13 agosto, 2013

DEAMBULAÇÕES ESTIVAIS II

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FUI À SENHORA DA LAPA...
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Juro que não estava nas minhas intenções.! Mas, de vez em quando, o meu carro prega-me destas partidas... Vai daí, dei comigo sentado à mesa do "Cabicanca" em Aguiar da Beira.
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- Conjunto monumental em Aguiar da Beira
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"Cabicanca"? Ca bicanca ou seja que grande bico (era uma cegonha e nunca haviam visto pássaro semelhante, pelo que um almocreve valentão deu-lhe um tiro - assim é contada a história do pássaro que tinha um grande bico). Mas qual bicanca qual quê, foi mas foi um grande almoço: Aperitivos, presunto fatiado, porco frito sequinho e estaladiço, finíssima bola de carnes e presunto... logo aí entrou o Dão em todo o seu esplendor e sabor. Depois veio uma posta de vitela acompanhada por umas delicadas migas de legumes e saborosas batatas assadas na grelha. Para terminar, umas tradicionais papas doces de milho. Melhor que tudo isto só a conta, uns módicos (para a excelente amesendação) € 10,50 por mastigante.
Cometido o pecado da gula, fui ao posto de turismo e aí recomendaram-me que fosse à Senhora da Lapa, no vizinho concelho de Sernancelhe, mas muito perto de Aguiar. Aguçaram-me a curiosidade dizendo-me que só passava pela lapa quem não tivesse pecados. Logo dei comigo a pensar: Ai que o almoço já me estragou a performance...
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Reza a «lenda que, em 1498, uma pastorinha de 12 anos, de nome Joana, muda de nascença, introduzindo-se por entre as fendas das rochas encimadas pela grande lapa, aí encontrou uma linda imagem da Virgem, que ali teria sido escondida há mais de quinhentos anos por umas religiosas fugidas a uma perseguição [história recorrente, de imagens escondidas perante a invasão dos mouros]. 
A devoção e todo o carinho que a menina dedicou à imagem, valeram-lhe uma especial protecção da Virgem que por milagre lhe concedeu o dom da fala».
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O actual Santuário data de finais do século XVII, quando os jesuítas, em local contíguo, iniciaram a construção do "Colégio da Lapa".  O seu interior é bonito e original, já que por detrás do altar-mór se pode ver a grande lapa. Para além do mais, está recheado de boas imagens nitidamente setecentistas, destacando-se um magnífico presépio identificado como pertencente à escola de Machado de Castro (só por este Presépio já havia merecido a pena ter lá ido...).
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- A Lapa e os seus dois bonitos altares laterais
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Mas tinha de fazer o teste. A Lapa lá estava e a tentação de entrar e passar pela estreita passagem, por onde só passa quem não tem pecados, era grande. Em frente, pois então! Lá me encolhi no escuro e passei o primeiro obstáculo, mas logo me esperava outro igualmente difícil, a exigir um número de contorcionismo... Aventurei-me, para ficar encalhado! «Querem ver que agora nem para trás, nem para diante...». Voltei para trás, derrotado e sob o olhar de gozo dos muitos crentes que faziam fila para passar pela Lapa. «Pois sim, mas vocês não almoçaram no "Cabicanca"...». Minha mulher esforçava-se por conter o riso, mas a vingança goza-se fria, pois em breve chegaria a vez dela...
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Verdadeiramente preciosa é, também, esta imagem do Menino Jesus da Lapa, que em beleza rivaliza com a da padroeira.
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A aldeia da Lapa, onde se situa o Santuário, muito frequentado nesta altura do ano pelos nossos emigrantes, é bonita e apresenta-se bem tratada. São muitas as lojas que envolvem o Santuário vendendo artesanato e produtos alimentares de boa qualidade: magníficos presuntos e queijos, enchidos, doces.
Dizem que a Senhora da Lapa e Santiago de Compostela chegaram a ser, em tempos, os dois Santuários mais importantes da Península Ibérica. Eu, que gosto de tudo o que é genuíno e belo, saí de lá a cantar:

Fui à Senhora da Lapa,
Pela lapa não passei.
Retirei-me à socapa, 
Dos pecados só eu sei.

Cada vez gosto mais do meu País, pena é que os nossos governantes o não mereçam.