.Fotografia da Colecção Graciano Troni publicada em "Alenquer Desaparecida" de Filipe Soares Rogeiro, Arruda Editora.
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A CASA DA TORRE
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Quem subir a Calçada Francisco Carmo (vulgo Calçadinha), a meio do percurso encontrará a Casa da Torre, uma das mais antigas e interessantes da vila de Alenquer.
O historiador alenquerense Guilherme Henriques, na sua obra A Vila de Alenquer chega a admitir que a sua origem remontará à presença dos romanos neste território, dizendo que «...pode ser que fosse outrora, uma daquelas torres isoladas ou obras avançadas» com que esse povo defendia um ponto nevrálgico das suas posições ou uma passagem dum rio. Sendo certo que o antigo castro na colina sobranceira à vila foi, também ele, castrum romano (e mais tarde reduto fortificado do castelo medieval, aí se situando a sua torre de menagem), é bem possível que esta hipótese quanto às origens da torre, sobre a qual mais tarde se edificaram as casas, tenha alguma consistência.
Outra hipótese avançada é de que esta torre, pela fortaleza e envergadura da muralha «demasiado dispendiosa para ser simplesmente um muro de suporte» talvez fosse, afinal, «o começo de uma nova linha de fortificações, destinada a incluir na praça a fonte que fica próxima, entre a Torre e a igreja de S. Pedro». Quanto à casa, propriamente dita, o mesmo historiador dá a conhecer que «parece que já existia em 1466, e que pertencia, então, ao cavaleiro da Ordem de Cristo, Martim Telles, porque no testamento com que falece, descreveu entre os seus imóveis, na vila de Alenquer a Torre que está junta com o forno do Capitão que é no arrabalde da vila, junto às casas de João Cotrim» e «mais todos os pardieiros que estão atrás da dita Torre contra a igreja de S. Pedro do arrabalde da dita vila».
No último quartel do séc. XVIII nela residiu Félix José Leal Arnaut, pai de D. Maria Máxima Leal da Cunha Arnaut que no oratório dessa mesma casa celebrou casamento com o Dr. Joaquim Pereira Fajardo de Azevedo, bisavô de Moisés Amilcar de Oliveira e Carmo que foi nesta vila técnico da Fábrica do Meio, importante comerciante e um dos fundadores da Sociedade Filarmónica União e Recreio Alenquerense.
Félix José Leal Arnaut que foi «professo da Ordem de Cristo», hábito obtido aos 16 anos de idade quando, então, era para isso exigida a maioridade (um processo interessante que já tivemos oportunidade de consultar na Torre do Tombo), esteve, nesta vila de Alenquer, ligado à existência no sítio da Romeira de uma oficina manufactureira de cutelaria e armas brancas, mas que, segundo nos foi possível apurar pelos livros de manifesto do «Novo Imposto», só teria chegado a fabricar facas de sapateiro.
Era este natural de Lisboa e filho do capitão Francisco Dias Leal, familiar do Santo Ofício e, também ele, professo da Ordem de Cristo. Muito novo andou pelo Brasil e aí teria organizado a sua vida, talvez mesmo, alcançado pequena fortuna, após o que teria regressado definitivamente.
Ainda, segundo Guilherme Henriques, em 1860 residia aí o industrial Lafaurie fundador e proprietário da Fábrica do Meio. De facto este imóvel consta do seu testamento registado em livro próprio (Arquivo Histórico da Cãmara de Alenquer), cabendo por herança a sua filha D. Maria Carolina Augusta Lafaurie que nela também residiu e o teria vendido a «João Marques de Sousa Ramalho irmão do Rev.mº Prior de S. Paulo, em Lisboa, que ainda a possue», isto em 1902.
Durante este período, de 1890 a 1897, nela funcionou a Escola de Desenho Industrial Damião de Goes, uma experiência local de ensino profissional. Mais tarde, pelo anos 40 do séc. XX, foi propriedade do arqueólogo Hipólito Cabaço que também nela residiu, vendendo-a, depois, à Câmara Municipal que aí instalou o Externato Damião de Goes, pelo qual passaram muitos e muitos jovens alunos da minha geração. Funcionou este Externato até meados dos 70, após o que o imóvel recebeu obras que o adaptaram ao funcionamento de alguns serviços camarários.