DA ESTRATÉGIA DO CINISMO À ESTRATÉGIA DA HUMILHAÇÃO
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Digo-vos desde já, à revelia dos argumentos mais tacanhos que as oposições têm querido fazer passar, que não acredito que a crise económica e financeira que vivemos seja fruto da má governação do executivo de Sócrates ou dos erros acumulados por todos quantos o antecederam.
Antes fosse! Matava-se o mal pela raiz e, como se diz no futebol, passávamos a depender só de nós...
Deixem-me recuar umas décadas neste tempo que já vivi para vos dizer que, quando jovem bancário, tive uma vez formação com um senhor que tinha sido dealer do banco onde trabalhava no Mercado de Capitais de Lisboa. O que era isso? Era um local onde os agentes dos bancos que tinham «excesso de liquidez» (mais dinheiro depositado do que aquele que necessitavam para o crédito que faziam) vendiam dinheiro aos que tinham «falta de liquidez». Qualquer coisa como isto: «Tenho 4 milhões de contos, quem pega?», havendo, naturalmente, quem respondesse, «compro 2 por 15 dias à taxa de juro x ou y».
E isto funcionava porque neste País havia uma coisa chamada «poupança» (vejam bem, num tempo em que a vida era incomensuravelmente mais difícil do que é hoje), porque estávamos num tempo em que ainda não haviamos sucumbido à febre consumista que rouba às famílias o que elas têm e não têm. Sim, porque hoje, Banco ou Governo, se necessitam de liquidez para satisfazer as necessidades de crédito dos seus clientes, particulares ou empresas, ou de funcionamento dos Ministérios, há que ir lá fora e pagar a taxa de juro que as tais agências de classificação de risco atribuem ao país, porque poupanças depositadas, coitadinhas.
Este, o da dívida externa, é como todos sabemos o rosto actual da tal «crise» que há cinco anos nos atormenta (a nós Portugal, à Europa e ao Mundo), aquela que começou pelo rebentamento da tal bolha imobiliária, que passou pelo abanão das instituições que enfardaram nos tais «produtos financeiros tóxicos», que depois... poupo-vos ao resto, para vos dizer que só um cego não vê ou não quer ver, que mesmo as economias mais fortes da Europa tiveram que implementar medidas orçamentais rigorosas para combaterem os seus déficites e cuidarem do seu endividamento.
Eu não sonhei isto, pois não? Então para quê todo este espectáculo para «tótós» distraídos que ainda por cima nos sai caro no mercado externo de capitais? Enquanto ia assistindo ao folhetim das negociações PS/PSD, uma só qualificação me vinha à ideia: «estratégia do cinismo» (por acaso título de um livro de Carlos Coutinho que há muito tempo li e não tem nada a ver com isto...).
Todos estavam muito preocupados com o País, coitadinho, porque vai pagar caro um «chumbo» (tá bem abelha...), mas o que mais interessava aos «salvadores», está visto, eram as sondagens para ver se mandavam ou não o Sócrates bugiar ou fazer um doutoramento em engenharia nos Estados Unidos, que é para onde vão desenfastiar os ex-governantes que por decoro não entram logo num acolhedor Conselho de Administração. E o que pensaria Sócrates? Sinceramente, penso que já não pensa nada, porque isto de cinco anos a dançar com a mais feia...
Hoje, a espaços, assisti ao debate do Orçamento. O que me veio à ideia? Que da «estratégia do cinismo» havíamos passado à «estratégia da humilhação». O Sócrates que eu vi hoje no Parlamento, não era seguramente o mesmo combatente de outrora, era a sombra do político que foi e essa sombra toldava-lhe já o rosto. Estava lá, mas era como se já lá não estivesse.
Desculpem-me: Que triste espectáculo de arrogância o daquela bancada que, dizem as sondagens, nos irá em breve governar. Assis esteve certo naquilo que disse àqueles que vão fazer o favor de dar aos portugueses este Orçamento por eles classificado de inqualificável, e eu não sei como classificar esse gesto abnegado de Coelho e quejandos...
Mas há uma coisa que todos já sabemos: que este é um Governo de dias contados, os dias que na estratégia partidária laranja faltam para Cavaco ser de novo eleito Presidente da República. E que dias serão esses que este Governo irá (ou poderá) dar ao País depois da aprovação por omissão deste Orçamento? Depois do que vi hoje acontecer em S. Bento, acho, só, que vamos ter um Inverno muito cinzento e duvido muito que a Primavera se vista de verde, que é a cor da esperança.