, em articulação como o comboio que havia chegado ao Carregado se deu início a um serviço regular de diligências para o Porto e também entre o Carregado (estação) e Alenquer, entre muitos outros. Por conseguinte, afigura-se-nos como possível, que a ponte acima seja dessa data.

14 fevereiro, 2015

AS PONTES QUE ALENQUER TEVE




3) - A PONTE DO ESPÍRITO SANTO

A ponte do Espírito Santo é a que liga hoje o largo com o mesmo nome ao Largo Palmira Bastos. A actual ponte é muito recente e sucedeu à que podemos ver no postal abaixo, construída nos anos 40, quando o rio mudou de local dando lugar às Av.ª 25 de Abril (que já foi Av.ª Duarte Pacheco) e à dos Bombeiros Voluntários (primeiro Av.ª Lafaurie e depois Av.ª Dr. Oliveira Salazar).
Olhando esse postal que nos mostra a Fábrica da Chemina intacta, o Parque Vaz Monteiro tal como ficou nos anos 60 quando a alameda de plátanos deu lugar a um jardim e as as avenidas libertas de veículos automóveis, facilmente nos apercebemos como a ponte "estrangulava" o rio contribuindo, desse modo, para a ocorrência de cheias. Daí que, quando das recentes obras de regularização do rio, a mesma tivesse sido demolida para dar lugar à actual.


Mas, antes das duas de que atrás vos falámos, uma outra existiu «muito bem feita e forte» no dizer do Padre Luís Cardoso no seu "Diccionario Geografico" de 1747, pelo que haveria de durar quase quatro séculos, já que foi dada por concluída no dia 28 de Abril de 1571.



Isso mesmo pode ler-se no padrão ainda hoje existente (decorando o jardim do Parque Vaz Monteiro) no qual está inscrito:
«Reinando el-rei D. Sebastião mandou ao concelho desta vila fazer esta ponte em 1571».
A esta inscrição segue-se uma outra que diz «Rainha e Carta // D. Maria». Sobre ela refere Guilherme J. C. Henriques que «No tempo das guerras da Liberdade  os alenquerenses protestaram o seu amor pela Constituição, desfigurando a antiga pedra com as palavras «Rainha e Carta» que mal cabiam no quadrado».



De facto, este bonito padrão que sob as armas reais ostenta as armas da vila, tem tido uma vida errática. Em 1893, no seu n.º 268, dele dava conta o jornal "O Alemquerense", nos seguintes termos:
«Ainda há uns anos se via num dos extremos da ponte, do lado do Largo do Espírito Santo, levantado um padrão onde estavam esculpidas as armas da vila e a data em que a ponte tinha sido feita. Uma câmara qualquer mandou arranjar a ponte e esse padrão foi abandonado; há tempos constou-nos que estava em uma adega de um proprietário desta vila, servindo de cachorro a tonéis».
Em 1902, no "A Vila de Alenquer", Guilherme J. C. Henriques, sobre este mesmo padrão, escreveu:
«Consta-me que quando a ponte foi reparada este padrão foi arrecadado na arcada do Espírito Santo d'onde foi retirado pelo sr. Moysés Carmo, e colocado no sítio que hoje ocupa».


E o lugar que ocupou foi à entrada da ponte, até à demolição da mesma, tal como se pode ver nos postais editados. Ainda no postal acima, ao fundo, abaixo da encosta, os edifícios da desaparecida Fábrica do Meio ou da Companhia, fundada nos últimos anos da primeira metade do século XIX pelo industrial francês Lafaurie.
Da fábrica já não tenho ideia, mas lembro-me bem do edifício à esquerda de quem atravessava a ponte, onde, no piso térreo, funcionava a loja de fazendas e retrosaria do "Santos da Ponte" (Casa Comercial de Serafim A. Santos), assim como dos barracões gémeos da estância do Correia que foram demolidos para a construção do edifício da Caixa Geral de Depósitos.



05 dezembro, 2014

AS PONTES QUE ALENQUER TEVE...




2) A PONTE DO "AREAL", DO "ARRAIAL", DE "TRIANA" OU DO "ALÃO"

Até 1934 a Rua de Triana terminava aqui, no Largo das Formigas. Ao fundo do largo nasceria a Avenida Jaime Ferreira, aberta nesse ano, no local conhecido como Horta das Formigas. Olhando o postal acima, lá está a ponte de "Triana" (nome que lhe dá Guilherme Henriques na sua obra "A Vila de Alenquer") ou do "Areal". Menos comum é a denominação do "Arraial" que, todavia, já encontrámos em mais do que um documento, Esta ponte ligava à Rua Lafaurie para sul e à Rua Serpa Pinto para norte, uma artéria que chegou a acolher muitas casas de comércio.


Nesta fotografia de 1888 (estava em construção o edifício dos Paços do Concelho), temos uma vista da ponte a partir de cima. Frente a ela a casa que pertenceu à família Costa Alves, a que foi oficina de ferrador de José Lérias e a de Fernando Luís Fernandes "Açorda", esta última  (já no século seguinte) de reparação de automóveis. Por outro lado, é interessante verificar como a igreja da Várzea se encontrava liberta de construção à sua volta e como o edifício da "Fábrica de Papel" ainda mantinha a traça original, por pouco tempo, pois em breve passaria a fábrica de lanifícios (do Ferreira, industrial lisboeta) e sofreria obras de adaptação. 


Este postal, mostra-nos a ponte de "Triana" nos seus últimos anos e, em primeiro plano, a levada de água para a Fábrica de "Lafaurie", do "Meio" ou da "Companhia" nomes porque foi conhecida. A sua construção, muito antiga, era já um problema quando ocorriam cheias, uma vez que os seus arcos constituíam um problema para o escoamento das águas.
Falando da sua antiguidade, Guilherme Henriques é de opinião que a construção seja posterior ao reinado de D. Dinis, já que ali perto se situavam as "passadeiras" utilizadas pela Rainha Isabel, sua esposa, quando pretendia ir à Igreja de "Nossa Senhora d'Assumpção de Triana".
Esta ponte começou a ser demolida em 1946 e em 1948 estavam em construção as novas avenidas previstas nos Planos de Rectificação do Curso do Rio e de Urbanização da Baixa lançados pelo Engº Duarte Pacheco. obras concluídas no início dos anos 50.


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Precisamente nos anos 50, encontramos um pouco mais abaixo uma ponte pedonal em madeira, a qual, passados alguns anos, viria a ser substituída por uma outra de betão, um tudo nada mais larga. Esta última, já conhecida como ponte do "Alão" - nome retirado do café ali próximo que entretanto abrira com muito sucesso (era o único estabelecimento em Alenquer que vendia fiambre!) - viria a ser destruída quando da trágica cheia de Novembro de 1967, quando nela embateu uma máquina que pesava toneladas, proveniente da fábrica de papel, a qual havia sido arrastada pelas águas apesar do seu colossal peso. Na sequência do seu desaparecimento foi construída a ponte que hoje conhecemos.